quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A importância dos valores internos

Esse estudo visa uma compreensão mais aprofundada a respeito da estrutura de valores que possui o ser humano em seu projeto de vida. Primeiramente, faz-se necessária uma reflexão acerca dos valores internos, buscando a suas origens na formação do psiquismo humano. Ao investigar o desenvolvimento da personalidade infantil encontram-se aspectos ligados a temperamento. É como descreve Fadiman (1986), estudos realizados por Carl Gustav Jung trouxeram os conceitos de pessoas introvertidas e extrovertidas, cada qual com as suas peculiaridades de pensamento, sensação, percepção e intuição.
Ainda em Fadiman (1986), há a conceituação deixada por Skinner, psicólogo americano, na qual sinaliza as influências que o meio ambiente exerce sobre as pessoas, levando-as a terem um comportamento ou outro. Seus estudos incluíram o campo da educação, valorizando as recompensas para a aquisição de bons comportamentos e a punição para a correção dos inadequados.
Na esfera da moral, em Piaget (1977), existe a idéia de noção de justiça na criança, ao referir-se a uma oposição existente entre dois tipos de respeito, e conseqüentemente, entre duas morais: a de obrigação e a de cooperação. Uma trata do dever, a outra do respeito mútuo. Quando a criança desenvolve uma formação baseada na justiça de cooperação é possível que ela possua um senso de justiça igualitário ao longo de sua vida.
As bases sobre justiça podem ser encontradas no filósofo clássico Aristóteles (1986), através de suas reflexões éticas, ao afirmar que aquele que pratica atos justos não necessariamente é um ”homem justo”; pode ser um “bom cidadão”, contudo, jamais será um “homem justo” ou um “homem bom” de per si. O “homem bom” é, por si mesmo, independentemente da sociedade, completo em sua interioridade; a justiça lhe é uma virtude vivida, por meio da ação voluntária. A moral obedece às regras, a ética possui seus próprios valores.
La Taille (2002), descreve o cenário da educação infantil apontando as duas grandes fontes educacionais da criança: família e escola, como agentes que devem tornar claros os seus valores e definições sobre uma vida plena. A sociedade e a mídia acabam ocupando um espaço considerável na formação desses conceitos fundamentais. Com o passar do tempo os valores aprendidos na família e na escola foram perdendo terreno, e quem encontrou espaço para implantar diferentes valores foi a forte idéia comercial. Tudo parece estar voltado para o mercado, o consumismo e a superficialidade. Muito tem se perdido com esta maneira de formar valores.
Tendo em vista os vários fatores que compõem a personalidade do ser humano, torna-se importante o exercício de compreender que formas de valor podem estar presentes nas pessoas. Dependendo das características existentes desde o nascimento, somadas as aprendizagens e experiências vividas, resultará em diferentes valores encontrados em cada um.
A criança recebe determinada cultura de seus cuidadores, bem como influências do meio em que vive. Caso ela não obtenha valores de uma vida mais plena, dificilmente formará um conceito interno a respeito. A preocupação nesta altura das reflexões alcança os valores que o ser humano formou e os vive a partir de uma condição intrínseca. Ao contrário de alguém que percebe a necessidade de ter de se adequar às regras e normas circunstanciais de um dado momento, para uma demanda específica. Temos, então, valores adaptados e considerados extrínsecos. Seu efeito pode durar tanto quanto os seus objetivos permaneçam disponíveis.
Aquele que possui valores intrínsecos tem maior chance de resistir às atribulações que a vida reserva. Sofre, contudo, encontra sustentação diante das dificuldades existentes. Vê o campo de batalha no qual se situa, porém, tem ânimo e força para continuar lutando e planejando as perspectivas. É como se encontrasse uma companhia vital para continuar a jornada. Os valores religiosos são forte exemplo desse tipo de sustentação. Vemos claramente em (2 Co 5.1.): “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus.”
Por outro lado, quem convive com valores extrínsecos, é presa fácil dos problemas. Sucumbe, quase sempre, ao primeiro vento que sopra contrariamente. Não há uma estrutura formada que ofereça apoio e perseverança. Encontra, na maioria das vezes, o desespero como aliado. Sente-se só.
Como tratar da questão em pauta? Valores positivos internos, se eles pouco representam para as pessoas que não o obtiveram. Observe que o número de crianças com pouco contato nesta esfera do desenvolvimento vêm aumentando, haja vista o distanciamento que ocorre entre pais e filhos. A educação perde terreno nesta relação já enfraquecida, onde a responsabilidade primária (dos pais) está sendo passada, ou há uma constante tentativa, para a secundária (escola). As razões deste fenômeno vão desde o conceito errôneo que muitos pais têm a respeito do eixo liberdade-limites, até o comprometimento com as suas atividades profissionais em virtude do dinheiro e do próprio desenvolvimento. Não é uma situação fácil (Siqueira, 2003).
Os educadores têm um papel relevante junto a seus alunos, bem como aos pais deles. É papel de liderança que deve estar presente todo dia na vida das crianças e adolescentes. Declarar valores pessoais e estimular o seu desenvolvimento pode auxiliar nesta tentativa. Em qualquer oportunidade de tempo, desde que seja feito.
Imaginemos, então, se ampliarmos esta dificuldade para a vida social em grupo. Muitas pessoas, de diferentes valores, ainda que alguns estejam relativamente próximos, calcule como é o alinhamento entre aquele que possui valores internos de boa conduta, mediante valores globais negativos de um sistema organizado? O contrário também.
Outro empecilho ocorre na hora de compreender ou formar os planos futuros de vida. Que sonhos ter? O que vislumbrar como algo que possua grandeza e nos inspire a caminhar em sua direção? Que horizonte observar e nele estarem depositadas importantes convicções pessoais?
Ainda mais, como conceber as metas desses planos? Se a perspectiva não inclui uma visão estimuladora? Que objetivos tangíveis devemos alcançar para manter a chama acesa?
Se não há valores profundos e positivos, não há, em essência, o que visionar e tornar, em decorrência, objeto de qualquer missão. Tal infortúnio, num convívio grupal, desmotiva aquele que é desprovido de valores fundamentais. Quer apenas resultados imediatos e se frustra facilmente quando não os obtêm. Seus objetivos incluem somente o fazer e a resposta que ocorra de acordo com as suas aspirações, excluindo os seus propósitos educativos, tais como o errar, parte inseparável do ser humano. Não há paciência, muito menos sabedoria em entender as muitas possibilidades que podem estar presentes em cada idéia e ato que emitimos.
Quando a pessoa carrega valores internos, é capaz de empreender atividades que busquem se aproximar de seus sonhos. Avaliar as novas situações, respeitando as mudanças e resultados que surjam, diferentemente do que antevia. Compreender o valor do tempo e saber esperar quando assim se faz necessário. É crente de suas convicções e sabe articulá-las com as diferenças que encontra no grupo. Busca adaptar-se, até certo limite, aos valores da comunidade que faz parte. Alinha seus valores, sonhos e metas. Encontra na própria estrutura desses conceitos um objetivo a ser alcançado em cada lugar e em cada tempo.

Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Editora da UNB, l985.
FADIMAN, James. Teorias da Personalidade. São Paulo: Editora Harbra, 1986.
PIAGET, J. O julgamento moral da criança. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1977.
SIQUEIRA, Armando Correa Neto. Educação sem limites. Internet, disponível em: www.psicopedagogia.com.br. Acesso em 03/11/03.
TAILLE, Yves de La. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: editora Ática, 2002.

Educação Especial e Novas Tecnologias: O Aluno Construindo Sua Autonomia

Educação Especial e Novas Tecnologias: O Aluno Construindo Sua Autonomia
Teófilo Alves Galvão Filho
teo@ufba.br
http://infoesp.vila.bol.com.br

I – Introdução
Com muita freqüência a criança portadora de alguma deficiência, física ou mental, por suas próprias limitações motoras e/ou sociais, agravadas por um tratamento paternalista não valorizador de suas potencialidades, cresce com uma restrita interação com o meio e a realidade que a cerca. Muitas vezes, se não for adequadamente estimulada, assume posições de passividade diante da realidade e na solução de seus próprios problemas diários. É condicionada a que outros resolvam os seus problemas e até pensem por ela.
Conforme Valente,

"As crianças com deficiência (física, auditiva, visual ou mental) têm dificuldades que limitam sua capacidade de interagir com o mundo. Estas dificuldades podem impedir que estas crianças desenvolvam habilidades que formam a base do seu processo de aprendizagem." (Valente, 1991,p.1).

Se, conforme Piaget, as crianças são construtoras do próprio conhecimento, quando portadoras de deficiência essa construção, portanto, pode ser limitada pela restrita interação das mesmas com o seu ambiente. E é nesta interação que, segundo Papert, através da ação física ou mental do indivíduo, se dão as condições para a construção do conhecimento. Sobre a importância, para o aprendizado, das interações no mundo, enfatiza Papert:

"O Construcionismo, minha reconstrução pessoal do Construtivismo,... atribui especial importância ao papel das construções no mundo como apoio para o que ocorreu na cabeça, tornando-se, deste modo, menos uma doutrina puramente mentalista." (Papert, 1994, p. 128)

E quando estas crianças com necessidades educacionais especiais ingressam em um sistema educativo tradicional, em uma escola tradicional, seja especial ou regular, frequentemente vivenciam interações que reforçam uma postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. Frequentemente são submetidas a um paradigma educacional no qual elas continuam a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir, reforça esquemas de dependência e submissão. São vistas e tratadas como receptoras de informações e não como construtoras de seus próprios conhecimentos.
Exatamente pelas dificuldades e atrasos que estes alunos com necessidades especiais frequentemente apresentam em seu desenvolvimento global, é vital, com mais ênfase nestes casos, oferecer-lhes um ambiente de aprendizagem que os ajude a abandonar essa postura passiva de receptores de conhecimento. Um ambiente onde sejam valorizadas e estimuladas a sua criatividade e iniciativa, possibilitando uma maior interação com as pessoas e com o meio em que vivem, partindo não de suas limitações e dificuldades, mas da ênfase no potencial de desenvolvimento que cada um trás em si, confiando e apostando nas suas capacidades, aspirações mais profundas e desejos de crescimento e integração na comunidade.
Por outro lado, é sabido que o computador vem se tornando cada vez mais um instrumento importante de nossa cultura, e o ambiente computacional e telemático, um meio de inserção e interação com o mundo, se adequadamente utilizado.
Por tudo isso, no Programa Informática na Educação Especial, desenvolvido desde 1993 nas Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador-Bahia, optamos por um paradigma educacional valorizador da ação e iniciativa do aprendiz, cujas características, filosofia e metodologia resumimos a seguir.

II – Um paradigma valorizador da iniciativa do aprendiz

Referência primeira: O Ambiente Logo de Aprendizagem
Os princípios filosóficos e metodológicos do Ambiente Logo de Aprendizagem apontam justamente para este modelo de educação com as novas tecnologias através do qual o aluno tem a iniciativa e é o sujeito de seus próprios processos.
O que seria, então, o Ambiente Logo?
Logo é uma Linguagem de Programação desenvolvida por volta de 1968, no Massachusetts Intitute of Tecnology (MIT), em Boston, nos E.U.A., por uma equipe de pesquisadores liderados por Seymour Papert.
Papert, que estudou durante os anos 60 no Centro de Epistemologia Genética, com Jean Piaget, de quem incorporou muitas de suas idéias, teve sempre como preocupação o estudo dos processos de aprendizagem.
A partir desta preocupação, surgiu a Linguagem Logo como uma linguagem com possibilidade de processar listas e de criar novos procedimentos, sendo adequada à aplicação em educação.
Mas o Ambiente Logo de Aprendizagem não se resume somente à Linguagem Logo de Programação. O Ambiente Logo possui duas raízes: uma computacional e outra filosófica. Ambas com características que as tornam próprias para sua utilização em educação.
Uma de suas principais características do ponto de vista computacional, ou seja, da Linguagem Logo propriamente dita, é a facilidade de assimilação por sua simplicidade de manuseio. Com comandos de terminologia fácil, o Logo permite uma rápida assimilação tanto pelos professores como pelos alunos. A parte gráfica é considerada sua porta de entrada. Consiste numa tartaruga no centro da tela, que pode ser movimentada a partir de comandos, cujo vocabulário se assemelha à linguagem utilizada cotidianamente para o deslocamento de uma pessoa no espaço. Os comando mais básicos do "vocabulário da tartaruga" são: PF (para frente) e PT (para trás), usados para deslocar a tartaruga; PE (para esquerda) e PD (para direita), para fazê-la girar. Estes comandos devem vir acompanhados de um número que determina quantos "passos" a tartaruga irá deslocar-se ou quantos graus deve girar. Os deslocamentos podem ou não deixar traços na tela, através dos comandos UL (use lápis) ou UN (use nada), possibilitando que o aluno venha a desenhar através da movimentação da tartaruga.
Esta atividade envolve conceitos espaciais que foram desenvolvidos a nível intuitivo pela criança desde a primeira infância, por exemplo, quando se deslocava de sua casa ao colégio. Mas aqui, estes conceitos devem ser explicitados em termos de passos e giros da tartaruga, exercitando e depurando diferentes conteúdos, tais como conceitos geométricos, numéricos, noções de distância, lateralidade, exercício de descentração, etc., introduzindo, através da atividade concreta de desenhar com a tartaruga, conceitos abstratos de diferentes domínios, como matemática, física, resolução de problemas, planejamento e outros. O aluno "começa a desenvolver as noções de formalismo e a necessidade de ser preciso e não ambíguo nas descrições das soluções dos problemas" (Valente, 1991, p. 40). A idéia é trabalhar e desenvolver diversos conteúdos através de atividades criativas e concretas que sejam do interesse do aluno, sem passar pelas formalizações do tipo escolar, que quase sempre são desvinculadas da experiência concreta do aluno e impostas de fora.
Outra característica do Logo do ponto de vista computacional, é a possibilidade de definir novos procedimentos, ou seja, a possibilidade do aluno criar um vocabulário próprio de comunicação com o computador, a partir da definição de novos comandos. Aqui é usada a metáfora do aluno "ensinar" a tartaruga. Através do comando AP (aprenda), um determinado conjunto de comandos pode ser definido por um novo nome. Por exemplo, "Tri" para o conjunto de comandos que constróem um triângulo. Esse novo nome que o aluno ensinou à tartaruga, passa a ser um novo comando que pode ser usado como parte (sub-procedimento) de um novo projeto. Assim, o aluno pode construir um conjunto de novos comandos, a partir de um vocabulário definido por ele mesmo, que são "ensinados" à tartaruga e que possibilitam que seus projetos cresçam em complexidade, facilitando abarcar um universo maior de conteúdos a serem trabalhados.
A raiz filosófica do Logo incorpora muitos aspectos das idéias de Piaget, com quem Papert estudou, e teve origem no interesse particular de Papert pelos mecanismos de aprendizagem do ser humano. Sua idéia era criar um ambiente de aprendizagem onde o conhecimento não é passado para a pessoa, mas onde o aluno, interagindo com os objetos desse ambiente, pudesse manipular e desenvolver outros conceitos (Valente, 1991, p. 40).
Piaget demonstrou que a criança já possui, desde os primeiros anos, mecanismos de aprendizagem que ela desenvolve mesmo sem ter ido a escola, mas a partir da interação com os objetos do ambiente onde vive (Valente, 1991, p. 39). Baseado nisso, Papert propõe o Construcionismo, que estuda e explica a construção do conhecimento em função da ação física ou mental do aprendiz, na construção de objetos de seu interesse, em interação com os objetos de seu meio através do computador. Para o Construcionismo é importante também o tipo de ambiente onde o aprendiz está inserido. Por isso, com o Logo se busca criar um ambiente de aprendizagem rico e aberto, onde o controle do processo de construção do conhecimento está nas mãos do aluno e não do professor. A atividade é proposta pelo aprendiz, e seus projetos são algo que ele deseja realizar. O professor deixa de ser o "controlador" e passa a ser o "facilitador" do processo de aprendizagem (Valente, 1991, p. 41), o que exige normalmente uma mudança de mentalidade do professor.
O fato de que o controle do processo esteja nas mãos do aprendiz, já favorece este envolvimento, cabendo ao facilitador propor novos desafios que o estimulem e estejam ao seu alcance, propor alterações nas atividades, perguntar, ajudando a explicitar os conceitos que estão sendo trabalhados a cada passo dos projetos. É fundamental para isto, o conceito de "zona de desenvolvimento proximal", definida por Vygotsky como:

"... a distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes." (Vygotsky in Menezes, 1993, p. 166)

Segundo Menezes, "esta concepção vem permitindo mudanças no ambiente de aprendizagem, principalmente quanto à adoção de metodologias voltadas para o reconhecimento da identidade cultural do aluno" (Menezes, 1993, p. 166). Portanto, é imprescindível, para o facilitador, o conhecimento sobre o aluno, sua história, seu meio, sua forma e estilo de interagir e construir o conhecimento. A partir disso, é possível atuar na sua "zona de desenvolvimento proximal", levando-o a dar passos de seu "nível de desenvolvimento real", para o "nível de desenvolvimento potencial".
Sobre a valorização da identidade cultural do aluno e a importância de seu contexto social, a Filosofia Logo é enriquecida também por toda a contribuição da reflexão de Paulo Freire relativa a este tema.
No Ambiente Logo a ênfase não é colocada no produto que a pessoa realiza, mas no processo pelo qual ela atinge seus objetivos. Por isso, o erro deixa de ser algo passível de punição, e passa a ser um momento de reavaliação, de depuração pelo aluno de suas próprias hipóteses. Esta reavaliação e depuração é um momento privilegiado para o aprendizado, pois no momento em que revê suas hipóteses, que foram testadas por ele mesmo em seu projeto, fica desafiado, a partir da identificação e análise do seu erro, a elaborar novas hipóteses e novas estratégias para a solução dos problemas. Ele tem o interesse em encontrar a solução para as dificuldades que encontra, pois os objetivos a que deve chegar são definidos por ele mesmo e não impostos por outros. O aluno começa a pensar sobre sua forma de pensar. O programa que desenvolveu em seu projeto, torna-se um espelho dos passos de seu raciocínio, do seu estilo de pensamento na resolução de problemas, o que é positivo tanto para o aprendiz, para um auto-conhecimento, quanto para o facilitador, que deve estar interessado em conhecer o estilo, as estratégias e o nível de desenvolvimento do aluno, a cada passo, para melhor intervir.

Aprendizagem baseada em projetos

Foi citado anteriormente o quanto é fundamental, no Ambiente Logo, a motivação, o interesse e o envolvimento do aluno nas atividades. Porque somente assim esse aluno liberará toda a sua criatividade e iniciativa, que lhe permitirão as interações necessárias para a construção do seu conhecimento. Mas, para estar trabalhando dentro da filosofia Logo de ensino-aprendizagem, dentro do Ambiente Logo, não é imprescindível que se esteja utilizando sempre e exclusivamente a Linguagem Logo de Programação. Se estivermos manipulando outros softwares e sistemas abertos, ou seja, aqueles que permitam ao aluno o desenvolvimento de projetos em diferentes áreas do conhecimento, utilizando para isso sua criatividade e mecanismos internos de construção desse conhecimento e resolução de problemas, também poderemos estar trabalhando, de forma interdisciplinar, segundo a Filosofia Logo, segundo o Construcionismo. Neste caso, é importante que se busque, durante o processo de trabalho, percorrer as etapas normalmente presentes no trabalho com o Logo: descrever a solução do problema, executar no computador, refletir sobre o resultado obtido e depurar se for necessário, para novamente continuar a descrição (Valente, 1993, p. 34).
Para exemplificar, se pensarmos em atividades que objetivem o desenvolvimento da lecto-escrita, os alunos poderiam trabalhar com projetos de criação, redação e leitura de histórias utilizando, entre várias opções:
editores de texto e softwares específicos de edição de histórias;
programação livre com a Linguagem Logo, combinando projetos gráficos com frases e textos, descritivos ou narrativos;
o intercâmbio, através de correio eletrônico, de suas produções, projetos e idéias, entre os próprios alunos participantes das atividades ou também com outros alunos de diferentes localidades;
pesquisa de histórias na Web.
E, da mesma forma, diferentes conteúdos podem ser desenvolvidos através de outros projetos, definidos juntos por alunos e professor, mas a partir das necessidades e interesses dos alunos, utilizando os mais variados recursos computacionais abertos, facilmente encontrados e manipulados hoje, quando se construiu e se está inserido em uma cultura de informática.
Na construção de projetos, professor e alunos se engajam, com uma perspectiva interdisciplinar, numa relação cooperativa de interações e intercâmbios, participando o aluno com todas as suas vivências e conhecimentos anteriores sobre os temas tratados, e o professor ajudando a explicitar os conceitos que vão sendo intuitiva ou intencionalmente manipulados no desenvolvimento dos trabalhos e das nas novas descobertas. E se pensarmos em termos de rede, de Internet, essa parceria na construção de projetos extrapola a relação restrita entre aluno e professor, para ampliar-se sem fronteiras em direção a inúmeras outras interações, fontes, parcerias, convergindo para o que Pierre Lévy chama de aprendizagem cooperativa. Nessa perspectiva, ressalta Lévy que:

"Os professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto os seus saberes ‘disciplinares’ como suas competências pedagógicas."... "A partir daí, a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento."
(Lévy, 1999, p. 171)

Trabalhando desta maneira, o aluno estará utilizando diferentes recursos computacionais e telemáticos, mas dentro de um mesmo paradigma valorizador de suas capacidades e iniciativa. E o computador e a telemática serão utilizados como recursos, ou como um ambiente (em se tratando de Internet), através dos quais esse aluno irá construindo o seu conhecimento. É superada, portanto, a concepção do computador como uma "máquina de ensinar", na qual eram introduzidas informação, para que depois fossem repassadas, "ensinadas", ao aprendiz. Com essa metodologia o aluno aprende "ensinando" o computador, ou seja, criando, desenvolvendo novos projetos, e não é o computador que ensina o aluno.

III – Conclusão

Nosso trabalho, como um programa específico de utilização da informática na Educação Especial, identifica e justifica sua maior relevância principalmente através de diferentes fatores detectados na nossa realidade e comunidade, dos quais destacamos:
o real e acentuado atraso no desenvolvimento global da quase totalidade das pessoas com alguma deficiência que nos procura;
o fato de que não sejam encontrados, nas estruturas educacionais oficiais de nossa comunidade, nem a infra-estrutura de novas tecnologias a serviço da Educação Especial, e, pior ainda, na maioria dos casos, nem mesmo modelos pedagógicos que realmente confiem e apostem nas capacidades e iniciativa do aluno com necessidades educacionais especiais, na construção de seus próprios conhecimentos e de sua autonomia;
os resultados alcançados com o trabalho nesses 7 anos, onde podemos detectar transformações e saltos na qualidade da postura de muitos alunos em relação a sua própria vida, a sua auto-estima, a vivência e valorização de seu processo de aprendizagem e interação com o mundo.
Quanto a resultados, encontramos agora, por exemplo, adolescentes com paralisia cerebral que frequentavam escolas especializadas há vários anos, sem que nunca tivessem conseguido aprender a ler e escrever, e que puderam desenvolver estas habilidades de leitura e escrita a partir do trabalho no Laboratório de Informática. Alguns deles já prestam, inclusive, pequenos serviços de informática para a instituição onde residem e também editam no computador o pequeno jornal do local. Além do desenvolvimento de outras habilidades e conceitos, por diversos outros alunos, como a capacidade de ver as horas, o desenvolvimento do conceito de número, comunicação através da Internet, etc., construidos em função do potencial de cada um.
Em relação a utilização da Internet, percebemos também que esta atividade tem colaborado no aprimoramento da comunicação escrita de alguns alunos, através dos e-mails que são trocados, além de motivá-los a realizarem pesquisas sobre diversos assuntos na rede. Enfim, desenvolveram habilidades que proporcionaram ou facilitaram uma melhor interação com a realidade e o seu meio, e uma maior autonomia na resolução dos próprios problemas.
Para que tudo isso possa ocorrer no trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais, frequentemente é necessário recorrer a diferentes adaptações que facilitem ou mesmo possibilitem o trabalho no computador, principalmente quando se tratam de alunos com alguma deficiência motora ou sensorial. Essas adaptações podem ser órteses, adaptações de hardware ou softwares especiais de acessibilidade. Com a finalidade de possibilitar o acesso ao computador a alunos com um comprometimento motor mais severo, por exemplo, fazemos uso de diversas adaptações e programas especiais de acessibilidade, que tornam o trabalho possível a estas pessoas. É o caso de um aluno nosso, adulto, que nunca havia sido muito estimulado antes, tetraplégico, e que só consegue utilizar o computador através de um programa especial que lhe possibilita transmitir seus comandos somente através de sopros em um microfone. Isto lhe tem permitido agora, pela primeira vez na vida, escrever, desenhar, jogar e realizar diversas atividades que antes lhe eram impossíveis. Da mesma forma, outros alunos fazem uso de outras adaptações, em função das necessidades particulares de cada um.
Todo este caminho aponta para a necessidade de dar prosseguimento e aprofundamento cada vez maior ao trabalho, que, por sua própria metodologia e filosofia, preenche, em nossa comunidade, uma lacuna entre as atividades essenciais para o desenvolvimento e autonomia da pessoa portadora de necessidades educacionais especiais, num mundo que cada vez mais exige do cidadão uma participação ativa e criadora. Mais ainda se todo o trabalho de Informática na Educação Especial, com estes paradigmas propostos, for sendo integrado, com o tempo, em um contexto mais abrangente de Escola Inclusiva.


REFERÊNCIAS

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Ed. 34, 1999.

MENEZES, Sulamita Ponzo de. Logo e a formação de professores: o uso interdisciplinar do computador na educação. São Paulo, ECA/USP, 1993.

PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.

VALENTE, José Armando. (Org.), Liberando a mente: computadores na educação especial. Campinas, UNICAMP, 1991.

________. Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas, UNICAMP, 1993.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Educar para quê?

Num mundo mais complexo e onde há tantas possibilidades em todos os campos, pessoais e profissionais, precisamos fazer cada vez mais escolhas. A educação pode ser um caminho fundamental para ter condições de fazer escolhas mais significativas no campo intelectual, emocional, profissional e social na construção de uma vida mais plena de sentido e realização.

A finalidade principal de aprender não é acumular informação, mas transformá-la em conhecimento que permita fazer opções interessantes entre idéias, valores, visões de mundo, com freqüência conflitantes. Esse papel mais amplo não pode ser atribuído somente à escola, mas também à família, à cada instituição, à cidade como um todo (cidade educadora). Mas a escola tem focado mais a formação intelectual do que a vivência das práticas aprendidas; isto é, se preocupa em mostrar caminhos, sem acompanhar os resultados concretos (a realização pessoal, profissional, emocional). De que adianta saber muito, se somos infelizes, se temos dificuldades em assumir desafios, em sair de situações de opressão em alguns campos?

A educação - na sua dimensão pessoal - pode contribuir para que façamos escolhas significativas na construção de uma vida com sentido, que nos realize, que tenha valor aos nossos olhos e aos de outras pessoas. É fundamental construir um percurso de vida que valha a pena, que nos traga cada vez mais realização e que seja motivo de orgulho: realizamos algumas coisas interessantes: "contribuí para melhorar a vida de centenas de alunos", ou "criei uns filhos que estão aprendendo a seguir seu caminho".... Uma das maiores frustrações das pessoas é constatar que não construíram algo de que se orgulhem e que os realize, que deixaram passar o tempo e se acomodaram na mediocridade.

Podemos analisar o impacto da educação, a longo prazo, pela facilidade maior ou menor em enfrentar dificuldades, em fazer escolhas mais interessantes para nossa vida, na capacidade de modificar o que nos prende, o que nos complica na vida profissional, familiar, social; na constatação de que construímos uma vida que faz sentido e nos realiza.

Um dos campos mais importantes da educação pessoal é conseguir discernir o que vale a pena manter das visões de mundo que nos foram transmitidas pelos nossos pais e educadores na infância. Recebemos muitos valores prontos, formas de enxergar o mundo muito específicas. É importante ter condições de rever o que faz sentido depois que vamos crescendo e libertar-nos de muitos medos, preconceitos, deturpações, simplismos, que nos foram passados, muitas vezes com a melhor das intenções. Educar é ajudar a desconstruir o que não nos serve mais e reconstruir de forma mais ampla valores, emoções, visões de mundo mais condizentes com o nosso grau de percepção atual.

Muitos ficam tolhidos pelo medo, pela inércia, pelo comodismo de não pensar criticamente. Num mundo cada vez mais complexo, de brutais mudanças, mas onde há muitos valores que nos complicam (como o consumismo, o mostrar-se diferente do que se é) a educação humanista, integral, profunda é decisiva para ajudar a crescer na nossa realização pessoal, familiar, profissional e social.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Como melhorar o ensino

Roberto Mangabeira Unger

Educação no Brasil não presta. Nosso problema de ensino não é apenas de quantidade -- de mais vagas, escolas e professores. É de qualidade: em todos os níveis, tanto na na grande maioria das escolas particulares quanto nas escolas públicas, o ensino é pior do que medíocre; é péssimo. Sua ruindade se torna mais patente à medida que as atenções do país se voltam para a difusão do ensino médio.
Péssima sob dois aspectos. Em primeiro lugar, porque falta a grande parte do professorado o domínio das matérias que ensina. Em segundo lugar, porque o ensino, mesmo nas escolas privadas frequentadas pelas classes abastadas, continua preocupado com a trasmissão de informações. É enciclopédico em vez de ser seletivo. É factual em vez de ser analítico. É simultaneamente massificado, individualista e autoritário em vez de ser cooperativo. Sempre há o milagre dos talentos que se afirmam contra o meio. Mais importante é a tragédia das vocações, que, aos milhões, nunca se revelam, sufocadas no berço por falta de instrumentos e de inspiração.
A solução começa na convergência entre três séries de iniciativas. Todas se aplicam, com ajustes, às outras áreas da política social, inclusive a saúde e a segurança.
A primeira iniciativa é a organização de um núcleo de reformadores que dirija a reorientação do nosso ensino. E que nos dê escolas que, prefirindo o aprofundamento instigante à abrangência superficial, usem a informação para desenvolver a capacidade de análise.
A segunda iniciativa é a formação do professorado. Ganhos de salário e melhores oportunidades devem estar condicionadas a todo um itinerário de qualifacações progressivamente mais exigentes. Os Estados e os Municípios têm de participar. Só o governo federal, porém, pode bancar.
A terceira iniciativa é a associação do governo federal, dos Estados e dos Municípios em órgãos transfederais que vigiem e assegurem o preenchimento de mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola. É um sistema que exige para funcionar mecanismos de redistribuição de recursos dos Estados e Municípios mais ricos para os mais pobres. E que requer procedimentos para intervir, corretivamente, quando esses mínimos deixem de ser preenchidos. Ao cidadão deve caber recurso rápido ao Judiciário, à custa do Tesouro, sempre que os órgaos tansfederais malograrem em sua tarefa.
Dessas iniciativas pode resultar uma escola pública capaz de atrair a classe média. As melhores escolas devem ser as públicas, como ocorre em muitos países europeus. Beneficiária do ensino público, a classe média se tornará fiadora de sua qualidade, em proveito de toda a população.
A medida mais importante para alcançar os pobres é um programa federal maciço de bolsas de custeio que identifique em cada etapa do ensino as crianças mais dotadas ou aplicadas e que responda com ajuda pública generosa a cada demonstração de talento e de esforço. O resultado será revelar entre nossas crianças, sobretudo nas pobres e de cor, a genialidade oculta da nação.
Diz-se que reforma de educação só surte efeito a longo prazo. Não é verdade. Um programa como esse produz efeitos imediatos e dramáticos. Desperta ambições e emulações em cada família brasileira. Respeita as crianças como gente grande. Fala às cabeças. Mas levanta o país pelos corações.

Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna. www.idj.org.br

sábado, 23 de julho de 2011

Qual é o melhor método de ensino?

A questão da metodologia na educação tem sido muito discutida. Devemos ter uma escola tradicional ou construtivista? Engraçado como gostamos de dividir o mundo em dois, quando na verdade há incontáveis possibilidades.

Se digo para as pessoas que não ensino o método científico, elas estranham. Estranho, para mim, é dizer "método científico", assim, no singular. Não dá para achar que um químico segue o mesmo método que um astrólogo ou um historiador. O que há em comum, se é que há, são alguns princípios que norteiam a produção do conhecimento científico. A partir deste princípios, os pesquisadores criam ou copiam métodos consagrados. Isto é ciência. Não há um único método científico.

E na educação? Faz sentido a pergunta do título? Eu não creio. Qualquer professor minimamente experiente já aprendeu que o melhor método é variar os métodos. Discutir é bom? Claro, mas discutir toda a aula pode deixar as conclusões pouco consistentes. Aula expositiva é bom? Claro, principalmente se você tem algo importante e complexo para dizer. Passar vídeo ajuda? Sem dúvida, mas imagine se os alunos ficarem a manhã inteira vendo vídeos. Os que não dormissem seriam adestrados pela TV, ao invés de serem educados.

Ou seja: conheça muitos métodos. Saiba as possibilidades e limitações de cada um. Escolha um ou outro em virtude de seus objetivos pedagógicos, da dinâmica da classe, do tempo, logística, etc. Nao se limite a uma única forma de ensinar, pois não é assim que se aprende. O corpo "foi feito para" aprender num mundo cheio de coisas diferentes.

A própria questão da indisciplina escolar, por exemplo, está ligada a esta repetição de métodos (ou de objetivos, ou de conteúdos). Pelo menos é isso que aprendi em minha experiência como professor.

Para terminar, algumas palavras do mestre Deleuze, criador do conceito filosófico de "rizoma" (grifo meu):

"Aprender é o nome que convém aos atos subjetivos operados em face da objetividade do problema (idéia), ao passo que saber designa apenas a generalidade do conceito ou a calma posse de uma regra das soluções. (...)

Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender - que amores tornam alguém bom em latim, por meio de que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a pensar. (...)

Não há método para encontrar tesouros nem para aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou paideia que percorre inteiramente todo o indivíduo (um albino em que nasce o ato de sentir na sensibilidade, um afásico em que nasce a fala na linguagem, um acéfalo em que nasce pensar no pensamento)"

DELEUZE, GILLES. (1968) Diferença e repetição. Ed Graal, pgs. 236-37

Apologia do giz

Se criticar é fácil, criticar uma escola é mais fácil ainda. A escola é um ninho de contradições. Muitos dizem, por exemplo "Ih, essa escola ainda está no século 19, ainda usam giz e lousa."

Bem, em primeiro lugar, precisamos ter mais respeito com o século XIX. Mas a questão aqui é outra. É a modernização do ensino, a melhora, o upgrade, o "plus", o novo, o "mais evoluído". É a briga do datashow contra o giz. De hollywood contra o contador de estória.

Vou admitir aqui, publicamente, sem vergonha alguma: sou um usuário de giz. Completamente viciado. Não consigo entrar em uma aula sem aquela caixinha de bastões coloridos com um pedaço de carpete na tampa. Nada contra os computadores, muito pelo contrário, eles são ótimos. Fazem de tudo, se você ensinar direito.

E é essa justamente a vantagem do giz. Ele não precisa que você ensine nada. Está lá, livre em sua simplicidade, pronto para responder a qualquer idéia maluca que venha do professor ou dos alunos. Ou uma dúvida mais complexa, um comentário interessante. O giz é a prova de que estamos realmente vivendo uma vida, interagindo com as pessoas, e não fazendo download em massa de conteúdos para um vestibular platônico.

Algumas lousas, é verdade, atrapalham o poder esclarecedor do giz, quando são ruins de escrever ou apagar. Algumas mãos também podem atrapalhá-lo. Mas isto não por incapacidade, mas por falta de respeito. Não se pode tratar o giz como uma caneta ou pedaço de carvão. Precisamos usá-lo como um pintor faz com o pincel, com precisão, sabedoria, intuição, criando uma pequena realidade para que alguns olhos a vejam. Com este simples bastão de gesso, a cultura pode ser criada ao vivo, na frente dos alunos, interagindo de fato com eles.

Um giz não pode ser confundido com uma máquina de xeróx, fazendo cópia de coisas que já estavam no papel. Isto é um completo desrespeito à sua natureza. O giz é a antítese da máquina de xeróx. Ele é o aqui e o agora, o efêmero, o registro escrito do tempo de uma aula. O xeróx é a cópia, o igual. Se diz que o professor de escola pública usa muito o giz como se fosse xeróx. Não sei se é realmente o caso, mas de qualquer forma precisamos antes nos perguntar. O professor de escola pública pode tirar xeróx? Como isso acontece na prática?

Bem, se o giz não é xeróx nem hollywood, todo seu poder criativo vem da mão que o segura. E esta é sua grande qualidade. Por trás de um giz que é usado como giz, há um ser humano que continua se esforçando para ser humano.

Tipos de professor que todos conhecem

  • Todo curso tem que ter um professor chato. Ninguém gosta dele. Normalmente é o cara que no final todo mundo tem que admitir que aprendeu muito com ele.
  • Tem professor que o cara é simplesmente um artista. Dá aula como se estivesse representando uma peça de Shakespeare;
  • Tem aqueles professores atualizados, que sabem de tudo e passam a aula inteira falando do que viu, conclusão, informação sim e matéria não.
  • Tem aquele antigo o famoso dinossauro. Saudosista, fica toda hora citando casos da época que vc nem havia nascido e achando que vc está interessado
  • Tem aquele maluco, toda escola tem pelo menos um. O cara é doidão,mas é muito inteligente. Quase sempre é o professor + popular entre os alunos.
  • Tem uns que vivem fazendo piada sem graça durante a aula. Até p/ te reprovar ele tem uma piada na manga: “Eu falei p/ estudar e ñ estudou…se ferrou!"
  • E o professor aluno: Olha pessoal, eu não estou aqui p/ ensinar. Estou aqui p/aprender com vocês!?
    Aí você pensa: Então vou querer uma parte do seu salário!

sábado, 9 de julho de 2011

Diretor e coordenador: aliança pela qualidade

Em todas as regiões do Brasil, diretores e coordenadores pedagógicos dizem cultivar uma relação harmoniosa e propícia ao bom desenvolvimento das atividades escolares. Essa é uma das conclusões da pesquisa O Coordenador Pedagógico e a Formação de Professores: Intenções, Tensões e Contradições, encomendada pela Fundação Victor Civita (FVC) à Fundação Carlos Chagas (FCC). Contudo, uma das ações mais importantes para que a escola cumpra seu papel de ensinar a todos com qualidade - a formação continuada de professores - ainda necessita de mais atenção por parte da dupla gestora. "Apesar de cada um pensar a gestão sob diferentes perspectivas, ambos têm de compreender que são responsáveis por um mesmo objetivo, que é a aprendizagem", afirma Maura Barbosa, consultora de GESTÃO ESCOLAR.

Para afinar os ponteiros e avançar rumo a esse horizonte comum, é preciso que a direção garanta as condições básicas para a formação continuada (confira no check-list se a escola oferece boa infraestrutura para o coordenador realizar o seu trabalho). Uma delas é a reunião periódica que deve acontecer entre os gestores. O ideal é que os encontros sejam semanais e que aconteçam em um ambiente tranquilo. "Conversar com pressa, em pé, na porta da diretoria, não resolve nada. O ritual dos encontros deve ser encarado com profissionalismo, do começo ao fim. Afinal, trata-se de um momento de tomada de decisões", alerta Maura.

O primeiro passo é estabelecer o cronograma de trabalho e depois pensar nas pautas das reuniões. Não podem ficar de fora temas como: aprendizagem, as demandas dos professores para que possam ensinar melhor, a movimentação dos alunos, os assuntos que devem ser levados ao conselho escolar, o planejamento e o acompanhamento dos projetos institucionais, a condução das reuniões de pais, os formatos escolhidos para divulgar interna e externamente o trabalho da escola e prestar contas à comunidade e as semanas de planejamento e avaliação.

É natural que os aspectos abordados estejam mais ou menos relacionados à atuação de cada um. Torna-se fundamental, portanto, que ambos levem para a discussão todos os elementos que estiverem sob sua alçada. O diretor, por exemplo, pode tabular os números da movimentação escolar (matrículas, frequência, evasão, repetência e distorção idade-série) e compartilhá-los com o coordenador. Já quem trabalha na coordenação costuma estar mais por dentro das questões didáticas e é interessante compartilhar resultados, problemas e dúvidas com a direção.

Coordenador pedagógico: um profissional em busca de identidade

Em algumas redes de ensino, ele é chamado de orientador, supervisor ou, simplesmente, pedagogo. Em outras, de coordenador pedagógico, que é como GESTÃO ESCOLAR sempre se refere ao profissional responsável pela formação da equipe docente nas escolas. Nas unidades que contam com sua presença, ele faz parte da equipe gestora e é o braço direito do diretor. Num passado não muito remoto, essa figura nem sequer existia. Começou a aparecer nos quadros das Secretarias de Educação quando os responsáveis pelas políticas públicas perceberam que a aprendizagem dos alunos depende diretamente da maneira como o professor ensina.

Diante desse cenário, a Fundação Victor Civita (FVC) decidiu descobrir quem é e o que pensa esse personagem relativamente novo no cenário educacional brasileiro, escolhendo-o como tema de uma pesquisa intitulada O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada de Professores: Intenções, Tensões e Contradições. Realizado pela Fundação Carlos Chagas (FCC), sob a supervisão de Cláudia Davis, o estudo teve a coordenação de Vera Maria Nigro de Souza Placco e de Laurinda Ramalho de Almeida, ambas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e de Vera Lúcia Trevisan de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Graças a ela, fizemos esta edição especial, com reportagens e seções tratando de temas relativos à coordenação pedagógica.

Uma das principais conclusões da pesquisa é que, apesar de ser um educador com experiência, inclusive na função(saiba mais sobre o perfil desse profissional no quadro abaixo), ainda lhe faltam identidade e segurança para realizar um bom trabalho. Ele se sente muito importante no processo educacional, mas não sabe ao certo como agir na escola frente às demandas e mostra isso por meio de algumas contradições: ao mesmo tempo em que afirma que sua atuação pode contribuir para o aprendizado dos alunos e para a melhoria do trabalho dos professores, não percebe quanto isso faz diferença nos resultados finais da aprendizagem (veja mais no quadro da próxima página). "A identidade profissional se constrói nas relações de trabalho. Ela se constitui na soma da imagem que o profissional tem de si mesmo, das tarefas que toma para si no dia a dia e das expectativas que as outras pessoas com as quais se relaciona têm acerca de seu desempenho", afirma Vera Placco.

O que é Síndrome de Down?

A Síndrome de Down é definida por uma alteração genética caracterizada pela presença de um terceiro cromossomo de número 21, o que também é chamado de trissomia do 21. Trata-se de uma deficiência caracterizada pelo funcionamento intelectual inferior à média, que se manifesta antes dos 18 anos. Além do déficit cognitivo e da dificuldade de comunicação, a pessoa com Síndrome de Down apresenta redução do tônus muscular, cientificamente chamada de hipotonia. Também são comuns problemas na coluna, na tireoide, nos olhos e no aparelho digestivo. Muitas vezes, a criança com essa deficiência nasce com anomalias cardíacas, solucionáveis com cirurgias.

A origem da Síndrome de Down é de difícil identificação e engloba fatores genéticos e ambientais. As causas são inúmeras e complexas, envolvendo fatores pré, peri e pós-natais.

A Síndrome de Down na sala de aula

A primeira regra para a inclusão de crianças com Down é a repetição das orientações em sala de aula para que o estudante possa compreendê-las. "Ele demora um pouco mais para entender", afirma Mônica Leone Garcia, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. O desempenho melhora quando as instruções são visuais. Por isso, é importante reforçar comandos e solicitações com modelos que ele possa ver, de preferência com ilustrações grandes e chamativas, com cores e símbolos de fácil compreensão.

A linguagem verbal, por sua vez, deve ser simples. Uma dificuldade de quem tem a síndrome, em geral, é cumprir regras. "Muitas famílias não repreendem o filho quando ele faz algo errado, como morder e pegar objetos que não lhe pertencem", diz Mônica. Não faça isso. O ideal é adotar o mesmo tratamento dispensado aos demais. "Eles têm de cumprir regras e fazer o que os outros fazem. Se não conseguem ficar o tempo todo em sala, estabeleça combinados, mas não seja permissivo."

Mantenha as atividades no nível das capacidades da criança, com desafios gradativos. Isso aumenta o sucesso na realização dos trabalhos. Planeje pausas entre as atividades. O esforço para desenvolver atividades que envolvam funções cognitivas é muito grande. Às vezes, o cansaço da criança faz com que as atividades pareçam missões impossíveis. Valorize sempre o empenho e a produção. Quando se sente isolada do grupo e com pouca importância no trabalho e na rotina escolares, a criança adota atitudes reativas, como desinteresse, descumprimento de regras e provocações.

Dia Internacional da Síndrome de Down

Em 2006, a associação Down Syndrome International instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional da Síndrome de Down. A data foi escolhida por ser grafada como 21/3, que faz alusão à trissomia do cromossomo 21.

sábado, 2 de julho de 2011

‘Eu, particularmente’ é uma expressão redundante?

“Tenho uma implicância terrível com a expressão ‘eu, particularmente’, que muitos usam em entrevistas televisadas para expressar opinião sobre determinado tema. Esta é uma expressão aceita na nossa linguagem? (Giselda de Sales Bicalho)

“Ouço algumas pessoas, principalmente quando vão dar opinião sobre um assunto qualquer, iniciarem a frase assim: ‘Eu, pessoalmente, acho que…’ ou ‘ Eu, particularmente, acho que…’. Gostaria de saber se tal construção configura uma redundância. Pois acho que se é minha opinião, só pode ser pessoal ou particular, dispensando então o ‘pessoalmente’ ou ‘particularmente’.” (Miguel Gomes)

A implicância de Miguel e Giselda é compreensível: andam sem dúvida abusando da expressão “eu, particularmente (ou pessoalmente)”. No entanto, eu (particularmente?) não condenaria essa construção de modo sumário como mero vício de linguagem e redundância sem sentido. Dependendo do contexto, ela pode ser funcional.

Trata-se de uma introdução que estabelece um segundo nível de opinião, mais pessoal, contra outro que se poderia chamar de público. Quem diz “eu, particularmente, sempre dirigi muito bem depois de tomar dois chopes” pode, sem cair em contradição, emendar: “Mas apoio inteiramente a Lei Seca”. Da mesma forma, o deputado que defende o apoio de toda a bancada a alguma posição tomada por seu partido pode acrescentar que, “particularmente”, pensa um pouco diferente, mas considera a lealdade um valor maior.

São apenas dois exemplos. A vida é cheia de situações assim. Isso não quer dizer que todas as ocorrências de “eu, particularmente” sejam tão bem fundamentadas. Pelo contrário: o fato de dois leitores terem aparecido aqui com a mesma dúvida prova que a expressão se tornou, no mínimo, um modismo. É aí que reside o verdadeiro risco, a meu ver: menos numa possível redundância do que na repetição irrefletida de clichês, um pecado a que todos estamos sujeitos.

O que o picareta tem a ver com a picareta?

A pergunta acima tem mais de uma resposta. Se dermos crédito ao etimologista brasileiro Silveira Bueno, o único em quem encontrei uma tese sobre o assunto, a relação é simples: o picareta teria vindo diretamente da picareta, por sentido figurado. Em outras palavras, a acepção de “pessoa embusteira, aproveitadora, que recorre a expedientes acanalhados para se dar bem”, um brasileirismo consagrado mas de datação imprecisa, seria uma extensão do primeiro sentido da palavra, existente na língua portuguesa desde o século 16 – o de “instrumento próprio para cavar a terra e revolver pedras”. E como se chegou a isso? Por metáfora, é o palpite de Bueno, que se baseia na ideia de que o picareta “em tudo mete a cara para cavar dinheiro, emprego”. O picareta seria então o cavador. Ponto final?

Não. A segunda resposta possível à pergunta do título é um pouco menos simples, mas talvez mais completa. Embora esteja fora de questão que o picareta (enganador) é uma extensão de sentido do vocábulo picareta (instrumento), a hipótese que lanço aqui é a de que essa ampliação semântica não se deu por metáfora e sim por influência da palavra pícaro, que quer dizer justamente “ardiloso, trapaceiro, velhaco”. Hoje de uso restrito aos estudos literários, o pícaro ou personagem picaresco (termos do século 17) já gozou na linguagem comum de uma circulação proporcional à do gênero de literatura popular que representava. E é um sinônimo praticamente perfeito de picareta.

Uma curiosidade adicional é que, embora pícaro seja considerado por muitos estudiosos uma palavra de origem obscura, há quem acredite que o espanhol, de onde a importamos, a retirou da mesma matriz de onde saiu a picareta: o verbo picar.

sábado, 14 de maio de 2011

Tema proibido

A escola, tradicionalmente, sempre deu as costas à sexualidade. Nas aulas de Biologia, o conteúdo sobre a anatomia e o funcionamento do aparelho reprodutor era e ainda é oferecido aos alunos de modo mecanicista e absolutamente desvinculado da sexualidade e de seu contexto sociocultural.

Acontece que, nessa mesma escola, há alunos, há professores, há um grande contingente de pessoas que trabalham nas mais diferentes áreas, que se relacionam e que passam várias horas do dia lá e, portanto, a sexualidade se faz presente, quer a escola queira, quer não. Ela faz barulho, ela se faz visível, ela incomoda e, mesmo assim, muitas escolas preferiam fazer silêncio a respeito. Mas nunca conseguiu.

Toda escola tem princípios ou regras – estas em número muito maior – que, de modo direto ou indireto, envolvem a sexualidade. O tipo de roupa que a escola aceita ou veta, as permissões ou as proibições a respeito do relacionamento físico entre alunos e seus pares, alunos e professores e professores e seus pares, por exemplo, retratam uma concepção de sexualidade que a escola aceita, tolera ou repudia. Isso significa, portanto, que, no chamado currículo oculto escolar, a sexualidade está presente inclusive na forma educativa – ou melhor, deseducativa.

Entretanto, a partir de 1998, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que colocam a sexualidade como um tema transversal, esta passou a fazer parte do conhecimento que, necessariamente, a escola precisa reconhecer e trabalhar.

Sabemos, porém, que na prática pouca coisa mudou desde então, de modo geral. Mais do que esse documento oficial, foi e é principalmente o corpo discente o maior responsável pela invasão da escola pela sexualidade.

Crianças e jovens, hiperexcitados por uma sociedade que quase tudo erotiza, trazem para dentro da escola músicas cujas letras e coreografias tratam o sexo de modo grosseiro, um vestuário sedutor e, principalmente, um linguajar e um comportamento que remetem diretamente à sexualidade.

Paralelamente, o mundo foi se transformando para aceitar a diversidade em todos os setores, inclusive na sexualidade, e, desse modo, a homossexualidade deixou de ser considerada um comportamento desviante e passou inicialmente a ser tolerada e progressivamente a ser aceita, não sem relutância ou resistências, é bom ressaltar.

E a escola, um pequeno retrato da sociedade, teve de passar a encarar o tema mesmo sem querer, mesmo sem saber como. É que é no espaço escolar que os adolescentes vivem boa parte de seu tempo no encontro com seus pares e é nesse momento da vida que a sexualidade deles explode, floresce. E claro que, com a maior aceitação social da diversidade sexual, muitos jovens que descobrem que sua orientação é homoerótica não se “trancam no armário”.

O preconceito contra a homossexualidade, apesar das mudanças sociais em curso, permanece. Ele se expressa ora de forma hostil, agressiva e violenta, ora de modo velado e modificado. E como preconceito se combate com a educação, não há como a escola se esquivar mais: ela precisa honrar seu papel social, cultural e de vocação humanista.

Agora, mais do que em qualquer outro tempo, a escola precisa levar a sério a sexualidade como tema transversal. Isso significa reconhecer que o assunto faz e deve fazer parte de seu currículo e, sempre pelo viés do conhecimento sistematizado já construído, deve ser planejado e contemplado com todo o alunado.

E não se trata de reproduzir, como tem sido feito com raras exceções, ideias cristalizadas, estereotipadas e preconceituosas a respeito do tema em geral e, especificamente, da homossexualidade. Trata-se, sim, de abordar o assunto com a propriedade de quem tem como função transmitir o conhecimento.

Para isso é preciso, em primeiro lugar, que a equipe escolar discuta o assunto abertamente e em conjunto. Sim, porque essa é a única maneira de assegurar aos alunos um trabalho coerente e crítico, assim como a construção dos princípios que nortearão o projeto político pedagógico de cada unidade escolar especificamente em relação à sexualidade e à educação sexual que quer colocar em curso.

Em segundo lugar, é preciso que cada escola providencie a formação necessária dos professores, orientadores, coordenadores e demais funcionários em relação ao tema. É bom lembrar que não bastam boas intenções para esse trabalho: é preciso estudo, consciência crítica e preparo para saber deixar de lado as posições pessoais, que todo mundo tem o direito a ter, no momento da ação educativa no espaço escolar.

Em terceiro lugar, a escola precisa constantemente lembrar que seu trabalho é com os alunos e não com os pais deles. São os mais novos que precisam de ajuda para crescer, se desenvolver e amadurecer e, desse modo, conseguir fazer escolhas próprias, com autonomia, mesmo que isso signifique ser diferente do que sua família quer e/ou espera. A escola tem feito muita confusão nesse sentido, já que tem escolhido tratar de questões delicadas dos alunos com os pais deles e não com os próprios.

Apesar da boa intenção dessa atitude, muitas crianças e adolescentes sofrem sérias consequências quando seus pais têm conhecimento, pela escola, de alguns comportamentos e atitudes dos filhos. Não são poucas as famílias que os castigam severamente nessas situações.

A escola pode oferecer alguma colaboração aos pais que, por exemplo, têm e sabem que têm filhos homossexuais. Trazer pessoas com expertise no tema, de preferência de fora da escola, para conversar com os pais a respeito de suas angústias e de seus receios e, principalmente, oferecer o espaço escolar para que os pais se reúnam e troquem experiências a respeito da educação familiar têm sido iniciativas de algumas escolas com bom aproveitamento. Entretanto, a escola assumir o papel de tentar educar os pais de seus alunos é gasto de tempo e de trabalho equivocado, já que o foco da escola são os mais novos.

Finalmente, num mundo em que a fronteira entre vida social e intimidade está desaparecendo, é importante que a escola forneça aos alunos a possibilidade de saber diferenciar a vida pública da vida privada, já que essa é uma importante condição do desenvolvimento saudável da sexualidade.

Utópicos sim, por favor

O senhor que entrou na sala da sede do Itaú Cultural vestindo uma camisa listrada, para -receber a equipe de Carta -Fundamental, tem ideias muito diferentes de educação em relação ao que estamos acostumados a ver e ouvir. Normalmente é chamado de utópico, mas para ele isso é um elogio. “Adoro ouvir isso, é apaixonante tentar uma educação diferente em um mundo baseado em mentiras”, afirma. O educador espanhol César Muñoz Jiménez, consultor internacional em infância e juventude e referência na União Europeia, esteve no Brasil para uma série de palestras e eventos do Itaú Cultural em abril. Sua especialidade, a educação integral, refere-se ao sentido amplo de integralidade, que esboça todas as frentes psicológicas do ser humano, e não simplesmente à aula que ocorre o dia todo. Nesta conversa, César Muñoz falou sobre sua teoria da Pedagogia do Cotidiano e das experiências que teve como consultor dos sistemas de ensino municipais de São Paulo (SP) e Fortaleza (CE). E elogia muito a educação infantil de Porto Alegre (RS).

Carta Fundamental: Há várias definições sobre educação integral. Como o senhor compreende esse termo?
César Muñoz Jiménez:
Em primeiro lugar, penso ser necessário separar os conceitos. Há a “educação” e há o “integral”. Entende-se por educação, na cultura dominante internacional, o “conduzir o outro”. E eu não estou de acordo com ele. Para mim, a educação tem de ser um sério jogo de sedução, amor e paixão. Dizer isso nesses termos é polêmico, mas sempre tive a clara ideia de provocar. A criança jamais vai gostar da aula se não se sente querida, seduzida. Se o ato de educar refere-se apenas a uma simples transmissão de conhecimento, sem haver sentimento, não quer dizer muita coisa. Este seria um primeiro conceito de educação.

CF: E quais seriam os outros?
CMJ:
Há vários, que também não fazem muito sentido. Dizem, por exemplo, que educação é convencer o outro para que ele entenda o que se está dizendo. Há o espaço em que só há uma voz, o professor fala e os estudantes ouvem. Para mim, o fundamental para um educador é saber captar o murmúrio do aluno para entender o que se passa com ele. Os profissionais estão acostumados com o que impõe a cultura dominante, de que existem dois pilares para se educar: a palavra e a conduta.

CF: E o que seria a junção com o “integral”?
CMJ:
Por educação integral entenda-se aquela que procura discorrer sobre todas as particularidades que os seres humanos possuem. Seria a educação em sua integralidade, cuidando do corpo, da mente, dos sentimentos, dos desejos. Fazer a criança se manifestar. Se basearmos nossa educação exclusivamente na palavra e na conduta da criança, deixamos muita coisa de lado, gerando deturpações. Professores classificam como estudante inteligente aquele que fala bem na aula e tem boa conduta. Mas, antes da linguagem, há expressões mais autênticas que permitem captar o murmúrio do corpo. É tarefa do professor conectar a linguagem ao sentimento, entender como as crianças pensam, como relacionam a vida delas à aula, como se comportam com um imprevisto – muito se conhece de uma pessoa através da maneira como ela se comporta em uma situação não planejada. Acontece que, ao se explorarem somente a palavra e a conduta, a criança cria artifícios para se adaptar àquilo, criando uma rede de mentiras, que, hoje, é o caminho para ser adulto em nossa sociedade.

CF: O que o senhor define exatamente como “rede de mentiras”?
CMJ:
Funciona assim: um ser humano que não se sente compreendido tende a não dizer o que sente. Ele vai atuar como gostariam que ele atuasse, vai dizer o que o professor gostaria de ouvir, para não haver conflitos. Um ser humano criado sob esse prisma falso não pode ser bem educado, não vai poder chegar nunca a uma educação integral. Não estou esperando que uma criança invente a pólvora em sala de aula, claro, mas é possível explorar sua criatividade. Se uma criança que não costuma prestar atenção à aula, de repente, quando o professor aborda determinado assunto, se vira a ele e fica fascinada com aquilo, é sinal de que o professor deve trabalhar aquilo. Foi um sinal de que a paixão pode ser despertada, é uma mudança importante.

CF: E onde entra o aspecto da bagagem cultural na educação?
CMJ:
É um dos pontos que fazem parte de uma educação em sua integralidade. Dei cursos em uma escola de língua espanhola no Marrocos. A maioria dos professores era de origem espanhola, e a dos alunos, marroquina. Quando organizávamos atividades, essas eram baseadas na cultura espanhola/ocidental. Havia então um choque de culturas, não era produtivo para os estudantes. Portanto, os educadores que não se introduzem na cultura das pessoas com quem dialogam não podem ensinar corretamente. Na Catalunha, há a cultura de se falar catalão, mesmo os que chegam, e lá há muitos marroquinos. Imagine se um marroquino chega em Barcelona e diz: “Falar catalão não interessa à minha cultura”. Fica difícil se adaptar. É necessário entender como falam e como se comportam esses estudantes.

CF: Ou seja, não teremos uma pessoa completamente desenvolvida porque a escola hoje não desenvolve todas as particularidades do ser humano?
CMJ:
Exatamente. São três os espaços reguladores da vida humana no mundo ocidental: as famílias, os espaços educativos e os partidos políticos. É claro que há exceções, mas, no geral, é uma rede de mentiras potentes. A primeira é a palavra “infância”, que vem do latim infans, que é “aquele que não fala”. Mas crianças pequenas podem falar coisas muito interessantes. Outra mentira: infância e adolescência são idades de transição. Todas as idades são de transição, pois estamos todos envelhecendo e mudando sempre. É uma soma de mentiras que continua na idade adulta. Nela somos pacientes, consumidores, usuários, nunca colaboradores, cidadãos. Então surge uma soma de não credibilidades: os adultos não creem na infância, as crianças não creem nos adultos. A grande reação disso é que os infanto-juvenis não creem neles mesmos, e que apenas estão na sala de espera para serem adultos. E os adultos estão na sala de espera da morte. Quando chegarem a adultos, vão também reproduzir esse sistema com seus filhos e seus estudantes. São os erros de uma civilização adultocêntrica.

CF: O que é exatamente a pedagogia do cotidiano?
CMJ:
Esse termo refere-se ao fato de que a educação é muito relacionada com os pequenos elementos da vida cotidiana. Para a cultura dominante, o trivial não é importante. É como se a vida fosse feita só de momentos importantes, quando na realidade é o contrário. Por exemplo, não se pode viver a cada dia uma grande paixão. Seria insuportável. Tenho um sistema para saber se um educador é bom ou não: peço para ele me falar de uma criança qualquer para a qual ele dá aula. Se ele disser “esse é agressivo”, não está correto. O bom educador é o que diz “essa criança está feliz, mas está dissimulando, porque, no mundo, ri para dissimular a tristeza que está dentro dela”. Mais que a palavra, a pedagogia do cotidiano é a atitude e o sentimento que estão junto das pequenas coisas.

CF: E a partir disso, como seria a escola que tenta englobar tudo isso?
CMJ:
Essa escola precisa de profissionais que saibam sentir, não só escrever e falar. Têm de fazer a soma de sentimentos, a começar pelo respeito pela infância, coisa que não terão se não acreditam que a infância tem, além de direitos e deveres, capacidade para criar. O professor também precisa ter um sentimento de docência, já que a aula está construída em função da criança. Quando a criança é respeitada, que tem alguém que entende seus sentimentos, ela se sente conectada a tudo aquilo. Quando participa, ela diz: “Isso é meu, faz parte da minha vida”. Isso, sim, vai fazer da educação dela uma atividade bem-sucedida.

CF: Existem exemplos desse tipo de educação integral que o senhor considera bem-sucedidos?
CMJ:
Há conjuntos de escolas muito bem estruturadas na Espanha e na Itália. Nesta última, na pequena cidade de Reggio Emilia, perto de Milão, através do pedagogo Loris Malagutti. Na Espanha, existe um conjunto de escolas acima da média em toda a Catalunha, que foca na sensibilidade. A qualidade das escolas municipais de zero a 3 anos é muito boa.

CF: Essa visão da educação com a participação total da criança não parece um tanto utópica?
CMJ:
A educação integral é, sim, uma grande utopia, e temos como entendê-la não como algo impossível, mas como um objetivo a ser alcançado. Dizem muito que sou utópico, e eu respondo: “Obrigado!” É apaixonante tentar uma educação nesses moldes em um mundo baseado em mentiras.

CF: O senhor já teve experiências de orçamento participativo no Brasil, nas prefeituras de Fortaleza e São Paulo. Como avaliar a educação nessas cidades?
CMJ:
Fiz parte do projeto de orçamento participativo nessas capitais. Houve em Porto Alegre também, mas eu não estava lá. Eram projetos com ideais muito claros que entendiam não poder haver processo sério se não fosse acompanhado de muita formação e informação das pessoas e sensibilização dos adultos, políticos e professores. Isso é diferente do que acontece, por exemplo, na Europa. Quando lá me perguntam onde vejo capacidade para melhorar a educação de maneira participativa, sempre me refiro à América do Sul, não por lá. A informalidade brasileira ajuda a participar mais.

CF: Podemos dizer, então, que, apesar de tudo, o Brasil tem boas experiências educacionais a ser mostradas lá fora?
CMJ:
Na Europa, comenta-se muito sobre a experiência educacional de Porto Alegre. Aquilo foi um exemplo no qual a cidadania é realmente potente. É uma cidade referência em participação da população na educação, sobretudo de zero a 3 anos. E a cidade também está marcada pela experiência do Fórum Social Mundial. Quando digo a amigos que vou ao Brasil, eles se empolgam e se lembram da experiência porto-alegrense.