domingo, 28 de fevereiro de 2010

Comunicação: Aprendendo a gerar saber

O comunicador Gilson Schwartz nos faz lembrar Paulo Freire quando diz que "a alfabetização, ou seja, apropriação de novas ferramentas e habilidades é um processo de aprendizado pelo reconhecimento".

Vejo que ele busca com essa frase nos dizer que alfabetizar-se é mais do que aprender as letras, somá-las e formar palavras. Alfabetizar-se é aprender a reconhecer o que já está posto, o que já faz parte do convívio do sujeito, mas até então não foi apropriado por ele. Nesse sentido, alfabetizar é emancipar, favorecer ao sujeito que se situe autonomamente em seu contexto; é facilitar para que ele reconheça o que o envolve e, assim, criar suas próprias estratégias de interação com o meio.

A estratégia de alfabetização que privilegia o reconhecimento das coisas em nosso redor opera no campo do desenvolvimento humano, pois nos faz crescer e nos fortalecer quando aprendemos a lidar com novos sistemas que, outrora, desconhecíamos. Fazendo uma comparação, quando chega um computador numa comunidade da Zona Costeira é uma coisa, mas quando passamos a saber usá-lo para atender necessidades, é outra — e bem diferente.

Certa vez ouvi o mesmo Gilson Schwartz falar de "alfabetização digital". Fiquei curioso pelo termo e fui estudar um pouco. Vi que não é bem um "conceito" novo da ciência da Educação, mas uma "imagem" que nos ajuda a entender qual deve ser nosso grau de aproveitamento das políticas de inclusão social que lançam por aí.

Li num texto desse comunicador que "quando se busca evitar o desperdício de recursos públicos, seria prudente também abandonar de vez a expressão inclusão digital. Já não se trata apenas de expandir o alcance da infra-estrutura ou de financiar com subsídios a aquisição de equipamentos, mas, sim, com urgência, de promover a alfabetização digital, processo intensivo de capacitação pela formação de redes", pelo reconhecimento da rede em que, naturalmente, estamos inseridos.

Vejam, ele fala da capacitação "pela" formação de redes e não "para" a formação de redes. Entendo o que ele nos quer fazer entender. A rede já está aí, posta pra nós...

É evidente que estamos aprimorando nossa articulação entre seus pontos, tecendo nosso pano de trocas. A comunicação em rede pode nos capacitar no meio digital, porque a rede demanda isso de nós; precisamos nos fazer eficientes para melhorar o diálogo com nossos interlocutores, nossos pares. O aprender fazendo – fazer aprendendo é o caminho para experienciarmos essa nova linguagem. Mais do que lidarmos com o meio digital (principalmente a Internet), estamos lidando com a comunicação em rede e nosso desafio é entrar nessa com propriedade.

A REALCE - Rede de Educação Ambiental do Litoral Cearense já se lança nesse sentido, fortalecendo as ações em diversos de seus núcleos ao longo da Zona Costeira Cearense (ZCC). Além da elaboração de ações articuladas por diferentes comunidades — o que requer interatividade e intercâmbios —, destacam-se a produção de material informativo, a aquisição de equipamentos (máquinas fotográficas, computadores, data-show) e a apropriação de veículos de comunicação já existentes nas regiões, como rádios comunitárias e jornais locais. Soma-se a esse potencial uma estratégia de fortalecimento da comunicação ao longo do litoral cearense, que vem sendo elaborada por três assessores do INSTITUTO TERRAMAR, a ser apresentada à coordenação da REALCE ainda esse ano. Essa proposta organiza-se em quatro frentes de ação:

1. Formação e consolidação de doze Núcleos de Comunicação, mobilizados por jovens e educadores ligados a REALCE;

2. Assessoria de imprensa dos movimentos da Zona Costeira e de comunicação institucional às entidades envolvidas no Fórum em Defesa da ZCC;

3. Produção de Novas Mídias e Novas Linguagens,

4. Realização de campanhas anuais de sensibilização e mobilização na ZCC.

Em suma, é possível dizer que a partir do reconhecimento dos potenciais de comunicação existentes na ZCC, vai-se fortalecendo o diálogo entre as pessoas, a troca de experiências e, conseqüentemente, a geração de conhecimento.

Alfabetizar-nos digitalmente significa compreender que o meio digital pode favorecer a aproximação entre as regiões, integrar os saberes e informar sobre os acontecimentos. Entretanto nossa rede é maior do que a digital... É escrita, é oral, é artesanal: nossa rede é natural. É a Natureza toda, que se abre pra que reconheçamos cada parte de cada um de nós e cada parte de nosso coletivo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A Indisciplina na sala de aula

Primeiro dia de aula. Professor novo. Turma pouco afeita ao estudo. No caminho para seus novos afazeres os corredores da escola não parecem nada animadores para o recém-chegado professor. Na sala de aula todos os alunos estão de pé, circulando despreocupadamente, sem qualquer tipo de compromisso com o trabalho que está apenas começando.

Querem falar de outros assuntos, mais próprios e interessantes em sua opinião para pessoas que, como eles, estão em idade para freqüentar o Ensino Médio. Matemática não lhes parece parte integrante dos conhecimentos que necessitam para sobreviver na selva que percebem em seus cotidianos. Jaime, seu novo professor, mal consegue se apresentar, pois é interrompido com menos de 10 minutos em sala de aula pelo acionamento do sinal que faz com que todos os alunos saiam rapidamente da classe.

É apenas mais uma entre várias “brincadeiras” promovidas pelos alunos para interromper o trabalho que está sendo desenvolvido. Numa outra aula, quando as primeiras páginas do livro estavam sendo abertas no capítulo sobre frações e porcentagens, surgem dois novos alunos, atrasados, que trazem consigo justificativas que lhes permitem permanecer na aula.

Nenhum dos dois tem os materiais apropriados e ainda desrespeitam o professor com gestos obscenos. Ao ser interpelado pelo professor no final da aula um dos estudantes diz que não tem qualquer interesse pelo que está sendo ensinado e, além disso, ameaça o professor.

Para desestabilizar ainda mais as aulas de matemática, os jovens amotinados passam a assistir a aula tendo a seu lado outras pessoas que, como eles, não estão dispostos a estudar e que, da mesma forma como os primeiros, querem ameaçar e boicotar os esforços de Jaime. Para piorar ainda mais a situação, entre os outros membros do corpo docente a descrença na capacidade dos estudantes também se faz notar.

Nas reuniões pedagógicas ou mesmo nos intervalos (na sala dos professores), fica claro para o novo professor de matemática que entre seus colegas de trabalho não há nenhuma perspectiva positiva quanto ao futuro de seus novos alunos. Nem mesmo entre os pais a educação é vista como uma possibilidade de crescimento, de amadurecimento e de melhores chances no futuro...

A seqüência de acontecimentos acima descrita poderia retratar fatos ocorridos em qualquer escola do Brasil. Apresenta o que para muitos que trabalham com educação seriam situações corriqueiras, do cotidiano de seu trabalho.

Trata-se, entretanto de um recorte feito a partir do filme “O Preço do Desafio” (Stand and Deliver), do diretor Ramon Menendez, produzido pela Warner Bros em 1988 a partir da história real de Jaime Escalante, um professor de matemática.

Quando nos referimos a Instituição Escolar, não podemos deixar de enfocar essa questão que suscita muitas dúvidas a educadores, diretores, pais e até mesmo a alunos: a indisciplina.

- O que é uma classe indisciplinada?

- O que o professor pode fazer para ter controle perante situações de indisciplina?

No ambiente escolar em que trabalho, as principais queixas dos professores relativamente à indisciplina são: falta de limite dos alunos, bagunça, tumulto, mau comportamento, desinteresse e desrespeito às figuras de autoridade da escola e também ao patrimônio; alguns professores apontam que os alunos não aprendem porque são indisciplinados em decorrência da não imposição de limites por seus familiares; o fracasso escolar seria então o resultado de problemas que estão fora da escola e que se manifestam dentro dela pela indisciplina; de acordo com esses professores, nada pode ser feito enquanto a sociedade não se modificar. Condutas como essas são também observadas em outras instituições particulares e em escolas públicas. Podemos afirmar que no mundo atual a maioria das escolas enfrenta estas questões, que perduram há anos, sofrendo obviamente alterações históricas de acordo com as contingências sócio-culturais.

Atualmente a indisciplina tornou-se um “obstáculo” ao trabalho pedagógico e os professores ficam desgastados, tentam várias alternativas, e já não sabendo o que fazer, chegam mesmo em algumas oportunidades a pedir ao aluno indisciplinado que se retire da sala já que ele atrapalha o rendimento do restante do grupo. Nesses casos, os alunos são encaminhados ao Serviço de Orientação Educacional. Muitas vezes há pressões por parte dos professores para que sejam aplicadas punições severas a esses estudantes.

- Como agir nessa situação? De que forma ajudar?

O que é uma Classe Indisciplinada?

Para iniciarmos uma reflexão sobre essas questões, vamos destacar o que significa a palavra indisciplina a partir de algumas definições quanto ao termo.

Indisciplina – procedimento, ato ou dito contrário à disciplina; desobediência, desordem, rebelião. (Dicionário Aurélio).

De acordo com o sociólogo francês François Dubet (1997), “a disciplina é conquistada todos os dias, é preciso sempre lembrar as regras do jogo, cada vez é preciso reinteressá-los, cada vez é preciso ameaçar, cada vez é preciso recompensar”. Isso nos coloca diante de um antônimo de indisciplina, nos lembrando que o respeito às regras dentro de uma instituição é de fundamental importância para o seu funcionamento pleno e que, conseqüentemente, a indisciplina representa a ameaça pela desobediência às regras estabelecidas. Por isso Dubet ressalta a necessidade dos professores relembrarem as regras e estimularem o seu cumprimento no decorrer do ano letivo.

Segundo o professor Júlio Groppa Aquino: ”O conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático, uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade.”

Groppa ressalta que a manutenção da disciplina era uma preocupação de muitas épocas como vemos em textos de Platão e nas confissões de Santo Agostinho, de como a sua vida de professor era amargurada pela indisciplina dos jovens que perturbavam “a ordem instituída para seu próprio bem”.

Diante dessa idéia de Júlio Groppa, não podemos deixar de lembrar da forma como as escolas até os anos 1960, conseguiam fazer com que seus alunos se comportassem. A disciplina era imposta de forma autoritária, com ameaças e castigos.

Os educandos temiam as punições e esse medo levava a obediência e a subordinação. Além de submetidos a uma rigorosa fiscalização, não podiam se posicionar utilizando-se de questionamentos e reflexões. Os professores eram considerados modelos e, em virtude do conhecimento que possuíam, agiam como donos do saber.

“A educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante” (Freire, 1998) por isso passa a ser chamada de “educação bancária”. Segundo a educadora Rosana Ap. Argento Ribeiro, “a educação bancária é classificada também como domesticadora, porque leva o aluno a memorização dos conteúdos transmitidos, impedindo o desenvolvimento da criatividade e sua participação ativa no processo educativo, tornando-o submisso perante as ações opressoras de uma sociedade excludente. O papel da disciplina na educação bancária é fundamental para o sucesso da aprendizagem do aluno. Nela, a obediência e o silêncio dos alunos são aspectos importantes para garantir que os conteúdos sejam transmitidos pelos professores”.

Atualmente, nos primeiros anos do século XXI, estamos vivendo num outro contexto. Influenciados por mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais, professores e alunos, e mesmo a própria instituição escolar, assumem um papel diferente na sociedade. Nessa nova realidade a educação bancária já não deveria ser aplicada dentro das escolas.

Acredita-se hoje que os professores devem estar mais preocupados com seu aperfeiçoamento, permitindo que seus alunos questionem, tirem suas dúvidas, se posicionem. Enquanto os alunos, por sua vez, têm mais acesso à informação, se consideram livres para questionar, criar e participar. Outro aspecto importante quanto à educação no 3° milênio refere-se ao fato de que a instituição escolar deveria estar mais aberta para a participação dos pais e da comunidade em suas atividades e mesmo, nas propostas curriculares.

François Dubet reforça a idéia de que “os professores mais eficientes são, em geral, aqueles que acreditam que os alunos podem progredir, aqueles que têm confiança nos alunos. Os mais eficientes são também os professores que vêem os alunos como eles são e não como eles deveriam ser”.

Quanto às afirmações anteriores percebo em minha realidade que alguns professores se mostram preocupados quanto a sua formação e prática profissional enquanto uma quantidade expressiva ainda demonstra grande resistência à reflexão e ao aperfeiçoamento do seu trabalho por se considerarem experientes e prontos para o exercício do magistério.

No que se refere aos estudantes é possível verificar que há um grande incentivo da família quanto aos estudos e ao mesmo tempo há um maior acesso a recursos que facilitam e promovem o processo de ensino-aprendizagem, como livros, computadores, internet, revistas, jornais, filmes... Essa circunstância realmente os torna mais críticos, questionadores e participativos. Porém, nem todos conseguem utilizar essas ferramentas de forma consciente e produtiva.

Os pais, por sua vez, comparecem a escola para presenciar a apresentação de trabalhos realizados por seus filhos apenas como observadores, sem posicionamentos mais efetivos e críticos. Há, porém baixo índice de comparecimento nas reuniões solicitadas pela escola, especialmente entre os pais cujos filhos freqüentam turmas da sexta série do ensino fundamental ao ensino médio.

O que o professor pode fazer para ter controle perante situações de indisciplina?

Sabemos que para obter disciplina em qualquer ambiente em que vivemos não podemos deixar de falar de respeito. Segundo Tardeli (2003), o tema respeito está centralizado na moralidade. Isso quer dizer que cada pessoa tem, junto com sua vida intelectual, afetiva, religiosa ou fantasiosa, uma vida moral. E o primeiro a atribuir um significado a moralização e inserir no conceito de ética foi o filósofo Demócrito.

Sabemos que atualmente o papel do professor dentro da escola é muito mais abrangente, pois ele precisa estar atento às capacidades cognitivas, físicas, afetivas, éticas e para preparação do educando para o exercício de uma cidadania ativa e pensante.

Será que sabemos ouvir nossos alunos? O diálogo envolve o respeito em saber ouvir e entender nossos alunos, mostrando a eles nossa preocupação com suas opiniões e com suas atitudes e o nosso interesse em poder dar a assistência necessária ao aperfeiçoamento do seu processo de aprendizagem.

É também compromisso do educador se preocupar com a disciplina e a responsabilidade de seus alunos. Para Piaget (1996), “o respeito constitui o sentimento fundamental que possibilita a aquisição das noções morais” .Conseguimos atingir a responsabilidade, desenvolvendo a cooperação, a solidariedade, o comprometimento com o grupo, criando contratos e regras claras e que precisarão ser cumpridas com justiça.

O professor passa a se preocupar com a motivação de seus alunos, tendo maior compromisso com seu projeto pedagógico e as questões afetivas, obtendo dessa forma uma relação verdadeira com seus educandos. Sob uma visão Piagetiana, o professor que na sala de aula dialoga com seu aluno, busca decisões conjuntas por meio da cooperação, para que haja um aprendizado através de contratos, que honra com sua palavra e promove relações de reciprocidade, sendo respeitoso com seus alunos, obtendo dessa forma um melhor aproveitamento escolar.

Segundo Tardeli (2003), “Só se estabelece um encontro significativo quando o mestre incorpora o real sentido de sua função, que é orientar e ensinar o caminho para o conhecimento, amparado pela relação de cooperação e respeito mútuos”.

Como agir nessa situação? De que forma ajudar?

Não podemos deixar de ter como foco em nosso trabalho o SER HUMANO. Precisamos valorizar as pessoas. Uma frase de Walt Disney ilustra bem essa idéia: “Você pode sonhar, criar, desenhar e construir o lugar mais maravilhoso do mundo... Mas é necessário TER PESSOAS para transformar seu sonho em realidade”. Estamos envolvidos com pessoas em nosso dia a dia: alunos, professores, pais, coordenadores, orientadores e diretores e, por isso, precisamos aprender a trabalhar em equipe para obter uma instituição forte, competente e coesa. A qualidade é obtida através do esforço de todos os seus integrantes, onde cada profissional é importante e cada aluno também. A escola é uma organização humana em que as pessoas somam esforços para um propósito educativo comum.


Escrito por: Sheila Cristina de Almeida e Silva Machado

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Educação, entre o balcão e o ensino

As reiteradas e desencontradas notícias sobre o ensino e a educação no Brasil nem sempre tocam no essencial. De um lado, espetaculares estatísticas sobre matrículas nos vários níveis de ensino sugerem que crescente e alta proporção de brasileiros tem acesso à escola e por ela se interessa.

De outro lado, porém, notícias de rendimentos escolares muito aquém do mínimo numa sociedade com as aspirações e as necessidades da nossa sugerem que o êxito numérico nas estatísticas seja contrabalançado por fracassos melancólicos no aprendizado.

Portanto, muita gente estudando e pouca gente aprendendo. Nossa educação não está preparando as novas gerações para que o Brasil idílico tire as patas do Terceiro Mundo e ponha os pés no mundo moderno e desenvolvido.

Porque, se continuarmos nessa relutância educacional e nesses resultados desalentadores, nosso destino será, inevitavelmente, o passado, de quando os brasileiros que trabalhavam eram politicamente classificados como semoventes.

Essas preocupantes adversidades não devem se sobrepor ao fato de que há no país generalizado apreço pela educação e disseminada vontade de aprender. Fazendo pesquisas em remotas regiões do Brasil, conheci esforços comoventes de pais muito pobres para assegurar aos filhos a escolarização sem a qual, sabem, estarão eles condenados à vida sem perspectiva que ameaça os faltos de escolaridade.

Em lugares de absoluta ausência do poder público, pais pagando professores leigos com gêneros colhidos na roça para que em troca ensinassem a seus filhos o fundamental para transitar neste complicado mundo de letras e escritos.

Ou crianças caminhando pelo vazio dos ermos para, na casa de pau-a-pique de um mestre-escola, sentadas em tamboretes de couro cru, usando os joelhos como carteira, aprenderem a desenhar as letras enigmáticas do grande e misterioso mundo que as relegou à orfandade cultural.

Armei minha rede em muitos casebres, por aí, cujos donos se orgulhavam de ter em casa até "livros", como os almanaques de farmácia e suas preciosas informações sobre as fases da lua e as épocas de plantio de plantas que conheciam só de nome, ou modos de fazer sabão com o óleo de sementes para não dependerem só do sebo.

Sem contar as folhinhas de Santo Antônio ou do Sagrado Coração, com as mesmas fases da lua, o número do dia bem grande, e, no verso, o conselho do dia. Coisas de quem quer ler e saber.

Outro indício dessa valorização da escola é, sem dúvida, o êxito da escolarização promovida pelo MST, apesar dos conteúdos pedagógicos discutíveis e dos simplismos ideológicos que empobrecem as metas educativas e, nesse particular, suprem carências de saber com outras ignorâncias. Em particular na mutilação da utopia da universalidade do ser e do direito.

Mas nem por isso deve-se deplorar o justo colocar ao alcance de gente no geral muito pobre e desprovida o acesso à leitura e ao livro, ao aprendizado, a saberes alternativos, a formas defensivas de cultura e de compreensão.

Sobretudo porque a ideologia educacional do MST tem a coerência que falta à ideologia sindicalista dos professores da rede pública e privada de ensino: a escola dos sem-terra liga-se ao projeto utópico de um modo de vida que é viável e representa uma resistência legítima às diferentes forças que, em nome da grande economia multinacionalizada e voraz, nulificam valores, crenças, maneiras de viver e capitais sociais acumulados ao longo dos séculos.

Mesmo na dureza de acampamentos instáveis, não falta a escola do professor voluntário que em nome de uma esperança e no meio do desespero ensina aos imaturos que na educação reside uma das poucas saídas da sociedade contemporânea.

Avaliação recente da qualidade das escolas mostrou que os melhores resultados estão em municípios que não se destacam pela exuberância econômica.

São aquelas localidades em que ainda há lugar para um estilo comunitário de vida, norteado por valores tradicionais, em que os pais se sentem parte da instituição, em que a escola é considerada uma extensão da casa e das missões da família, em que o professor é tratado com admiração e respeito. Tudo muito longe da racionalidade econométrica e quantitativa, em que o aprendizado é mero subproduto do diploma.

O que surpreende em tudo isso é que o déficit da educação brasileira só não é maior por conta dessas iniciativas enraizadas em objetivos conservadores e esperanças restritas, até estranhas em relação às grandes funções da educação moderna, iniciativas à margem das responsabilidades e possibilidades do Estado e do governo.

Iniciativas em contraste com a modernidade que pode dar à educação sua verdadeira missão civilizadora, sobretudo no estabelecimento de metas mais amplas e consistentes, relativas aos grandes desafios de conhecimento que se erguem diante do homem contemporâneo, para o qual a mera capacidade de ler está muito aquém do que se faz urgente e necessário.

Em manifestação estes dias, o próprio ministro da Educação, que é um educador, do corpo docente da melhor e mais bela expressão dessa esperança entre nós, de uma revolução social pela via da universidade pública e gratuita, que é a Universidade de São Paulo, reconheceu a gravidade da crise educacional.

Assinalou quanto o ensino médio é o momento problemático da redução na qualidade do ensino e quanto o Estado perdeu o controle do processo educacional ao recorrer à privatização do ensino e à lógica do mercado como meios de ampliar a oferta de vagas.

O mesmo ministro anunciou uma segunda onda de cancelamento de milhares de vagas no ensino superior, nos cursos de direito, para ajustar a oferta de vagas à qualidade do que se ensina nessas escolas. Tudo de difícil remendo no curto prazo, sem contar os egressos desses cursos que não foram alcançados pela tentativa tardia, mas necessária, de colocar um filtro de qualidade no acesso às escolas de terceiro ciclo e de frear a sobreposição do lucro ao ensino.

Já no regime militar o governo alargara a opção pela expansão do ensino pela via da coadjuvância de empresas que vendessem serviços educacionais, em detrimento de maciça opção pela escola pública e gratuita. Aquela opção perdura até hoje, como se viu com o PROUNI, um programa de subsídio às escolas privadas de terceiro grau em vez de amplo investimento nas universidades públicas.

Em vez de expansão significativa da rede de escolas superiores gratuitas, de corpo docente recrutado segundo os rigores próprios das grandes universidades, de acordo, aliás, com a lei, escolas equilibradamente devotadas à docência e à pesquisa, sem cuja combinação a escola de terceiro ciclo não é mais do que mera escola técnica superior.

Em entrevista recente à Folha de São Paulo, o Ministro tocou num ponto delicado dessa inversão de valores que em boa parte responde pela crise da educação brasileira, quando disse que antes o Estado avaliava e o mercado regulava, mas que sua compreensão é a de que "o Estado deve avaliar e regular".

Cauteloso, não tocou no fato de que o Conselho Federal de Educação e os conselhos estaduais se regem hoje pelos valores de uma concepção de educação que anula a função prioritária do Estado na definição de conteúdos educacionais, modos de ensinar e metas nacionais de educação de conformidade com o prioritário interesse público.

Enquanto a educação pública tiver que concorrer com a educação privada, como se fosse empresa de serviços educativos bancados pelo Estado e concorrente das empresas privadas, não haverá saída para o impasse.

Um dos grandes empecilhos às mudanças rápidas e necessárias é, além do mais, o descompromisso dos docentes da escola pública e da escola particular com as funções propriamente sociais da educação, muito além da mera formação profissional. Desde a ditadura perdidos na teia sindical e das lutas sindicais, sucumbiram às demandas da sobrevivência em face da degradação de suas condições de trabalho, e reduziram suas demandas aos interesses pessoais e corporativos.

Deixaram de lado um aspecto do que já foi chamado de sacerdócio do professor, abrindo mão da missão própria do educador que é a de assegurar a realização das metas propriamente educativas do ensino, sem nenhuma concessão a mediações partidárias e econômicas que atravessem e subjuguem o essencial e prioritário.

O econometrismo educacional bloqueia e distorce a educação brasileira, equiparando-a a uma mercadoria de carregação, equivalente das que podem ser adquiridas dos marreteiros que nas feiras de todo o País anunciam os sucedâneos de tudo que se deseja e não se pode, o xarope de catuaba que dá a ilusão da vitalidade a quem dela carece, a educação que custa menos e distribui mais diplomas, dando a impressão de sabido a quem sabido não é.

Tudo fazemos para nos enganar. Quando se estabeleceu que os professores do ensino elementar deveriam ter formação superior, o próprio governo aceitou todo tipo de improvisação, com cursinhos de fim de semana.

Contentou-se com a cartorial solução, bem brasileira, de que o papel substitui a competência. Milhares de docentes formados pacientemente nas universidades, no entanto, estão aí ao deus-dará dos empregos precários ou do desemprego em vez de serem recrutados como agentes de uma nova e mais ambiciosa educação brasileira.

O ensino em tempo integral, previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que deveria ter sido implantado até 2002 não o foi até hoje. Isso implicaria definir gabaritos justos e rigorosos seja para a qualificação dos docentes seja para seu salário, o que colide com o econometrismo que devasta a educação brasileira.

A lógica da produção, do vale quanto pesa, do preço por quilo, que vai bem numa fábrica de salsichas, mas vai muito mal numa escola, sobrepôs-se à lógica da formação e, propriamente, da educação. Sem a precedência do educador na educação, nossa escola continuará dominada pela lógica do balconista.

Ou escapamos dessa ou nos perderemos de nós mesmos. Em educação só devem ter lucro o aluno e o País.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pensar para causar...

Apure os sentidos... Sinta a brisa que levemente acaricia seu rosto... Permita-se escutar os sons ao seu redor... Aprecie o ar que respira... Veja as pessoas que circulam ao seu redor... Perceba a natureza em todo o seu esplendor...

Estas seriam as primeiras palavras que iria proferir se tivesse que dar a um grupo de alunos alguma orientação no sentido de ensinar-lhes como pensar ou, ainda, de que modo podem se articular e realizar em suas vidas (ainda que pense, em meu íntimo, que há vários fatores que conduzem uma pessoa a atingir à necessária altivez, destemor e presença de espírito para que possa se pronunciar ao mundo, dizer por que veio a esta Terra).

Penso ser inconcebível o livre pensar sem a sensibilidade, a possibilidade de perceber tudo o que está ao nosso redor: a natureza, as pessoas, as construções, os odores, os sabores...

Mas o quanto nos permitimos esta sensibilidade nos dias de hoje, fechados como estamos em nossas casas, casulos protetores que nos isolam dos pingos da chuva, da corrida em campos de terra, do cheiro do mato, das árvores em que temos que algum dia subir, das águas de rios e mares em que devemos nos molhar e nadar?

Nossos filhos, por conta do medo que sentimos de nós mesmos, seres humanos, vivem diante de monitores (de TV, de computadores, de videogames), escondidos em seus quartos, criando conexões pela web, aprendendo com a babá eletrônica e pouco ou nada se atrevendo a trilhar os caminhos do mundo, singrar os mares, escalar montanhas...

Alimentar a alma, o corpo e a mente passa por experiências que não estamos nos permitindo viver, pelo contato direto, no encontro com a vida. Pode parecer discurso de livros de autoajuda ou mesmo relacionados a algum tipo de culto ou caminho espiritual... Não é... Os filósofos antigos já advogavam a necessidade da experiência concreta, que é aquilo que realmente elucida, explica, permite a compreensão inicial e desencadeia os processos reflexivos.

É claro que não é possível crescer apenas a partir deste mais do que necessário pontapé inicial dado com as experiências diversas que temos que acumular ao longo de nossas vidas. É preciso também buscar apoio nas pessoas – familiares, amigos, professores, colegas de trabalho e até mesmo no contato com desconhecidos (é claro que com algum cuidado e bom senso para evitar acidentes de percurso!).

Ao vivo e em cores, como costumamos dizer, é certamente muito mais intenso e passível de gerar saberes do que mediado pelas tecnologias. Não que com isto possamos abrir mão de tudo aquilo que estamos compondo como elementos de comunicação e interação, em especial as redes concebidas através da Internet. Também constituem recursos de valor, que certamente não podem ser deixados de lado e que prestam serviços que podem repercutir para o nosso pensar.

O que não pode ocorrer é nos tornarmos cibercidadãos apenas, ou seja, avatares o tempo todo, interagindo apenas a partir de nossos lares e bases eletrônicas ou, então, dando mais espaço e ênfase a este universo do que ao mundo real. Usemos a tecnologia e seus variados recursos a partir daquilo que realmente são, única e tão somente, ferramentas e nada mais.

As tecnologias são meios e não fins em si mesmas, mas temos nos entregue de tal forma à sua manipulação e uso que, pessoalmente, temo pelas novas gerações, não apenas quanto a sua liberdade de pensamento, quanto a sua altivez, presença de espírito, capacidade de ação e reação, sentimentos, interação, paixão pela vida...

O primordial é sempre o contato com as outras pessoas, sem intermediários... Como nem sempre é possível, criaram-se recursos que nos permitem criar conexão até mesmo com quem já não está por aqui ou ainda com pessoas que vivem muito longe (não apenas fisicamente, mas também social, cultural, política e economicamente). Mas que as crianças e jovens deste mundo conectado se deem conta que há vida e recursos extrainternet, como os livros, as músicas, os filmes, o teatro, a filosofia, as ciências, as artes plásticas, o esporte, a dança...

Artistas, escritores, pensadores, dançarinos, atletas, cineastas e tantas pessoas que realizam produções culturais e científicas, acadêmicas e políticas, só para sintetizar, também nos falam através de suas produções. Palavras, pinturas, celuloide, movimentos, gols, letras, lírica e canções podem dizer muito para nós...

O quanto já aprendi com Monet, Debret, Disney, Chaplin, Mandela, Gandhi, Pontecorvo, Machado, Cervantes e tantos outros grandes mestres através de suas ações e produções? É incomensurável tal conhecimento.

Assim como é impossível avaliar como alguns mestres que passaram por minha vida me incutiram não apenas saberes prontos e acabados, como muitos ainda pensam deve ser o papel da escola, mas principalmente estimularam a dúvida, a curiosidade, em trilha infinita pelo saber, por aquilo que ainda não conhecemos, em busca do que nos intriga e nos faz refletir... Sem dúvida alguma, os grandes educadores que conheci tinham esta postura, de não acomodação e, ademais, não apenas professores eram, também exerciam outras profissões e, sempre demonstraram prazer nesta busca e na socialização de suas dúvidas e das respostas que foram encontrando...

Pensar para causar passa necessariamente por vários caminhos, que felizmente não são iguais e sim diversos, pois a cada um de nós é permitida uma experiência única, sem igual. É certo, no entanto, que para chegar às respostas (ainda que não definitivas) encontradas ao longo de nossas existências, temos que contar com a nossa sensibilidade, com o apoio de outras pessoas, com a dúvida e a curiosidade que alimentam nossos espíritos e nos faz seguir adiante e, ainda, com as ferramentas que criamos desde que surgimos neste planeta...

E causar para quê? Por nossa glória pessoal? Por dinheiro? Por projeção profissional? Por conforto material? É claro que seria por demais falso deixar de admitir que tudo isto movimenta as pessoas e as fazem seguir em frente. Mas não é por estes fatores, de base mais imediata e materialista, que realmente buscamos o conhecimento, desenvolvemos a nossa capacidade de pensar... Assim o fazemos porque somos seres humanos, aptos a tal exercício e ação, sempre movidos pelo desejo da superação, da realização e, em especial, da felicidade (não apenas individual, mas grupal, coletiva, social!).

Causar, neste caso, por mais dignidade, justiça social, ética, saúde, liberdade, paz, amor e alegria (afinal de contas, bom humor é fundamental, não é mesmo?).

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Diferenças entre política e politicagem

Aristóteles definiu os seres humanos como sendo “animais políticos”. A base para sua colocação, tantas vezes mal-interpretada, partiu da premissa de que somos seres sociais e que, por conta das particularidades dos espaços nos quais desenvolvemos nossas vidas, temos maior propensão e melhor adaptabilidade ao espaço urbano, a cidade ou, de forma mais adequada ao contexto de vida daquele pensador grego, a “pólis”.

O termo “pólis” tem estreita ligação com a vida dos helenos (gregos) da Antiguidade Clássica, pois define as bases territoriais de vida social e política em que se assentavam as comunidades unidas por fatores de proximidade entre as pessoas, como origens familiares, tribais, étnicas, linguísticas e culturais.

Surgidos a partir da migração de povos provenientes da Europa Oriental, Ásia e da Ilha de Creta (Civilização Micênica), como os jônios, dórios, eólios e os micênicos (ou cretenses), os primeiros povoados gregos, regidos pelos “pater” e, portanto, baseados na célula mater das sociedades, as famílias, deram origem as cidades gregas, as pólis.

A compreensão de Aristóteles, grego de gerações posteriores a conformação sócio-política e cultural que deu origem a cidades esplendorosas como Atenas e Esparta, portanto considera que, enquanto degrau evolutivo da humanidade, a pólis (cidade) configura o espaço máximo de expressão e realização humana, mas que tudo isso depende, porém, da forma como as pessoas irão conduzir esta existência coletiva.

A utilização da expressão “animal político” leva em consideração tanto o fator geográfico, físico e as questões relativas à delimitação de fronteiras – que por sua vez estipulam não apenas os espaços por onde podem e devem transitar os membros de uma determinada comunidade, como também os elementos e características que os definem social e culturalmente – como também pede e define como imprescindível a criação de regras, leis, bases de convivência e elementos de governabilidade.

E é, justamente, nesta migração para bases elementares para a coexistência pacífica entre os membros de uma mesma comunidade que se define aquilo que atualmente identificamos e intuímos ser “política”.

Os gregos, em especial os atenienses, discutiam as questões de interesse público, obviamente também mescladas a elementos mobilizadores de base particular, em praça pública, na chamada “ágora”. Mas a experiência da democracia direta, mesmo porque aplicada a uma única pólis e não a um conglomerado delas, funcionava porque as assembleias tinham que ser convencidas pelos articuladores das ideias e propostas ali mesmo, ou seja, in loco.

Convencer os cidadãos e não os representantes destes era muito mais complexo do que aquilo que hoje vemos nos corredores do Senado ou da Câmara Federal, no qual reinam os conchavos e imperam os lobistas com seu alto poder de sedução pautado em benefícios de alto valor...

Podem alegar os detratores da democracia vivida em Atenas que esta experiência não constitui uma versão exponencial de tal regime político porque as restrições à participação de expressivos contingentes sociais (como as mulheres, os menores de idade, os estrangeiros e os escravos) lhe destitui de tal representatividade que permita considerar tal experiência como sendo realmente expressão de governo (cratos) do povo (demo).

Mas o que, por outro lado, levam historiadores de diferentes origens e matizes ideológicos a considerarem a experiência dos atenienses como sendo legítima é o estabelecimento das assembleias públicas, dos fóruns e tribunais que julgavam as pendências, das bases de governo e responsabilização direta pela administração daquilo que era comum, coletivo e de usufruto de todos.

Os romanos, herdeiros do rico acervo cultural grego, composto pela política e por tantas outras matrizes genéticas que se espalharam pelos quatro cantos do mundo (como a filosofia, as artes plásticas, o teatro, a literatura...), deram continuidade e reforçaram as bases operacionais que confirmam a tese do “animal político” de Aristóteles, com o refinamento e aperfeiçoamento das bases jurídicas que sustentam o espaço político por excelência, as cidades...

Em ambos os casos, é preciso ressaltar que tanto gregos como romanos determinaram para a eternidade como fundamento social, contestado com veemência a partir do século XVIII, com os movimentos sociais de contestação ao capitalismo, a propriedade privada e, com ela, a diferença social. O passar dos séculos viu migrar o poder das mãos de quem tinha terras para quem detinha o capital ou, mais recentemente, o conhecimento...

Além disso, a Antiguidade Clássica herdou de seus antecessores, das sociedades hídricas ou baseadas no modo de produção asiático, como os fenícios, egípcios e os povos da Mesopotâmia a proeminência dos laços de sangue, da troca de favores e ainda da necessidade de estar bem-relacionado socialmente para conseguir progredir...

Ou seja, de certa forma, pode-se dizer que, guardadas as devidas proporções, somos herdeiros de séculos e séculos de hábitos e ações que constituem aquilo que definimos como “política”. E isto serve tanto para aquilo que podemos considerar como de interesse geral e, portanto, o que pode ser considerado benéfico, pois teoricamente coloca em pauta o que beneficia não apenas uma pessoa ou um pequeno grupo e, sim, a maioria do corpo social, quanto àquilo que fere os interesses coletivos...

E é nesta seara que migramos da política para a politicagem. Que, também nos conformes da teoria, deveria ter sido brecada ou ao menos estancada a partir da consolidação do sistema de poder tripartido, sugerido pelos iluministas, com destaque para a obra de Montesquieu, “O Espírito das Leis”. De acordo com o filósofo francês, ao estabelecermos a divisão de poderes com o surgimento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, estaríamos tornando menos complexa a administração, delegando poderes a representantes que iriam defender os interesses da coletividade e, ao mesmo tempo, criando meios de fiscalização de um para outro poder que tornariam menos propícia a corrupção, o clientelismo, a prevalência dos lobbies...

E não é que, a República Democrática cruzou o Atlântico e mesmo com atraso chegou ao Brasil, a partir de 1889. Pensou-se por estas bandas que a superação do Império nos levaria a uma condição de maior prosperidade, liberdade, igualdade e fraternidade... No entanto, logo de cara estabeleceu-se o princípio do benefício em favor do Café com Leite, com a República dos Coronéis, a política do “é dando que se recebe”, os currais eleitorais, o voto fantasma...

E o que pensar de hoje em dia, depois de idas e vindas daquilo que esperávamos ser a democracia brasileira, com golpes de estado (como na década de 1930, com Getúlio Vargas, ou em 1964, com o estabelecimento da longa noite da ditadura militar) e até mesmo a abertura de um processo de impeachment logo quando o estado democrático de direito parecia estar se restabelecendo no país, no início da década de 1990, quando cassaram o mandato do “caçador de marajás”, o candidato collorido?

A leitura atual da expressão cunhada por Aristóteles, quanto ao homem como “animal político”, no Brasil e em outras partes do mundo também (com maior ou menor ênfase), nos leva a crer no predomínio da palavra “animal” que sobrepuja toda a compreensão anterior trazida a tona quanto ao conjunto da expressão e, em especial, a análise do termo “político”... Pensando-se, quanto a isto, nos animais quanto aos seus instintos mais primários, aqueles que se mostram mais presentes quando estes seres lutam por sua sobrevivência e, neste ensejo, ignoram qualquer sentido de respeito a vida em grupo, quanto mais a qualquer aspecto relacionado a civilidade, a princípio própria apenas aos seres humanos...

Este parece ser o quadro atual das condicionantes políticas brasileiras, ou seja, em pleno 3º milênio, regredimos a estágios animalescos que superam qualquer outro vetor, principalmente os que dizem respeito ao compromisso público que deveria ser assumido por todo e qualquer representante do povo estabelecido nas tribunas e bancadas do legislativo, do judiciário ou do executivo...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

As Dimensões da Cidadania

O ato de educar pode adquirir diversos significados: formar, sociabilizar, ensinar, clarear, modelar, conscientizar, integrar. São tantas as implicações dessa ação, ao mesmo tempo simples e complexa, que constantemente nos perguntamos pelo seu sentido como se não fosse mais possível reconhecer o traçado no entrecruzamento das linhas como de um bordado. Do universo caótico do avesso vai, aos poucos, se configurando as formas no lado direito. A linha que fura o tecido busca o caminho como quem procura um objetivo que só pode se revelar gradualmente num processo criativo. Exatamente por isso que educar é também criar. Ação que exige cuidado, intencionalidade, mas que, sobretudo, transcende a si mesma desvelando a riqueza múltipla do humano.

Mas o que é o humano? O filósofo francês Voltaire, em seu Tratado de Metafísica tenta responder a essa dúvida supondo ser um habitante de Marte ou Júpiter que descendo na terra busca pelo homem:

“Descendo a esse montículo de lama e não tendo maiores noções sobre o homem desembarco no oceano, no país da Cafraria, e começo a procurar um homem. Vejo macacos, elefantes e negros. Todos parecem ter o lampejo de uma razão imperfeita. Uns e outros possuem uma linguagem que não compreendo e todas as suas ações parecem se relacionar com um certo fim. Se julgasse as coisas pelo primeiro efeito que me causam, inclinar-me- ia a crer, inicialmente, que de todos esses seres o elefante é o animal racional. Contudo, para não decidir levianamente tomo os filhotes dessas várias bestas. Examino um filhote de negro de seis meses, um elefantinho, um macaquinho, um leãozinho, um cachorrinho. Vejo, sem poder duvidar, que esses jovens animais possuem mais força, mais destreza, mais idéias, mais paixões, mais memória que o negrinho e que exprimem muito mais sensivelmente todos os seus desejos que ele. Entretanto, ao cabo de um certo tempo, o negrinho possui tantas idéias quanto todos eles. Chego mesmo a perceber que os animais negros possuem entre si uma linguagem mais bem articulada e variada que os outros animais. Tive tempo de aprender tal linguagem e, enfim, de tanto observar o pequeno grau de superioridade que a longo prazo apresentam em relação aos macacos e aos elefantes, arrisco-me a julgar que efetivamente ali está o homem. E forneço a mim mesmo esta definição: o homem é um animal preto que possui lã sobre a cabeça, caminha sobre duas patas, é quase tão destro quanto um símio, é menos forte que os outros animais de seu tamanho, provido de um pouco mais de idéias do que eles e dotado de maior facilidade de expressão (...) Após ter passado certo tempo entre essa espécie, desloco-me rumo às regiões marítimas das Índias Orientais. Surpreendo-me com que vejo: os elefantes, os leões, os macacos e os papagaios não são exatamente como na Cafraria; mas o homem, esse parece-me absolutamente diferente. Agora são homens de um belo tom amarelo, não possuem lã, mas têm a cabeça coberta por grandes crinas negras. Parecem ter sobre as coisas idéias contrárias às dos negros. Sou, portanto, obrigado a mudar minha definição (...) ”

Em busca de uma definição do homem, o filósofo nos presenteia com a impossibilidade da definição, de um modelo único do humano. Nossa diversidade é fruto de nossa imersão no universo de representações que criamos socialmente - o da cultura e da linguagem.

Nas interações com os outros que aprendemos o significado dos saberes constituídos: da energia atômica ao som do atrito de cordas de um violino, da faca que corta as tintas que pintam o corpo, das palavras que falam às que calam os sentimentos.

Machado de Assis, cronista perspicaz, trata com requinte o tema nos apresentando “O espelho - esboço de uma nova teoria da alma humana”, pequeno conto que busca investigar as agruras da essência humana.

No conto, Jacobina, personagem de poucas palavras, é convidado a participar de uma acirrada discussão metafísica sobre a existência da alma. Avesso por princípio aos debates, afirma não apenas a existência da alma humana, mas de duas: uma que olha de dentro para fora; outra que olha de fora para dentro.

A alma exterior poderia ser um espírito, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação ou mesmo um simples botão de camisa e tem por ofício transmitir a vida, assim como a interior. Muda de natureza e estado de tal forma que a alma de alguém pode ser, nos primeiros anos, um chocalho ou um cavalinho de pau e, mais tarde, um título em uma associação.
Esta descoberta se deu quando Jacobina com vinte e cinco anos, de família pobre, fora nomeado alferes da guarda nacional. A nomeação causara o orgulho da família e vizinhos e havia conduzido uma tia, que morava em um sítio, a levar o sobrinho e a farda com ela. Jacobina passou a ser chamado de Sr. Alferes pela tia, amigos e escravos. O entusiasmo da tia a leva ao ponto de mandar instalar um grande espelho no quarto do jovem, obra rica e magnífica que destoava do resto da casa.

Os caprichos no tratamento faziam a consciência do homem esmorecer e a do alferes se tornar mais viva. Certo dia, a tia é obrigada a deixá-lo para acudir uma filha doente. Abandonado na solidão graças à fuga dos escravos do sítio, o personagem diante do “cochicho do nada” se entrega ao sono: sonhava estar no meio da família e dos amigos exibindo sua farda. Amigos ofereciam o posto de tenente, capitão, major... Em depressão, sem fome, depois de oito dias, nosso amigo se olha no espelho e não é capaz de ver uma figura inteira, mas uma sombra vaga e esfumaçada. Com medo da loucura, Jacobina tem uma inspiração inexplicável: lembra-se de sua farda. Veste-se, arruma-se e reaparece diante do espelho a figura integral, o ente autômato torna-se novamente animado. O ritual da farda diante do espelho o ajuda a suportar mais seis dias de solidão sem senti-los.

Machado de Assis nos coloca diante do espelho do humano, da representação da imagem que só pode se configurar com os outros; no convívio social estabelecemos valores, buscamos o sentido para a vida e para a existência. Esse é o mistério do humano: ser na interação com seres, no diverso buscar nossa identidade. Esse é o milagre da educação: fazer-se continuamente, mudando de natureza e de estado, mas conscientes da imagem que queremos ver projetada no espelho, daquilo que valorizamos.

Sendo assim, não podemos negar que toda ação educacional envolve valores que se projetam; aquilo que esperamos que cada criança, cada jovem seja capaz de reconhecer no espelho de sua existência. Todavia, é preciso cuidado. Não se trata de emprestar nossos olhos e fazer valer nossas expectativas por mais amplas, belas, generosas ou revolucionárias que sejam. Embora um projeto educacional exija dos envolvidos a clareza do que se quer e só ganhe sentido na própria ação, a ação educativa transcende o que a motivou, ou seja, neste caso, o processo é mais importante que o produto, pois no processo é possível aprender a lançar-se na investigação, na descoberta e na criação.

Isso significa dizer que não nos envolvemos em projetos educacionais porque queremos um mundo de músicos, biólogos, bailarinos, jogadores de futebol ou até mesmo alferes da guarda nacional. Sem dúvida, um mundo sem músicos ou jogadores de futebol não seria nada interessante. Mas se as artes, as ciências, os esportes são importantes, o são na própria construção do fazer-se humano, do processo mais do que produto. Exatamente por esse processo ser contínuo - não se encerrar na apresentação musical, no campeonato, na feira cultural ou de ciências - é que uma educação para os valores, que possibilite o exercício do pensar as ações, avaliar suas dimensões, limites e conseqüências é fundamental para a construção da identidade capaz de projetar-se no espelho do mundo. Mas o que seria uma educação para os valores? Não estaríamos correndo o risco de limitar as identidades às molduras de nossos espelhos?

Entre moldes e molduras...

Educar é quase sempre perguntar qual ser humano queremos formar. Formar é colocar na forma, moldar. Mas também pode ser dar forma. Mas, se analisarmos a própria dimensão humana perceberemos que há formas de dar forma que vão além das formas (dos moldes).

Foi assim que no contato com a natureza e com a cultura conseguimos dar formas diversas e múltiplas ao mundo. E não apenas dar e criar formas, mas atribuir-lhes sentido. Transmitir formas e sentidos (informar), transfigurá-las (transformar).

A transformação só é possível, pois no humano reside à possibilidade de avaliar as ações, pensar o próprio processo do pensar: investigar, prever, problematizar, julgar, etc.

Assim aprendemos o que é bom ou não, bonito ou feio, justo ou injusto. Aprendemos e continuamos aprendendo, pois neste processo contínuo não é possível acomodar as molduras que temos à complexidade da vida que se transforma a cada instante. Dito de outra forma, o que alguns vêem como crise de valores pode indicar apenas a necessidade de pensarmos na inadequação ou adequação das molduras para os fins que almejamos. Isso nos remete, invariavelmente, à reflexão sobre uma educação para valores.

Pergunta-se: Como educar para valores se um vaso sanitário em um canto de um museu pode ser entendido como arte, como expressão do que era sublime e belo? Como educar para valores se a desonestidade é entendida como ordem natural da sobrevivência? Se a desigualdade guia a ação da justiça?

A perplexidade e a indignação que envolve essas questões podem conduzir à tendência de se resgatar princípios universais que imaginamos estarem esquecidos ou adormecidos na educação dos jovens e crianças, tais como solidariedade, honestidade...

Todavia, nenhum princípio moral por mais bem intencionado, fundamentado e sedimentado poderia transformar por si mesmo as ações, pelo simples fato de que tais valores não são entidades, mas criações que surgem da necessidade humana de viver e conviver, da necessidade do homem de pensar-se a si mesmo. Não é a toa que os Parâmetros Curriculares Nacionais emprestam da filosofia os elementos que permitiriam delinear um conceito de cidadania.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais a cidadania deve ser entendida em três dimensões: ética, estética e política. Estética no sentido do exercício de sensibilidade; ética no sentido de construção de identidade autônoma e; política, visando à participação democrática através do acesso aos bens culturais e naturais. Desenvolver a sensibilidade, a identidade autônoma e a participação democrática é o desafio da educação que coincide com o desafio de devolver ao homem sua própria imagem: de ser que cria, avalia e transforma.

A possibilidade de mediação entre o vivido e o pensado tem na arte um lugar privilegiado. A síntese criativa, a comunhão entre o sujeito e natureza tem no sentimento a via de acesso da experiência estética. O sentimento provocado pela experiência estética alarga as fronteiras do vivido, de um mundo que se descortina em profundidade na medida em que é possível extrair o objeto do seu contexto e o relacionar a um horizonte único. Por isso afirma Sartre:

A obra jamais se limita ao objeto pintado, esculpido ou narrado; assim como só percebemos as coisas sobre o fundo do mundo, também os objetos representados pela arte aparecem sobre o fundo do universo. Se o pintor nos apresenta um campo ou vaso de flores, seus quadros são janelas abertas para o mundo inteiro (...) O objeto estético é propriamente o mundo, na medida em que é visado através dos imaginários, a alegria estética acompanha a consciência de que o mundo é um valor, isto é, uma tarefa proposta à liberdade humana.”

Ora, se a arte alarga o sentido e o sentimento do mundo é porque a liberdade se impõe como marca do que somos e fazemos. No exercício dessa liberdade é que avaliamos o que nos serve ou não para a convivência, formulamos regras, estabelecemos modelos de conduta que nos permitem a vida em sociedade. A esse conjunto de valores, normas, regras denominamos moral. A moral prescreve o que devemos ou não devemos fazer diante dos diferentes grupos sociais a que pertencemos. Sendo assim, é comum guiarmos nossas ações pelo reconhecimento social do grupo em que estamos inseridos. Nessas relações aprendemos o que é bom ou mal, certo ou errado, justo ou injusto. Por isso, afirmava Aristóteles que somente o exercício de bons hábitos entre os jovens poderia moldar o caráter voltado para as virtudes, ou seja, a educação moral seria fundamental para a formação do caráter e da identidade.

Mas é preciso considerar que a identidade também se forma na diversidade. Família, escola, meios de comunicação de massa expõem crianças e jovens a modelos de conduta diversos e, por vezes, contraditórios. Se a vida constantemente nos apresenta escolhas é preciso saber distinguir qual a melhor forma de agir, essa é a tarefa da ética enquanto reflexão da moral.

Se a moral é o exercício do dever, a ética é o exercício do querer consciente de suas implicações e conseqüências. Não se trata de doutrinar, mas de buscar formas de favorecer a autonomia moral. Em outras palavras, mais do que ensinar o certo ou errado seria preciso criar condições para que crianças e jovens possam pensar por si mesmas as condições e conseqüências de suas escolhas.

Favorecer o diálogo é um importante instrumento para passarmos da conduta heterônoma para a autônoma. Na conduta heterônoma agimos guiados pela força do que esperam de nós. Neste caso, é fácil de entender porque na ausência da autoridade crianças, jovens e adultos apresentam comportamentos considerados imorais ou não adequados. Investigar e compreender porque a saúde dentária é importante é diferente de escovar os dentes quando a mãe manda.

No diálogo investigativo o exercício da racionalidade se dá entre os envolvidos e não apesar dos envolvidos. O comprometimento dos membros de um grupo com uma situação verdadeiramente problemática implica na necessidade de se admitir os conflitos, avaliá-los e buscar soluções; portanto, de exercitar a autonomia do pensar. Ora, se a moral nos apresenta valores, avaliar os valores, aprender a valorar é fundamental para a investigação ética que tem um espaço promissor no diálogo.

Certa vez fui interrompido por uma educadora que dizia ser impossível falar de ética com seus alunos, pois enquanto ela ensinava que o exercício da violência era errado, os pais afirmavam que os filhos deveriam bater para aprenderem a se defender. Trata-se, novamente, de tentar adequar o quadro à moldura. Mas por que não investigar com as crianças quando é preciso se defender e qual seria a maneira mais adequada de fazê-la? A defesa seria uma forma de violência? O que é violência?

Creio que o exercício da investigação como forma de se pensar os valores nos conduza a terceira dimensão da cidadania que nos apresenta os Parâmetros Curriculares Nacionais . Não há diálogo quando não nos dispomos a considerar os conflitos, quando temos a verdade guardada no bolso para sacá-la no momento conveniente, quando consideramos a razão do outro como ameaça. Desta forma, a formação de uma estrutura igualitária que considere a diversidade como fundamental para a construção coletiva poderia transformar a própria educação em democracia e não simplesmente em promessa de um ideal democrático. Por fim, se o homem é um ser de valores, pensar os valores humanos é a tentativa de nos reconhecer no espelho e mudar a imagem se necessário, ou seja, mais que transformar, ensinar a transformar.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A Internet na Escola

A Internet revolucionou o mundo. Não há como deixar de reconhecer as mudanças efetivadas pelo surgimento da rede mundial de computadores em praticamente todos os setores de atividade humana, inclusive na educação. Em alguns segmentos as alterações foram tão grandiosas que estabeleceram estruturas praticamente novas para seu pleno funcionamento, como no caso das atividades bancárias, comerciais e até mesmo industriais.

Em outros setores a inserção da Internet segue a passos firmes, porém não tão velozes. É isso o que percebemos, por exemplo, no que se refere à agricultura e à educação. Nesse sentido acredito que possa ser questionado quanto a entrada das Tecnologias de Informação e Conhecimento (TICs) na escola pela percepção generalizada de que nos últimos anos os investimentos no setor, tanto da iniciativa privada quanto da pública, têm sido vultosos...

Podem argumentar alguns leitores que o avanço é nítido e perceptível em função do rápido surgimento de laboratórios de informática, cursos de computação, materiais específicos para o ensino na área, profissionais especializados de plantão nas escolas e até mesmo pela proliferação de trabalhos educacionais na Web.

Sem qualquer sombra de dúvidas podemos vislumbrar a materialização do sonho das Tecnologias sendo incorporado ao cotidiano das escolas através dessas ações. No entanto vale lembrar que a aquisição e disponibilização de equipamentos e conexões de nada vale se não se efetivar um trabalho sério, responsável e, principalmente, pedagogicamente inteligente com todas essas ferramentas.

Colocar computadores nas secretarias da escola sem conectá-los a uma rede que permita a socialização das informações entre os membros da comunidade servida por uma escola ou conjunto de escolas é o mesmo que dar telefones para as pessoas sem que elas possam ligar umas para as outras.

Montar laboratórios de informática e utilizá-los apenas para algumas poucas atividades de pesquisa ou de uso de CD-ROMs é um enorme desperdício de tempo, recursos materiais e trabalho humano. Utilizar os computadores apenas como intermediários que agilizam a produção de textos, planilhas, slideshows ou alguns outros softwares de aplicação geral também não condiz com as expectativas e possibilidades educacionais desses instrumentos.

A propósito, é de fundamental importância que os educadores não se esqueçam que todos esses equipamentos são necessários, parte da realidade atual e futura da educação no Brasil e no mundo, extremamente úteis e ágeis, mas que não devem ser considerados como fim, e sim como meio para a efetivação de uma educação mais qualificada.

A utilização desses recursos não deve promover o esquecimento ou o ocaso de todos os outros instrumentais próprios do trabalho educacional que vem sendo utilizados até o presente dia. Livros, revistas, jornais, filmes, lápis, caderno, caneta, borracha, canetinhas coloridas, papel sulfite, cartolina, tesoura, cola e tantos outros aliados do trabalho dos professores devem continuar sendo utilizados com regularidade e, de preferência, em consonância com as práticas relacionadas às Tecnologias de Informação e Comunicação.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A Última Grande Lição

Todos nós temos um professor preferido. Pode ser aquele que é mais engraçado e que transmite toda a felicidade do mundo em suas aulas. Em alguns casos é aquele que se comporta de uma forma mais séria e que consegue nos passar mensagens que nos orientam por toda vida. Também acontece de ser o mestre que transforma uma determinada matéria numa viagem tão gostosa que nos transforma em marinheiros dessa jornada. O certo é que determinados professores nos cativam para além dos limites estreitos da sala de aula e nos acompanham por toda a vida com suas lições.

Mitch Albom, jornalista norte-americano, considerado como um dos melhores dentre aqueles que trabalham na área esportiva, teve um professor assim, tão especial. Seu nome era Morrie Schwartz.

Morrie adorava dançar, tinha verdadeira paixão pelo que fazia profissionalmente, irradiava amor pela vida em suas aulas, gostava genuinamente de seus alunos e demonstrava isso sem qualquer receio. Conheço muitos professores que vivem uma relação tão intensa com a vida e com suas profissões que conseguem, do mesmo modo, cativar as pessoas com as quais convivem, fazendo com que elas também percebam toda a riqueza que há em viver, amar, estudar, conhecer, escrever, viajar, dançar...

São pessoas que não desanimam nem mesmo diante das maiores dificuldades e que, além disso, conseguem sorrir até quando, pelas tantas surpresas da vida, não puderam atingir os objetivos que pretendiam. A maturidade, a experiência de vida, as conquistas e as derrotas, os relacionamentos, as amizades e os amores, tudo o que permeia a vida humana vira lição, se transforma em novas aulas.

Essa matéria-prima tão especial legada a todos nós pela vida é devidamente aproveitada por esses mestres. Eles se apropriam delas e as transformam em sábias palavras. Dividem tudo o que conseguem adquirir ao longo de seus encontros com seus alunos, amigos e familiares. Carregam consigo essa característica humana tão essencial que é a benevolência, a qual adicionam a solidariedade e o altruísmo.

Apesar de tantas qualidades, não se enxergam como melhores em relação aos demais. Sabem de suas limitações e conseguem manter a humildade.

Mitch Albom já havia percebido em Morrie Schwartz todas essas qualidades quando fora seu aluno, na universidade. Lembrava-se, apesar de passados muitos anos, de alguns importantes ensinamentos de seu velho mestre. Consumido pelo cotidiano e pelos inúmeros compromissos de sua agenda de jornalista esportivo conceituado não tinha, porém, tempo suficiente para cumprir a promessa de visitar seu professor preferido.

Por um desses acasos celestiais que tantas vezes redirecionam nossas vidas, viu na televisão uma reportagem que mostrava o sempre disposto e animado Morrie deitado numa cama, adoecido, as portas da morte. Apesar das dores e limitações as quais estava submetido, Morrie guardava toda a sua lucidez e continuava a sorrir. Seu sorriso foi como uma verdadeira luz para que Mitch conseguisse criar forças e ir visitá-lo. A proximidade da morte também convenceu o jornalista da necessidade desse reencontro...

O retorno à casa do velho professor propiciou a Mitch a oportunidade de novas lições. Não se tratava mais de um curso, nos tradicionais padrões universitários, o que Morrie havia guardado para suas novas “aulas” ultrapassava os limites dos livros e enveredava por campos muito mais amplos em que a vida era o maior de todos os temas.

Durante seguidas semanas, sempre as terças-feiras (dia em que, no tempo de universidade, Mitch tinha aulas com Morrie; o que também explica o título do livro em inglês “Tuesdays with Morrie”), reuniram-se pupilo e mestre para novas “aulas”. Nessas novas “aulas”, toda a profundidade para tratar temas como emoções, envelhecimento, remorsos, família, amor ou perdão (entre outros).

Desse notável reencontro, surgiu a idéia de transformar os diálogos em um relato que pudesse atingir outras pessoas, novos alunos. A dimensão da obra e o impacto das palavras de Morrie, transformadas no livro “A Última Grande Lição” tiveram enorme repercussão, ultrapassaram as fronteiras norte-americanas, chegaram além-mar, foram traduzidas para várias línguas, fizeram surgir peças teatrais baseadas no diálogo entre mestre e aluno e se tornaram um filme dos mais emocionantes (protagonizado pelo grande ator Jack Lemmon, que acabou sendo premiado com o “Oscar” da televisão norte-americana por sua interpretação como Morrie Schwartz; o filme ainda não está disponível em vídeo e DVD no Brasil).

Para todos que lidamos com educação é livro de cabeceira. Fundamental pelas mensagens e reflexões, especialmente pelo grande amor a vida demonstrado por Morrie em sua “Última Grande Lição”.

Obs.: Não se esqueçam de agradecer a essas pessoas tão especiais quando tiverem oportunidade. Procurem visitá-los, busquem novos contatos, tenham novas conversas. Seus grandes mestres agradecerão a consideração e o reconhecimento.