quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Educação e a inversão de valores

Foi-se o tempo em que a escola apenas cuidava dos saberes acadêmicos... Foi-se o tempo que a maior preocupação de todo educador era se o seu aluno estava aprendendo... Foi-se o tempo que cada segmento da sociedade dava conta (ou pelo menos tentava) de suas responsabilidades.... Foi-se o tempo...

Hoje, essas responsabilidades foram delegadas unilateralmente à instituição escolar. A princípio, essas competências delegadas estavam alicerçadas na competência histórica da escola que, de um modo ou de outro, sempre dava conta de seu papel dentro da sociedade, por vezes um tanto distorcido pelas políticas temporais e, por vezes, acertado pelas ações de nossos educadores. Mas com o tempo isso passou a ser um processo “osmótico”, algo como “passa a bola para escola que ela resolve”.

Hoje a escola, além de seu papel educacional (gerenciadora da construção do conhecimento do aluno), abraçou o social, o judicial, o psicológico, o terapêutico-familiar, não mais como uma parceira dos vários segmentos da sociedade, mas sim, atuando em seu lugar, muitas vezes.

Todas as mazelas sociais, frutos das políticas hipócritas e desastrosas (em todas as áreas), têm na escola o fármaco ideal. A escola se tornou a porta de entrada de um número incontável de programas sociais (como o bolsa família) e passou a ser a “tutora” de menores que cometeram atos infracionais e que estão cumprindo medidas socioeducativas.

Sob o enfoque das benesses sociais, a escola não pode se tornar prisioneira de uma política assistencialista, que não enxerga a escola como um processo, mas sim e simplesmente, como um meio. O simples fato de associar a matrícula e a frequência escolar como o “start” ao programa social banaliza a importância educacional da escola, pois um grande número de famílias que são beneficiadas pela “bolsa família” só procuram a escola quando ocorre um problema no recebimento do benefício. Não há, em momento algum, um direcionamento pedagógico, um mecanismo de construção da consciência cidadã.

Já na questão de “tutora” de menores infratores, a escola transita entre o utópico e o real. O utópico, pelo fato de se pensar que os órgãos das áreas competentes (área judicial, social e médica) irão dar suporte à escola para gerenciar os efeitos dessa inclusão no cotidiano escolar, pois a realidade tem mostrado que os segmentos da sociedade que deveriam dar suporte à ação educativa da escola, simplesmente lavam as mãos e se esquecem da “parceria”, daquilo que lhes compete. O real, pois a escola está sozinha nessa caminhada. O que se observa é a ingerência desses “órgãos competentes” no cotidiano escolar é de transferir as suas responsabilidades aos gestores escolares.

Se todos os segmentos da sociedade, incluindo-se aqui os Poderes Públicos e Privados, dessem conta de suas responsabilidades sem delegar, muitas vezes sem a querência da instituição escolar, ela (Escola) poderia concentrar todas as suas ações, entre elas as Parcerias, nas questões estritamente pedagógicas e, naturalmente, sem que fosse algo imposto pelas inversões de valores ocasionados pelo fluxo social esmagador. A escola poderia, de fato, ser uma grande parceira nas ações sociais e preventivas.

Quando será que a Educação no Brasil deixará de ser apenas plataforma de campanhas políticas hipócritas?

A Inclusão do Disléxico na Escola

É na escola que a dislexia, de fato, aparece. Há disléxicos que revelam suas dificuldades em outros ambientes e situações, mas nenhum deles se compara à escola, local onde a leitura e a escrita são permanentemente utilizadas e, sobretudo, valorizadas.

Sempre houve disléxicos nas escolas. Entretanto, a escola que conhecemos certamente não foi feita para o disléxico. Objetivos, conteúdos, metodologias, organização, funcionamento e avaliação nada têm a ver com ele. Não é por acaso que muitos portadores de dislexia não sobrevivem à escola e são por ela preteridos. E os que conseguem resistir a ela e diplomar-se fazem-no, astuciosa e corajosamente, por meio de artifícios, que lhes permitem driblar o tempo, os modelos, as exigências burocráticas, as cobranças dos professores, as humilhações sofridas e, principalmente, as notas.

Mudanças na Forma de Avaliar a Criança Disléxica

Propomos as seguintes possibilidades:

1. Provas escritas, de caráter operatório, contendo questões objetivas e/ou dissertativas, realizadas individualmente e/ou em grupo, sem ou com consulta a qualquer fonte.

2. Provas orais, através de discurso ou arguições, realizadas individualmente ou em grupo, sem ou com consulta a qualquer fonte.

3. Atividades práticas, tais como trabalhos variados, produzidos e apresentados através de diferentes expressões e linguagens, envolvendo estudo, pesquisa, criatividade e experiências práticas, realizados individualmente ou em grupo, intra ou extraclasse.

4. Observação de comportamentos, tendo por base os valores e as atitudes identificados nos objetivos da escola (solidariedade, participação, responsabilidade, disciplina e ética).

A experiência tem demonstrado a necessidade de se manter a comunidade educativa permanentemente informada a respeito da dislexia. Informações sobre eventos que tratam do assunto e seus resultados, desempenho dos alunos portadores de dislexia, características da síndrome, maneiras de ajudar o aluno disléxico na escola etc. Ações de informações podem facilmente ser veiculadas em reuniões da escola, com pais e por meio de cartazes, informativos internos, folders sobre o assunto etc.

Não é necessário que alunos disléxicos fiquem em classe especial. Alunos disléxicos têm muito a oferecer para os colegas e muito a receber deles. Essa troca de humores e de saberes, além de afetos, competências e habilidades só faz crescer a amizade, a cooperação e a solidariedade.

O diagnóstico de dislexia traz quase sempre indicação para acompanhamento específico em uma ou mais áreas profissionais (fonoaudiologia, psicologia, psicopedagogia, dentre outros especialistas), de acordo com o tipo e nível de dislexia constatados. Assim sendo, a escola procura assegurar, desde logo, os canais de comunicação com o(s) profissional(is) envolvido(s), tendo em vista a troca de experiências e de informações.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Reprovação nas escolas é o melhor caminho?

Alan Alves foi reprovado na segunda série do ensino fundamental. Desestimulado, ainda prosseguiu até o oitavo ano, quando repetiu novamente e decidiu abandonar os estudos. Atualmente, aos 22 anos, está de volta aos bancos da escola para concluir o supletivo, pressionado pelas exigências do mercado de trabalho. “Sem completar os estudos, fica difícil encontrar emprego”, conta. No Brasil, quase um em cada dez estudantes levou "bomba" em 2008. De acordo com dados do último Censo Escolar realizado pelo Ministério da Educação (MEC), 11,8% dos alunos do ensino fundamental das redes pública e privada passaram pela experiência e tiveram de passar 2009 revisando o que deveriam ter aprendido antes.

Fazer com que o aluno seja obrigado a rever todo o conteúdo de um ano escolar - ou seja, a reprovação - pode não ser a melhor opção para enfrentar o problema de estudantes com desempenho fraco. A conclusão é de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG). O estudo, coordenado por Luciana Soares Luz, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), comparou os níveis de aprendizado de mais de 5.000 estudantes dos dois anos finais do ensino fundamental em seis estados brasileiros – Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rondônia e Sergipe.

A principal conclusão é que, a longo prazo, os alunos aprovados aprendem mais do que aqueles que foram reprovados. Em outras palavras, refazer um ano escolar não é garantia de aprendizado adequado. “E não estamos falando de um aluno que progrediu porque era melhor e outro que foi reprovado porque tinha nota piores. Mas, sim, de dois alunos cujos desempenhos eram semelhantes”, afirma a pesquisadora.

A especialista tem na ponta da língua uma explicação para o fenômeno. Segundo ela, os alunos aprovados evoluem mais porque, ao ascender na carreira escolar, encontram conteúdos novos, mais desafiadores e adequados à sua idade. Por outro lado, para os reprovados, rever assuntos já conhecidos tem efeito contrário. Patrícia Cursino, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que a autoestima pesa quando o assunto é reprovação. “Quando isso acontece, o estudante sente que não atingiu o objetivo”, afirma.

A maioria das escolas brasileiras ainda opta pela reprovação. Elenice Lobo, do Colégio Santo Américo, em São Paulo, acredita no modelo. “As consequências negativas da retenção não dão conta da realidade. Se o aluno é retido, ele tem defasagem de conteúdo. Apesar do desconforto nos primeiros dias de aula, ao longo do ano ele resgata aquilo que lhe faltava e tem um desempenho acadêmico melhor”, afirma. Para minimizar os efeitos colaterais, a escola investe na integração do reprovado com a nova classe, além de esclarecer dúvidas com pais e pedir esforço redobrado ao professor. “Para exercer efeito positivo, a reprovação precisar ser bem aplicada”, diz Silvana Leporace, do Colégio Dante Alighieri. “Muitas vezes, é um fator que leva o aluno a recomeçar um processo pedagógico muito positivo.”

Pedro Henrique Rodrigues, de 19 anos, concorda. Ele foi reprovado pela primeira vez na sétima série. Mais tarde, experimentou mais duas retenções no primeiro ano do ensino médio. Não desanimou. Hoje, admite que, à época, não tinha condições de seguir em frente nos estudos. “Vejo que não tinha maturidade para avançar na escola. Mas, após as reprovações, encarei a situação como uma segunda chance”, conta.

Progressão continuada – A discussão sobre eventuais efeitos da reprovação na vida dos estudantes é um tópico antigo na área da pedagogia brasileira. O estudo mineiro vem reanimá-lo. Para aqueles que defendem o fim do mecanismo, uma das alternativas é o que ficou conhecido como progressão continuada. A prática trocou a tradicional aprovação/reprovação anual por ciclos de aprendizagem, que avaliam o estudante, mas não o reprovam - concentrando-se em acompanhar o desenvolvimento de cada aluno para sanar suas dificuldades. O modelo foi adotado há 14 anos no estado de São Paulo e desde então se expandiu a outras unidades da federação.

Formulada a partir de políticas e da realidade europeia, a progressão continuada previa uma avaliação dos estudantes ao fim dos ciclos. Em países como a Inglaterra, onde obteve bons resultados, os clicos têm duração de apenas dois anos - e não quatro, como no Brasil. Naquele período, os alunos dividem a sala de aula com no máximo 30 colegas - algo incomum nas escola públicas do Brasil. Com um grupo reduzido, o professor pode dar atenção a cada aluno.

A política tem se mostrado eficaz. Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2007 mostra que países que baniram a repetência – como Noruega e Suécia – se encontram em situação melhor nos rankings internacionais de educação do que aqueles que a permitem. O relatório, porém, demonstra que outras nações que não adotaram a progressão continuada – caso da Bélgica – também colheram bons desempenhos nas avaliações.

No Brasil, a adoção do modelo ainda é controversa - e seus frutos, discutíveis. No último índice de educação feito pela Unesco, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a educação e a cultura, o país ocupou apenas a 88ª posição entre 128 nações. Por sua vez, dados do Sistema Nacional da Avaliação da Educação Básica (Saeb) relativos ao período 1995-2005, quando a aprovação automática ganhou força, mostram que a qualidade do ensino piorou. Em 1995, a média de proficiência em língua portuguesa dos alunos da quarta série do ensino fundamental era de 188,3 pontos. Em 2005, caiu para 172,3 pontos. Na terceira série do ensino médio os números são mais alarmantes: 290 pontos, em 1995, ante 257,6 pontos.

Mesmo entre os especialistas que apoiam a aprovação automática, a medida é vista com ressalvas. “Aprovar automaticamente é melhor que reprovar”, acredita Stella Maris Bordoni, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. “A repetência resulta em um grade desperdício de recursos e, o que é pior, alimenta estatísticas alarmantes de evasão”, defende. “Mas essa política precisa ser acompanhada de um cuidado maior com a evolução do trabalho de cada aluno.”

Esse acompanhamento ainda não é visto nas escolas brasileiras que adotam o sistema de aprovação automática, lembra Fernando Becker, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um crítico do método nos moldes em que é aplicado atualmente. "Ouço relatos de professores de quinta série do ensino fundamental que lidam com crianças analfabetas, que não teriam condições de progredir nem para a segunda série", conta. "Esse sistema está dirigido para uma conjuntura político-eleitoreira e não para a lógica da demanda educacional. É interessante para um governo ter um sistema que não alimenta altos índices de reprovação e evasão escolar", acrescenta. "Inventou-se a aprovação automática para escamotear outros problemas".

Neide Bittencourt, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sintetiza: "Muitos educadores afirmam que a reprovação traumatiza o aluno. No entanto, deixar que a criança chegue à quarta série do ensino fundamental sem saber ler e escrever é muito mais traumático. Incluir apenas por incluir é uma forma de exclusão", acredita. "A reprovação não vem no intuito de penalizar, mas, sim, fazer com que o aluno aprenda".

Por que as escolas privadas dominam o Enem

Dados divulgados pelo Ministério da Educação nesta segunda-feira apontam que as escolas que ocupam o topo do ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009 são privadas. O fato de o ensino nessas instituições ser, em geral, de qualidade superior ao oferecido pelas públicas é amplamente conhecido. Mas há razões adicionais que explicam o predomínio das privadas no Enem, segundo avaliam especialistas em educação ouvidos por VEJA.com.

Ao ser criado, em 1998, o Enem tinha apenas o objetivo de avaliar a qualidade da educação nos anos finais do ensino médio. Desde o ano passado, porém, o resultado da prova passou a compor de alguma forma a nota de candidatos em vestibulares de todo o país. Em 2010, pelo menos 52 das 58 universidades federais - algumas das mais respeitadas do Brasil - vão adotar a nota do Enem em seus processos seletivos.

Ou seja: com a novidade, o Enem ganhou importância. E as escolas passaram a preparar melhor seus alunos. Com mais recursos, as particulares saíram na frente. "Elas investiram muito para obter esse bom desempenho", afirma Neide Noffs, da Faculdade de Educação da PUC-SP. "O primeiro passo foi apostar na qualificação dos professores, para que esses mestres entendessem o novo significado do Enem".

Adilson Gracia, diretor do Colégio Vértice - primeiro colocado no ranking do Enem 2009 -, nega que a escola tenha direcionado seus esforços para a preparação para o Enem. Mas admite que existe no colégio uma dedicação para o vestibular em geral. "E, hoje, sem dúvida, o Enem está na rota das grandes provas", afirma.

Se as instituições privadas absorveram mais rapidamente as mudanças do exame nacional, as públicas ainda mostram dificuldades em preparar seus alunos, acredita Neide Bittencourt, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). "As escolas particulares souberam analisar os resultados dos exames anteriores com eficiência pedagógica e as públicas, ainda não", diz. Para Álvaro Crispino, professor da Fundação Getúlio Vargas e autor do livro Cenários Futuros para Educação, o predomínio das instituições privadas no ranking não surpreende. "Elas trabalham de olho na melhores universidades. Quando o Enem virou porta de entrada para essas instituições, passou a ser um objetivo vital", opina.

Outro motivo que leva as escolas privadas a investir na preparação para o Enem é o próprio mercado. Ou melhor, a concorrência. Afinal, com melhores notas e mais aprovação no exame, as escolas bem colocadas no ranking do MEC se tornam mais atraentes aos pais que tem que decidir onde matricular seus filhos. "O resultado da escola e de seus alunos no Enem se tornou um chamariz", diz Neide Noffs.

Ranking - Entre as dez primeiras colocadas do ranking 2009, o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (MG) é a única instituição pública. Se forem consideradas as 50 melhores, mais oito instituições públicas se destacam. Uma é militar, uma é ligada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), duas são federais e quatro são ligadas a universidades públicas.

A qualidade do ensino nessas escolas, porém, não reflete a realidade das demais instituções públicas no país, lembra Neide Bittencourt. "Os alunos desses centros têm uma situação privilegiada", diz. "Nas demais, de uma forma geral, falta gestão. Não há qualificação dos professores, estabilidade nem infra-estrutura. Tudo isso faz com que o aluno renda menos", constata.

As escolas com os piores desempenhos no Enem 2009 reforçam a tese. Entre as dez últimas colocadas, todas são públicas, sendo nove estaduais e uma municipal. Entre as 50 últimas, nenhuma é privada.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Tragédia anunciada...

Não faz muito tempo, cerca de uns três anos atrás, aconteceu em Água Limpa uma tragédia. Viva aqui, em um sítio próximo, muito próximo, um garotinho chamado Alan. Ele já frequentava a escola e, como toda criança, era querido por todos. Certo dia, brincando no quintal do sítio, Alan foi picado por um escorpião. A picada foi fatal. Mesmo utilizando todos os recursos possíveis não foi possível evitar a morte deste garoto. O sítio em que ele viva com os avós era e ainda é infestado de escorpiões. Já naquela época, eu suscitei uma discussão com as pessoas que comigo conversavam. Seria necessário que algo fosse feito, pois tratava-se de uma infestação descontrolada destes "bichos", ou seja, o poder público municipal deveria criar, segundo meu entendimento, uma equipe (permanente) que fosse vasculhar todos os quintais, todos os entulhos, todos os lotes baldios, revirando tudo, na tentativa de pelo menos diminuir a incidência dos ataques dos escorpiões. Pensava e penso eu que desta forme a proliferação deles iria senão terminar, pelo menos diminuir e quem sabe com o tempo acabar de vez. Claro que tenho consciência que nossa moradores devemos estar atentos e manter limpos nossos quintais, nossas casas e fazer de tudo para evitar criar ambientes que possam atrair estes "seres". Contudo, se somente isso bastasse, e desse resultado, não precisaríamos ter campanhas como as da dengue, só para citar um exemplo. Agora, mais uma vez, vivemos este momento trágico. Mais uma criança, chamada Kauan, foi picado por um escorpião e não resistiu. Mais uma morte que choca a comunidade e nos deixa atônitos diante da inércia pública. Ainda nesta Terça (13/07/10) ele estava brincando com minhas sobrinhos e sobrinhos na casa de minha mãe, acompanhando por sua avó, todo alegre e sorridente. Kauan, assim como Alan, eram muito bem cuidados. Eram muito amados por seus familiares. Não foi descuido, não foi desleixo, foi uma fatalidade que pode atingir qualquer um em nossa cidade. Precisamos agir o quanto antes. Precisamos de mais do que palavras, precisamos de ações. Será que ainda vamos esperar mais tragédias. Quem será a próxima vítima?

terça-feira, 13 de julho de 2010

Autonomia e Criatividade

Vivemos em um universo criativo. Cada uma de nossas células expressa, na estrutura bioquímica de seus DNAs, a convergência de mais de três bilhões de anos de criatividade da vida. Entrarmos em uma mata e percebermos a criatividade ali presente é uma das mais profundas formas de perceber essa característica intrínseca da vida.

Qual é a ordem que ali se expressa? Milhares de sons, cores, formas, cheiros e diferentes tipos de energia fluindo. O mais forte padrão que podemos perceber na natureza é a criatividade ininterrupta. Há pouquíssimos anos, os homens acreditaram que poderiam, à sua forma, organizar e controlar a natureza.

Nesse mesmo sentido, passaram a inibir a criatividade inerente a cada um e também passaram a controlarem-se uns aos outros. A produção de uma ordem humana, imposta por pequenos grupos, fez desenvolver na sociedade o paradigma do controle. Disseminado, esse novo paradigma tem se expressado em todas as formas de organização social.

No universo educacional, para citarmos apenas um dos milhares de exemplos, podemos perceber nitidamente a necessidade que muitos adultos têm de controlar as crianças e os adolescentes, impedindo a plena expressão de sua criatividade visceral. Mas não é possível impedi-la. A criatividade brota entre as crianças e adolescentes como as ervas daninhas que insistem em crescer por entre uma ordenada monocultura de milho.

E da mesma forma que, ao invés de mudarem-se os padrões de diversidade desse tipo de plantação, aproximando-a dos exemplos de diversidade dados pela natureza, os homens optam por apenas matar as ervas com veneno; insiste-se em manter os padrões de ordem e controle escolar, chama-se a criatividade dos alunos, expressa em meio a essa ordem imposta, de indisciplina, e crê-se que se pode exterminá-la com o veneno do autoritarismo.

Vê-se, no entanto, a criatividade brotar de forma recorrente sob a forma da denominada indisciplina, em todos os cantos. Enquanto se continuar tentando controlar os alunos a partir da perspectiva de uma ordem externa, desrespeitando seus processos de auto-organização, estará se perdendo a expressão criativa dos mesmos para resgatar um mundo em diversidade e autonomia.

O papel do educador deveria ser, nada mais do que seduzir os alunos a convergirem o seu potencial na geração de um currículo participativo, diversificado e criativo, que dança ao som de uma bela música e que apresenta o seu prazer na autonomia e imprevisibilidade do próximo passo. O ritmo da dança é a criação de um mundo em plena expressão da diversidade de vida, mais justo, amoroso e sustentável.

A construção de competências para ser professor

Volta e meia me vem à lembrança a imagem e a história da professora, objeto de observação, ao elaborar minha Monografia para Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Coordenação Pedagógica.
Ela trazia consigo tal gosto pelo ofício, num misto de arte, alegria e criatividade que me encantava. Pelo caminho da simplicidade, da descontração e autenticidade que lhe era peculiar, fazia de suas aulas um espetáculo a olhos vistos, momentos de sedução demonstrados pelos alunos por meio de suas expressões de prazer e admiração.

Esse fato me levou a buscar nos teóricos, respostas às minhas indagações e a de outros educadores sobre questões que são lançadas acerca de quais saberes alguns professores, diferentemente de outros, utilizam, produzem e mobilizam em suas práticas, contribuindo de forma significativa com o seu fazer e garantindo-lhe trajetória de sucesso.

A estratégia de trabalho “Mapa da Mina” da qual a professora fazia uso e que comentarei mais adiante, me levava e aos estudantes, a vivenciar situações onde a fantasia do mundo do ‘faz de contas’ se cruzava com as possibilidades do mundo real. O prazer e a motivação nasciam do poder da criatividade, da alegria pelo compartilhamento e da arte de seduzir, que a leveza da proposta gerava, transformando o momento da aprendizagem em um clima de interatividade inesquecível.

Identificando características pessoais e profissionais e descrevendo os seus saberes, conhecimentos e competências, nos aproximamos de compreensões mais elaboradas.

Com o devido cuidado da análise das questões sobre o saber do ensino, apontado como “excesso etnográfico" por Tardif e Gauthier, ao se referirem à cientificidade do saber de experiência produzido pelos professores, tal como eles, interrogo: “Certamente o (a)s professor (a)s sabem alguma coisa, mas o que precisamente sabem eles? Qual é esse saber? São eles apenas canais de transmissão de saberes produzidos por outros grupos? Produzem eles, no quadro de sua profissão, um ou mais saberes?...”
Nesta oportunidade, tratarei de um dos aspectos que serviram à minha discussão no trabalho ora desenvolvido e que considero de fundamental relevância.

Os desafios, o prazer de aprender e a paixão por ensinar

Nos relatos apresentados pela professora, percebe-se nitidamente a importância que ela dava aos desafios que lhe eram propostos: o forte desejo, gosto e comprometimento por ensinar e aprender, buscar constantemente o conhecimento e novas informações. Advogada, contadora, porém era na sala de aula que conseguia desenvolver com prazer suas atividades profissionais.

Os saberes das disciplinas não constituíam obstáculos para sua prática. Os saberes sociais dos diversos campos do conhecimento oferecidos por diferentes cursos universitários garantiam um conteúdo bastante valorizado e legitimado pelas instituições escolares.

Em sua prática, não aderiu à tarefa de transmissão, como técnico ou executante. Não fez do seu aluno um depositário de saber. No seu exercício cotidiano, no contexto das interações, reuniu habilidades pessoais que passaram a incorporar sua vivência individual.

Nos relatos abaixo, são valiosas as reflexões e as conclusões tiradas pela professora e que ela resgatou através do seu depoimento:

(...) Sempre fui muito comprometida, assim de preparar a minha aula. Pesquisava em vários livros. Sempre gostei desde o começo de explicar e dar charadinhas, palavras cruzadas, até hoje eu gosto.
(...) sinto ainda uma necessidade diária de desafios! Eu sinto! É isso que faz ter sentido a minha vida...

Foi em Perrenoud, que busquei a clareza para compreender as ações praticadas pela professora. Podemos estabelecer uma relação entre o que a professora afirma e o que Perrenoud (2000, p. 36) discute, quando trata dos dispositivos didáticos que devem ser considerados para envolver os alunos em atividades que lhes sejam prazerosas.

Neste sentido, o autor não nega a importância do tipo de relação que o professor estabelece com o saber, no entanto, considera desejável que o mesmo torne acessível aos alunos, esta sua relação, assumindo junto com eles o papel de aprendiz. O autor quer dizer com isto, que não basta que o professor tenha prazer de aprender e de ensinar, é necessário que isso desperte no estudante esta mesma vontade de saber e uma motivação tal que não o faça desencorajar do objetivo ou cair no tédio, tendo em vista que muitos deles já aprenderam as mazelas do ofício de aluno.

Acompanhando o raciocínio do autor, é fundamental, portanto que o professor lance desafios possíveis de êxito sem fazer uso do “utilitarismo”. Para não fazer intervenção que seja “desastrosa” é essencial que o professor tenha consciência do seu papel, não legitimando as atividades com o argumento de que elas constituem importância vital para a humanidade, suscitando sim uma“paixão desinteressada” pelo saber.

Dessa forma é inquestionável a visão que a professora apresenta sobre a complexidade de seu fazer, tornando-o um projeto de vida, como comprova o relato:

(...) Você tem que gostar do que faz. Você gostando do que faz você cria alternativa. Você não vai dar uma boa aula, se você não gosta!... Cada dia é um dia diferente! Se ele (aluno) me questiona algo, eu não sou obrigada a saber, nem sempre, porque não sabemos tudo, mas temos que ter a humildade de falar: eu não sei, mas vou procurar saber...

Perrenoud (2000, p. 38) destaca que:“A paixão pessoal não basta, se o professor não for capaz de estabelecer uma ‘cumplicidade’ e uma ‘solidariedade’ verossímeis na busca do conhecimento. Ele deve buscar com seus alunos, mesmo que esteja um pouco adiantado, renunciando a defender a imagem do professor ‘que sabe tudo’...”.

Defende Perrenoud que tornar o conhecimento apaixonante... “Não é somente uma questão de competência, mas de identidade e de projeto pessoal do professor. Infelizmente, nem todos os professores apaixonados dão-se o direito de partilhar sua paixão, nem todos os professores curiosos conseguem tornar seu amor pelo conhecimento inteligível e contagioso. A competência aqui visada passa pela arte de comunicar-se, seduzir, encorajar, mobilizar, envolvendo-se como pessoa”.

As situações de aprendizagem articuladas pela professora

Desde o início das atividades docentes, o sujeito desse estudo, vinha se apropriando de inúmeros recursos e estratégias didáticas que favoreciam o diálogo com os alunos.

Para aproximá-los dos conhecimentos científicos, trabalhava a partir das concepções dos estudantes conforme nos coloca quando se refere às aulas simples, na linguagem do aluno e ao Mapa da Mina:

(...) Bom, eu ia trabalhar espaço geográfico... Tentava sempre fazer o mais simples possível para que ele entendesse. Espaço geográfico dá uma impressão assim de espaço, de lua, de planetas. O espaço que eu tinha que construir com meu aluno era o que tinha em volta dele, mais próximo, a casa dele, é o espaço onde ele vive! É o menor espaço. Daí a gente ia ampliando...
(...) Vai ampliando para o bairro... As ruas próximas da sua casa, quarteirões. Passa para a cidade, para o estado, até a maior esfera que é o Planeta. Isso, na 5ª série.
(...) Antes de preparar assim uma aula ... fazia uma Avaliação Diagnóstica ... fazia o “Mapa da Mina” ... Na minha primeira aula minha primeira estratégia, qual seria? Conhecer onde minha pedra preciosa morava. Então o aluno tinha que me levar da Escola até sua casa, fazendo um mapa... Eu sabia exatamente onde cada um morava. Isso me fez aprender a conhecer bem o bairro, os nomes...

Perrenoud explica que essa competência do professor é “essencialmente didática”, e sob minha ótica nada se assemelha “à aula magistral seguida de exercícios” do antigo ofício do professor, que ele cita em seus trabalhos. Essa competência, frisa:“Ajuda-o a fundamentar-se nas representações prévias dos alunos, sem se fechar nelas, a encontrar um pouco de entrada em seu sistema cognitivo, uma maneira de desestabilizá-los apenas o suficiente para levá-los a restabelecerem o equilíbrio, incorporando novos elementos às representações existentes, reorganizando-as se necessário”. (Perrenoud, 2000, p.29)

Continua ela:

(...) Ele precisa primeiro sentir sabor, pra depois ele se preocupar com linguagem. A linguagem em si não é tão importante...
(...) Apesar de toda simplicidade das minhas aulas eu acho que elas são bem significativas, tem bastante valor...

O trabalho a partir das representações dos alunos, não considera o aluno como um aprendiz de mente vazia, pelo contrário, se interessa por“compreender suas raízes”, criando espaço para discussão. Assim não banaliza suas contribuições, mas avalia sua capacidade de abstração e identifica suas dificuldades de conceituar.

A partir de situações amplas e cheias de significado, a professora conseguia seduzir seus alunos, partindo da realidade mais próxima para a mais distante através de propostas inovadoras, como era o caso de realizar desafios através de jogos, sair com eles para conhecer o bairro, desenvolver eventos onde eram ampliados os espaços para criação e reflexão etc.

A capacidade da professora de selecionar as atividades abandonando aquelas consideradas mecânicas e desagradáveis, bem como a de eliminar iniciativas que não constituíam sucesso, vem nos mostrar que ela utilizava espontaneamente o recurso da reflexão-sobre-a-ação, sem ter absolutamente, consciência deste fazer. Contudo, essa capacidade crítica possibilitava que ela recriasse as situações, indicando-nos que as concepções acerca desse processo se baseavam em modelos centrados nos alunos, os quais apresentam disponibilidades diferenciadas para aprender.

Ao organizar situações concretas de aprendizagem a professora dispunha de competências necessárias para criá-las. Os fragmentos a seguir demonstram como ela compreendia e dirigia tais situações:

(...) Poder sair com aluno, pra conhecer o bairro... Fomos conhecer os setores da economia: setor terciário, o comércio, fábrica de vassouras, mostrar como se fazem embalagens... A gente saia com uma quantidade enorme de alunos e via todo o processo... Muito interessante, porque é isso que faz aprender...
(...) A gente sai daquela aula tradicional, só dialogada e cria situações novas, como você perceber que do lado de uma rua só tem números pares e perceber que do outro só tem números ímpares. Perceber as garças, que naquela época tinham no bairro, que ficavam num campo ali e que hoje são áreas que estão se industrializando, no setor secundário; ver ruas pavimentadas e não pavimentadas, saber o que é pavimentação...
(...) Claro que não se trabalhava “conteúdo” vendo a rua, mas a idéia era que depois na sala, se o aluno fizesse o questionamento... A gente vai fazendo essas ligações... Quantas meninas varriam uma casa, mas não sabiam que a piaçava vinha da Amazônia.

Na análise que Perrenoud faz das competências, afirma que todas contribuem para animar as situações de aprendizagem e que algumas são mais específicas. Ele lembra que o conhecimento dos conteúdos é importante quando se quer instruir alguém, mas que a verdadeira competência pedagógica está em relacionar os conteúdos aos objetivos e às situações de aprendizagem. Neste particular, torna-se “indispensável que o professor domine os saberes”, diz ele, sendo capaz de identificar o que é essencial.

Nos exemplos que ela cita percebe-se que o domínio dos conteúdos didáticos concede-lhe talentos que possibilitam fluência suficiente para articular situações facilitadoras das aprendizagens, aproveita as ocasiões, atende aos interesses dos alunos, explora os acontecimentos e desenvolve tarefas complexas relacionadas à transferência dos saberes, sem passar pela exposição metódica, como chama o autor.

Neste contexto, Perrenoud (2000, p.27) considera:“Essa facilidade na administração das situações e dos conteúdos exige um domínio pessoal não apenas dos saberes, mas também daquilo que Develay (1992) chama de ‘matriz disciplinar’, ou seja, os conceitos, as questões e os paradigmas que estruturam os saberes no seio de uma disciplina. Sem esse domínio, a unidade dos saberes está perdida, os detalhes são superestimados e a capacidade de reconstruir um planejamento didático a partir dos alunos e dos acontecimentos encontra-se enfraquecida”.

Outra competência admitida por Perrenoud e que a professora parece-me revelar no seu fazer, desde o início da sua carreira, baseia-se na idéia de que“aprender não é primeiramente memorizar, estocar informações, mas reestruturar seu sistema de compreensão do mundo”.

Algumas atividades utilizadas pela professora traduzem claramente seus objetivos quanto ao trabalho cognitivo que ela disponibiliza para que o aluno domine a realidade de maneira simbólica. Através de situações-problema, era possível que os alunos se apropriassem deste problema, colocando sua mente em movimento, levando-os a construir hipóteses, proceder a explorações e tentativas, transpor obstáculos, fazer transferências e generalizações e construir conhecimentos novos:

(...) Depois do Mapa da Mina, que eu cheguei na casa dele, ele vai me mostrar como que ele mora. Vai virar um arquiteto, construir a casa dele, vai mostrar por dentro, as repartições, cômodos. Vou colocar: este é o menor espaço geográfico que você vive. (...) Gostava como gosto até hoje, de jogo de palavras, caça palavras, cruzadinhas... Eles não precisavam decorar nada, tinham que saber determinadas palavras que eram o fechamento de todo um conteúdo. (...) tentava fazer atividades, principalmente de Avaliação, que não decorasse. (...) Nunca gostei de questionário. Uma coisa “chata toda vida”.

A professora assume inúmeras vezes atitudes próprias de quem domina os conhecimentos “profissionais” e estes aparecem aglutinados a outra categoria de saberes denominados “saberes da experiência” ou “saber da prática”. Esse saber articula-se aos demais no exercício da profissão, na interação com o meio escolar, no trabalho cotidiano. Incorporados à vivência de cada indivíduo ou grupos, são habilidades específicas, formas próprias de saber fazer, de saber ser e de saber conviver bastante presentes nas concepções e práticas do sujeito que atua.

É fundamental lembrar que sua forma de ser advém principalmente das experiências vividas e de aspectos subjetivos e intersubjetivos próprios da sua dimensão pessoal.

Os saberes da “experiência” foram sendo pois, construídos, devido ao fato de se estabelecer uma relação de extrema interioridade com sua prática, fazendo-a sentir não apenas uma técnica, executante e transmissora do saber, mas uma legítima produtora de um outro saber que lhe é válido, que fundamenta sua competência, apesar deste fator se manter no nível da não consciência dessa construção.

No decorrer deste processo, a professora percebe os limites, interage com outras pessoas, improvisa e desenvolve habilidades para enfrentar situações novas. Esse contexto permite ao docente “desenvolver os ‘habitus’”, que podem ser traduzidos como dizem os estudiosos em “estilo de ensinar, em ‘macetes’ da profissão ... Os saberes da experiência fornecem ao(a)s professore(a)s certezas relativas a seu contexto de trabalho na escola...”.(Tardif et alii, 2001, p.p. 228, 229).

Esses saberes e essas competências decorrem de sua construção própria, desenvolvidos no contexto da instituição escola, junto aos alunos, aos outros professores e a partir da proposta pedagógica da escola. Neste caso, podemos reconhecer que a arte, a alegria e a criatividade foram elementos essenciais na construção dos saberes ditos da experiência ou da prática, e que os mesmos parecem ser tão legítimos quanto àqueles produzidos nos meios acadêmicos.