segunda-feira, 19 de abril de 2010

As razões do sucesso ou do fracasso na vida pública

Resta considerar agora como um príncipe deve comportar-se com os seus súditos e amigos. Sabendo que muitos já escreveram sobre esta matéria, duvido que não venha a ser tido por presunçoso propondo-me ao seu exame, tanto mais que, ao tratar deste assunto, não me alongarei muito dos princípios já propostos pelos outros.

Entretanto, como é meu desejo escrever coisa útil para os que tiverem interesse, mais conveniente me pareceu buscar a verdade pelo fito das coisas, do que por aquilo que delas se venha a supor. E muita gente imaginou repúblicas e principados que jamais foram vistos e nunca tidos como verdadeiros.

Tanta diferença existe entre o modo como se vive e como se deveria viver, que aquele que se preocupar com o que deveria ser feito em vez do que se faz, antes aprende a própria ruína do que a maneira de se conservar; e um homem que desejar fazer profissão de bondade, mui natural é que se arruíne entre tantos que são Perversos. Deste modo, é preciso a um príncipe, para se conservar que aprenda a poder ser mau e que se utilize ou deixe de se utilizar disto conforme a necessidade.

Deixando de lado, portanto, as coisas que se ignoram com relação aos príncipes e falando a propósito das que são reais, digo que todos os homens, sobretudo os príncipes, por ficarem mais alto, fazem-se notáveis pelas qualidades que lhes trazem reprovação ou louvor.

Quer dizer, uns são considerados liberais, outros como miseráveis (usando o termo da Toscana mísero, porque avaro, em nossa língua, ainda significa o que deseja possuir pela rapinagem e miséria, apelidamos aos que se abstêm muito de utilizar suas posses); alguns são considerados pródigos, outros rapaces.

Alguns são cruéis, outros piedosos; perjuros ou leais; efeminados e pusilânimes ou truculentos e animosos de humanidade ou soberbos; lascivos ou castos; estúpidos ou astuciosos; enérgicos ou tíbios; graves ou levianos; religiosos ou ateus, e daí afora.

E eu sei que qualquer um reconhecerá que muito louvável seria que um príncipe possuísse, de todas as qualidades enumeradas, as tidas por boas; mas a condição do homem é tal, que não permite a posse completa delas, nem mesmo sua prática consistente; é preciso que o príncipe seja tão prudente que saiba evitar os defeitos que lhe tirariam o governo e praticar as qualidades próprias para lhe garantir a posse dele, se lhe é possível; não podendo, porém, com menor preocupação, deixe-se que os fatos sigam seu curso natural.

E mesmo não lhe importe incorrer na pecha de ter certos defeitos, sem os quais dificilmente salvaria o governo, porque, se considerar bem tudo, achar-se-ão coisas que parecem virtudes e, se praticadas, lhe provocariam a ruína e outras que parecerão vícios e que, seguidas, trazem bem-estar e tranqüilidade ao governante.

Nicolau Maquiavel, em sua clássica obra de realismo político, O Príncipe.

sábado, 17 de abril de 2010

A educação e suas origens

Nascemos fracos, precisamos da força; nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é nos dado pela educação.

Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; e o ganho de nossa experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas.

Cada um de nós é portanto formado por três espécies de mestres. O aluno em quem as diversas lições desses mestres se contrariam é mal educado e nunca estará de acordo consigo mesmo; aquele em quem todas visam os mesmos pontos e tendem para os mesmos fins, vai sozinho a seu objetivo e vive em conseqüência. Somente esse é bem educado.

Ora, dessas três educações diferentes a da natureza não depende de nós; a das coisas só em certos pontos depende. A dos homens é a única de que somos realmente senhores e ainda assim só o somos por suposição, pois quem pode esperar dirigir inteiramente as palavras e as ações de todos os que cercam uma criança?

Jean-Jacques Rousseau, O Emílio ou Da Educação

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Felicidade na Verdade

“Pergunto a todos se preferem encontrar a alegria na verdade ou na falsidade. Todos são categóricos em afirmar que a preferem na verdade, como em dizer que desejam ser felizes. A vida feliz é a alegria que provém da verdade.

Tal é a que brota de Vós, ó Deus, que sois a ‘minha luz, a felicidade do meu rosto’ e o meu Deus. Todos desejam essa vida feliz. Oh! Todos querem esta vida, que é a única feliz; sim, todos querem a alegria que provém da verdade.

Encontrei muitos com desejos de enganar outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado. Onde conheceram eles esta vida feliz senão onde alcançaram o conhecimento da verdade?

Amam a verdade, porque não querem ser enganados; e, ao amarem a verdade feliz, que não é mais que a alegria oriunda da verdade, amam, com certeza, também a verdade. Não a poderiam amar, se não tivessem na memória qualquer noção de verdade. Por que não encontram nela a sua alegria? Por que não são felizes?

Não são felizes porque, entregando-se com demasiado afinco a outras ocupações em que, em vez de ditosos, os tornam ainda mais desgraçados, recordam, apenas frouxamente, aquela Verdade que os pode fazer felizes. ‘Por enquanto ainda há uma luz entre os homens’. Caminhem, caminhem depressa, ‘para que as trevas não os surpreendam’”.

Confissões de Santo Agostinho, Livro X – O Encontro com Deus.