domingo, 19 de setembro de 2010

O pesadelo americano

No Brasil, ultimamente, temos assistido ao lado caridoso da madame Economia. Nos últimos anos, muitos brasileiros pela primeira vez tiveram acesso à casa própria, ao carro zero-quilômetro, a uma geladeira nova e colorida ou a uma viagem a Porto Seguro.
Nos Estados Unidos, por outro lado, dona Economia tem andado de mau humor e chacoalhado
até a estrutura da família americana.
A recessão dos últimos dois anos, com a destruição de trilhões de dólares em riqueza e mais de oito milhões de empregos, tem forçado americanos a cancelar a saída da casa dos pais e estudar perto de casa, a postergar a troca do carro e até, em alguns casos, fazer as malas e vir trabalhar por aqui em busca de melhores oportunidades.
Para azar das mocinhas casadoiras da terra do Tio Sam, os americanos casaram-se menos no ano passado. Como todo mundo que passou pela experiência sabe, casar custa caro. Com menos empregos e crédito, muitas noivas estão sendo enroladas ou, na melhor das hipóteses, tendo de aceitar apenas juntar os trapos, dispensando papel passado mais festa, vestido e bolo.
Quem acha que casar custa caro, espere até chegarem os filhos, fraldas, escola, aulas disso e daquilo. Temerosos, os americanos pisaram no freio também na procriação. O número de nascimentos despencou no último ano. Ampliar a família – ou não – ficou para depois.
Quer dizer que a crise e a recessão estão reduzindo o número e o tamanho das famílias americanas? Não necessariamente. Com a Economia, nada é tão simples.
Há um fato na vida familiar que pode custar ainda mais caro que o casório, a lua de mel e até os filhos: uma eventual separação. O número de divórcios despencou por lá. Melhor aguentar a jararaca do que acabar quebrado – parecem estar pensando muitos dos gringos.
Muitos acreditam que esta recessão americana não passa de uma crise passageira, como tantas outras, e que tudo logo volta ao normal. Se eles estiverem certos, estas tendências familiares serão revertidas.
Infelizmente, eu não tenho a mesma fé. Durante quase três décadas, famílias, instituições financeiras e o governo americano se endividaram para sustentar um estilo de vida em que o consumo era muito superior à renda. Mais hora, menos hora, chegaria o inverno e o momento de as cigarras terem de apertar os cintos, poupar mais, pagar dívidas e consumir menos. Desconfio que tal momento chegou. Tentativas do governo americano de aumentar os gastos públicos só conseguirão, na melhor das hipóteses, postergar o ajuste, roubando do futuro para tornar o presente menos duro.

Se eu estiver correto, é possível que um período longo de desempenho econômico medíocre cause mudanças permanentes na estrutura familiar americana. Menos casamentos, menos filhos e relações desgastadas mantidas apenas por razões financeiras. Pobre sonho americano.
Ricardo Amorim é economista, apresentador do “Manhattan Connection” (GNT) e do “Economia e Negócios” (Rede Eldorado) e presidente da Ricam Consultoria

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Brasil está se conectando

O brasileiro está cada vez mais conectado, e mesmo assim ainda menos da metade da população acessa a internet. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) divulgados nesta quarta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 67,9 milhões de pessoas com 10 ou mais anos de idade declararam ter usado a internet em 2009. Esse número mostra um aumento de 12 milhões em relação ao ano anterior e é mais do que o dobro do que era em 2005, quando a internet brasileira tinha 31,9 milhões de usuários, mas no total representa apenas 41,7% da população do país.

Sul, Sudeste e Centro-Oeste continuam com as maiores proporções de usuários: o Sudeste lidera (48,1% dos moradores da região utilizaram a internet em 2009, contra 26,2% em 2005), seguido do Centro-Oeste (47,2%, antes 23,4%) e do Sul (45,4%, antes 26,2%). O Nordeste passou de 11,9% em 2005 para 30,2% este ano, e o Norte de 12% para 34,3%. As duas regiões são as que têm menos usuários mas registraram os maiores aumentos percentuais (respectivamente, 171,2% e 213,9%).

A maior parte da população que usa a internet, segundo o PNAD, está entre os jovens: 71,1% das pessoas de 15 a 17 anos acessaram a rede em 2009, e 68,7% das pessoas entre 18 e 19 anos. Mas o maior crescimento registrado foi entre os usuários com mais de 50 anos, que cresceram 138% entre 2005 e 2009 e já são 15,2% da população com essa idade.

No Brasil também é muito importante para a população mais pobre o acesso feito fora de casa. O Sudeste mantém os maiores percentuais de domicílios que têm computador e internet. Em 2009, 35% dos domicílios investigados em todo o país (20,3 milhões) tinham microcomputador, subindo de 31,2% em 2008. Desses, apenas 27,4% (16 milhões) tinham acesso à Internet, contra 23,8% em 2008. As regiões Norte (13,2% dos domicílios com computador) e Nordeste (14,4%) ainda seguiam com as menores proporções. As lan-houses foram o segundo meio utilizado para acessos à internet, com 35,2%.

Apesar de otimistas, os números do PNAD não escondem que ainda existe um grande número de brasileiros que estão excluídos da vida digital. A pesquisa também não diferencia a internet banda larga da internet comum discada: embora o número de pessoas que usam a rede esteja aumentando, a internet rápida ainda é muito pouco difundida no Brasil. Segundo dados do Barômetro Cisco, havia 15 milhões de usuários de banda larga no Brasil no fim de 2009 e a penetração de internet rápida era de 5,98%. Na China, dos 420 milhões de usuários de internet, cerca de 98% usam banda larga.

O governo quer que metade dos domicílios brasileiros tenham acesso à internet banda larga até 2014, segundo o plano nacional de banda larga (PNBL), que começa ainda esse ano em 100 cidades, das quais 58 ficam no Nordeste. De acordo dados do fim de 2009, apenas 17% das residências brasileiras têm internet rápida.

O que pode ajudar a colocar ainda mais brasileiros no mundo digital é o número de celulares no país. Em 2009, 94 milhões de pessoas da população de 10 anos ou mais de idade (57,7%) declararam possuir telefone móvel celular para uso pessoal. Isso correspondendo a um aumento de 7,6 milhões de pessoas em relação a 2008. As regiões Norte (49%) e Nordeste (45,4%), permanecem as únicas onde menos da metade da população possui celular para uso pessoal. Além disso, o percentual de domicílios que têm somente telefone celular aumentou quatro vezes entre 2004 e 2009, de 16,5% para 41,2%.

domingo, 5 de setembro de 2010

Quem precisa de escola em tempo integral no Brasil é professor, não aluno

Diretora da Escola Brasileira de Professores, que se dedica à educação inicial e continuada de docentes do ensino básico, Guiomar Namo de Mello está, é claro, preocupada com a formação dos mestres no Brasil. Contudo, ela não engrossa o coro daqueles que acreditam que a saída para o problema está em oferecer melhores salários. “Se você me perguntasse se o professor ganha mal, eu diria que sim. Mas para o que alguns fazem, é muito”, diz. Para a especialista, mais do que maiores vencimentos, os docentes precisam de melhor formação: saídos de escolas públicas ruins, apenas espalham seu desconhecimento aos alunos. “A formação do professor é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhora é possível”, sentencia Guiomar. Aperfeiçoar a formação dos docentes e coordenar as ações de estados e municípios que quiserem promover reformas na área - ambas tarefas do governo federal - serão desafios do presidente que o país elegerá neste ano. Confirma a seguir os principais trechos da entrevista com a educadora.

A senhora costuma afirmar que, até o início dos anos 90, a educação não fazia parte da agenda estratégia dos governos. Hoje, ela já está entre as prioridades?
Os setores mais bem informados da sociedade se deram conta de que a educação é urgente em termos de desenvolvimento sustentável. Por isso, acredito que haja uma pressão maior por parte da população. No entanto, a educação vem sempre carregada de visões imediatistas e às vezes extremamente pessoais dos governantes. Na política, a educação está facilmente sujeita a uma certa pirotecnia, ou seja, os governos e os políticos em geral querem sempre faturar mais com o menor custo possível. E, assim, faltam foco e prioridade. Faltam medidas que se dirijam a questões estruturantes da educação.

Quais são essas questões?
A qualidade da formação do professor, por exemplo, é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhoria é possível. E há pouca disponibilidade para atacar esse problema. É preciso mudar completamente os sistema de formação de professores, que ficou refém de um ensino superior. Mas não há disposição de se investir política e financeiramente para atrair os melhores para a carreira de professor.

O que fazer para formar um bom professor?
É preciso enfrentar os cursos de pedagogia, mas não vejo nenhum político se referindo a isso. Também temos que formar o professor em tempo integral, porque eles estão saindo do ensino médio analfabetos e chegam ao ensino superior para reproduzir a sua ignorância. Depois, vão para a escola pública e repetem o círculo vicioso da ignorância. Então, quem precisa de escola em tempo integral no Brasil é professor, não aluno. Nosso professor sai da escola pública: depois de uma formação deficitária no ensino superior particular, onde ele pode dar aula? No ensino público, de onde saiu. E ainda tem quem diga que é ele o culpado pela má qualidade do ensino. Ele não é culpado, mas apenas uma peça dessa engrenagem. Para enfrentar esse problema é preciso vontade política e recursos financeiros para investir na formação do professor. Se estivéssemos dispostos a fazer isso, poderíamos ter um ensino de qualidade.

No Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2008, apenas 2,7% dos cursos de pedagogia alcançaram a nota máxima, igual a 5. O que precisa mudar no currículo dessas instituições?
Precisamos de um currículo onde o futuro professor não estude só a teoria. Ele precisa conhecer a prática desde o primeiro dia, como os médicos. O modelo de formação clínica é o melhor modelo para o professor. Ele não precisa estudar os recônditos da pedagogia. Ele precisa aprender como se ensina e como o aluno aprende. O professor é um artesão, ele não é um grande criador. Da mesma forma que o médico não é um criador. Ele tem que ser um excelente aplicador de conhecimento. A sala de aula é o foco e a referência do trabalho dele.

O currículo escolar praticado hoje é outra questão estruturante?
Sim. Hoje temos um ensino enciclopédico e precisamos acabar com essa crença. Precisamos saber para que finalidade queremos educar os jovens. Temos que educá-los para sobreviver em um mundo cada vez mais complicado, em que a informação está disponível para todos. Para isso, você precisa desenvolver competências que são básicas: saber falar, pensar, usar a linguagem, aplicar o conhecimento adquirido para entender o mundo ao seu redor. É preciso um ensino mais relevante. Ou a gente atende a esses desafios ou não melhoramos o ensino.

Muitos especialistas apontam que o salário do professor é um empecilho para o avanço da educação no Brasil. Como a senhora enxerga essa questão?
A remuneração é um fator a ser revisto. O salário precisa melhorar, mas só isso não resolve o problema. O aumento do salário tem que ser uma decorrência do aumento da responsabilidade do professor e do mérito. Se você me perguntasse se o professor ganha mal, eu diria que sim. Mas para o que alguns professores fazem, é muito. E para o que outros fazem, é pouquíssimo. Para corrigir isso, precisamos de mecanismos para diferenciar um do outro. O que não pode é aumentar o salário de todos.

A meritocracia é uma saída para isso?
A ainda que seja uma única medida, ela é interessante e pode fazer a diferença em São Paulo, onde foi aplicada. Porque se o professor quiser progredir só pelo tempo de trabalho - como normalmente ocorre - o salário dele aumenta em um determinado ritmo. Mas se ele quiser fazer um concurso sobre o conteúdo que ele ensina, ele pode ter um aumento substancial e buscar um atalho na carreira. Ele começa a ganhar mais antes do tempo previsto. Acredito que são esses os mecanismos que atraem os profissionais. Porém, é preciso lembrar que na educação não existe uma única saída. A solução tem que mexer em diferentes fatores. Sozinha a meritocracia não resolve muito. Por mais que incentive o professor, se ele não sabe como ensinar, ele precisa aprender.

Qual o maior desafio na área da educação que o próximo presidente, a ser eleito neste ano, deverá enfrentar?
A questão do professor talvez seja o abacaxi mais complicado para descascar, em todos esses aspectos. O presidente da República manda no ensino superior. E é no ensino superior que está o problema do professor. Não adianta desconversar. A questão da formação do professor é responsabilidade do Ministério da Educação – seja no ensino superior público federal ou nas faculdade e universidades particulares, que são autorizadas e supervisionadas pelo governo. Portanto não dá para se esquivar. Também precisamos lembrar que o governo federal não é o gestor do ensino básico no Brasil. Gestores são estados e municípios. Cabe ao governo federal liderar e coordenar políticas para estados e municípios que queiram promover reformas. E para isso é preciso haver um grande pacto federativo da educação. O presidente eleito precisa usar o respaldo que ganhará nas urnas para chamar estados e municípios e equacionar os problemas mais estruturantes da educação. É importante estabelecer um pacto federativo.