sábado, 25 de fevereiro de 2012

Risco das ilusões

Por Cristovam Buarque

Mais do que o usual, os economistas se dividem diante das alternativas a serem seguidas pela Grécia: uns defendem austeridade reduzindo gastos do setor público para reencontrar o equilíbrio fiscal e retomar o crescimento; outros defendem exatamente o contrário, mais gastos públicos como forma de incentivar o crescimento na economia, para depois elevar a receita e equilibrar as finanças.

Mas faltou unanimidade na percepção de que a crise poderia ter sido evitada se a economia não tivesse criado ilusões. A ilusão do Euro, que dava ao consumidor um poder de compra muito acima da real possibilidade da economia; a ilusão do dinheiro fácil, que vinha dos bancos para financiar gastos como se eles não fossem ser exigidos de volta com juros; e a ilusão criada pelo governo que se endividava para pagar gastos correntes, sem retorno produtivo. Durante alguns anos essas ilusões de riqueza funcionaram, escondendo a realidade de uma economia pobre, sem competitividade, nem investimentos.

Quem não lembra dos argentinos comprando o litoral catarinense, depois os espanhóis e portugueses comprando as praias do Nordeste. Todos esses países depois entraram em crises parecidas.

A discussão, portanto, não deve se resumir a se é preciso austeridade ou elevação de gastos públicos, mas se a austeridade que está vindo é tardia ou não, se não teria havido um caminho capaz de combinar austeridade nos gastos correntes com a elevação nos gastos em investimentos produtivos e sociais. Um keynesianismo produtivo e social, como vem sendo defendido há alguns anos.

Quando se descobre que uma economia está funcionando na base de ilusões, ela desmorona, como as famosas pirâmides financeiras, hoje chamadas de bolhas, que encantam ingênuos e até enriquecem os que às criaram, apropriando-se do dinheiro dos que vêm depois. Mas, a simples austeridade – demitindo servidores, parando obras, desarticulando escolas e hospitais – não vai dar o resultado que se espera. O custo social que ela cria é insustentável moral e politicamente, e provavelmente não resistirá além das próximas eleições de abril, na Grécia. Entre políticos responsáveis e insensíveis à miséria, e os demagogos que prometem ilusões, os eleitores votarão pela ilusão. E a crise política agravará ainda mais a situação, até o dia em que a própria democracia desmorone e um regime autoritário, embora dentro de certo marco legal, imporá as saídas necessárias.

Para evitar este dilema maldito, entre a ilusão insustentável e o custo social inaceitável, as saídas deverão combinar austeridade – suspendendo gastos supérfluos, taxando rendas elevadas, reduzindo consumo desnecessário -, ao mesmo tempo mantendo empregos, ainda que reduzindo salários elevados e jornada de trabalho, mantendo os serviços públicos, reorientando gastos públicos para investimento, inclusive na educação, ciência e tecnologia para criar competitividade. Ao lado disso, seria necessária uma "moratória consentida" de pelo menos parte da dívida pelos credores e a redução interna de preços como uma forma de desvalorização sem sair do Euro.

Esta visão de Austeridade-com-Investimentos pode ser uma lição para o Brasil. Todos os países hoje em crise passaram por períodos com a mesma euforia ilusória. Se eles tivessem, no momento certo, eliminado as ilusões e feito as devidas correções de rumo, não estariam na crise da qual a Grécia é apenas o símbolo pelo tamanho de sua tragédia. Estamos passando por ilusões assemelhadas: moeda supervalorizada, Estado perdulário, financiamentos alavancados superficialmente, rendas elevadas para uma minoria, consumo aquecido, baixa poupança e investimentos, substanciais compras de bens e serviços importados que desindustrializam o país.

Os países em crise não aprenderam com as crises anteriores, como a Argentina há dez anos, e apresentam quadro ilusório parecido: euforia da moeda vinculada ao Dólar, como a Grécia fez ao entrar no Euro; gastos elevados com Copa do Mundo em Buenos Aires e as Olimpíadas em Atenas. Não podemos deixar de enxergar que uma parte de nossa economia está sob efeito de ilusões, na linha do que diz o texto “A economia está bem, mas não vai bem", que pode ser acessada no endereço eletrônico http://bit.ly/wVUR0j. Precisamos fazer hoje os ajustes que a Grécia e a Argentina não fizeram no momento certo, quando preferiram o risco das ilusões.

*Cristovam Buarque é professor da UnB e senador do PDT-DF

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mundo melhor para quem?

Por Cláudia Werneck

Quem sabe no II Fórum Social Mundial pessoas com deficiências diversas tenham desaparecido da face terrestre. Como esta é uma proposta absurda, sugiro à comissão organizadora do Encontro trabalhar desde já para que indivíduos cegos, surdos, com deficiências física, motora e mental possam participar e se beneficiar dele. Só assim o II Fórum Social Mundial será um local de congraçamento universal de gerações humanas.
Estive no I Fórum Social, em Porto Alegre, participando de uma oficina. Por dois dias circulei pelo Centro de Eventos da PUC do Rio Grande do Sul, passeei pelos stands, conversei com integrantes do Fórum e organizadores constatando, mais uma vez, o quanto ainda estamos distantes de ultrapassar a fase de "respeitar os deficientes", passando finalmente a tomar decisões e adotar práticas para incluí-los no nosso dia a dia.
Neste I Fórum, pessoas surdas ficaram impossibilitadas de acompanhar conferências e se expressar nas oficinas. Não foram contratados intérpretes da língua brasileira de sinais, nem da língua espanhola de sinais, nem da língua inglesa de sinais, por exemplo. Quanto aos cadeirantes, havia vasos sanitários adaptados, sim, mas após usá-los os usuários não tinham como lavar as mãos sem ajuda, porque as pias dos banheiros (pelo menos dos que entrei) eram apoiadas em armários que impediam a aproximação das cadeiras. Notei ainda a ausência da programação em braile para que jovens e adultos cegos pudessem escolher e acompanhar os eixos temáticos.
Enfrentar o desafio da acessibilidade deve ser uma preocupação da comissão organizadora do próximo Fórum por, no mínimo, cinco razões: a) Vi o interesse público pela proposta do Fórum; b) É necessário que cada vez mais pessoas dispostas a se doar por um mundo melhor estejam reunidas em 2002; b) É básico garantir a todas as condições humanas - e não apenas a algumas - o acesso às reflexões propostas pelo Fórum; c) É coerente que num encontro onde se brada por inclusão social, fiquemos atentos às necessidades do próximo, de qualquer próximo, não necessariamente dos próximos sob risco social (só assim ficaremos à vontade para argumentar com os opositores do Fórum); d) É hora de cumprirmos as Leis que penalizam instituições ou indivíduos que impeçam o acesso e a permanência de cidadãos com deficiência nos ambientes públicos. A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, explicita a responsabilidade do poder público em relação à pessoa com deficiência e dispõe sobre a criminalização do preconceito, com pena de 1 a 4 anos de reclusão.
Não se muda mentalidade por força da lei. Mas, se punidos, os organizadores do Fórum não estariam sozinhos. Inexistem no mundo celas suficientes para conter tanta gente, tamanha é a freqüência com que violamos, diariamente, os direitos de humanos com deficiências e doenças crônicas. Eu mesma, que desde 1992 milito e escrevo artigos e livros sobre sociedade inclusiva e inclusão de grupos vulneráveis na sociedade, participando de movimentos nacionais e internacionais defensores do tema, talvez fosse a primeira a ser encarcerada.
Há uns 15 dias surpreendi-me com o tamanho da minha incoerência. Pego meus cartões de visita e o que leio? Nome, endereço, telefone, profissão, e-mail, tudo escrito apenas em português! Informações ininteligíveis para quem é cego ou tem visão subnormal. Bem, já providenciei cartões de visita em braile que também terão meus dados em letras maiores, para quem não chega a ser cego mas não enxerga bem. Desnecessário? Deixemos a idade avançar e talvez entendamos melhor o que significa acordar e dormir em um mundo inadequado às nossas necessidades básicas.
É absurdo propor inclusão social sem exercitar a inclusão humana. Insistindo em pular esta etapa, que nos remete a reflexões da ética do indivíduo para com sua própria espécie, reflexões estas consideradas menores por grande parte dos sociólogos, filósofos, jornalistas, educadores, governantes - brasileiros e não-brasileiros - etc, jamais construiremos um mundo melhor. Ir ao banheiro com conforto e ter sua intimidade preservada neste momento pode ser tão revolucionário quanto ter voz nas plenárias.
Faço aqui uma chamada para que entidades do Terceiro Setor, como o Instituto Pró-Sociedade Inclusiva, do qual faço parte, e que se coloca à disposição do Fórum Social Mundial, neste momento, mobilizem-se para colaborar com a organização do próximo Fórum no que diz respeito a acessibilidade de participantes com comprometimentos humanos diversos.


Claudia Werneck é reconhecida como "Jornalista Amiga da Criança" pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância e autora do livro "Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu TODOS?"

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A globalização e seus efeitos

A globalização trouxe principalmente os progressos (desejáveis) nos meios de comunicação, a melhor circulação de pessoas, de mercadorias, de capitais e opções para todos.Todos se beneficiam com a globalização, entretanto o beneficio não é igual para todos. Quanto maior a estruturação da sociedade maior o benefício, quanto menor for a estruturação maior “prejuízo”. Como conseqüência encontramos as desigualdades sociais cada vez mais visíveis.
Para minimizar precisamos de uma estruturação social, política, econômica e financeira, o que encontramos como variável interveniente é a velocidade da globalização frente ao desenvolvimento dos setores citados em cada estrutura social.
A globalização não é uma opção de sociedade, é inevitável, é imposta pela própria evolução de mundo, precisamos ter uma visão um pouco mais ampliada para poder entendê-la.
Poucos conseguem perceber as influências da globalização em todos os níveis de nossas vidas: pessoal, familiar, na cidade/estado ou país. Neste novo contexto sócio-econômico-cultural, a informação passa a ter um papel central, constituindo-se atualmente no maior poder de inter-relação existente, tendo inclusive, suplantado o poder econômico e tecnológico.
O poder da informação se faz através de livros, revistas, jornais especializados, TV a cabo em escala mundial e internet - a qual se quadruplicou em um ano e continua crescendo. A informação duplicando-se, em progressão geométrica, a cada 3 a 5 anos, logo se constituirá em um universo esmagador.
A capacidade de saber onde, como, com quem e a forma mais rápida de adquirir informações, analisá-las e aplicá-las adequadamente será o grande diferencial competitivo.
A globalização não vem trazer soluções para os problemas do mundo, contudo podemos ter a esperança de que alguns problemas sejam resolvidos que é muito diferente de esperar por algo mágico, onipotente e onisciente.
A globalização não se propõe a nada, é apenas uma “fatalidade” que deve ser pensada e compreendida para não sermos pegos de surpresa pelas forças de desestruturação. A própria desestruturação pode ser um fator de progresso, para repensarmos a realidade, mas também de violência e sofrimento humano.
Precisamos estar atentos para não achar que a melhor maneira de enfrentar a globalização seja a unificação, a perda de culturas regionais próprias de cada lugar, como a dissolução das características individuais e particulares, ficaríamos sem nossa história, cultura e identidade! Isto é muito sério. Desta forma a humanidade, em sua história já passou por diversas revoluções e sempre se beneficiou dos seus progressos, o que sabemos é que alguns grupos humanos se beneficiaram mais do que outros.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O que deveria ser a Pedagogia hoje

É preciso refletir sobre o que pode e deve ser a Pedagogia hoje : deve ser, por certo, a ciência que organiza ações, reflexões e pesquisas na direção das principais demandas educacionais brasileiras contemporâneas, com vistas à:

- qualificação da formação de docentes como um projeto político-emancipatório;
- organização do campo de conhecimento sobre a educação, na ótica do pedagógico;
- articulação científica da teoria educacional com prática educativa;
- transformação dos espaços potenciais educacionais em espaços educativos/formadores;
- qualificação do exercício da prática educativa na intencionalidade de diminuir práticas alienantes, injustas e excludentes encaminhando a sociedade para processos humanizatórios , formativos e emancipatórios.

Quando me refiro à formação do cientista educacional, estou me referindo à formação de um profissional :

- com capacidade de mediar um projeto político-educacional em consonância com os pressupostos da sociedade e as demandas presentes na práxis educativa;
- capacitado a ampliar a esfera do educativo dentro das possibilidades educacionais : que organize espaços e ações para pedagogizar o educacional latente na sociedade;
- capaz de organizar, supervisionar e avaliar processos institucionais de forma a transformar a prática educativa mecânica, alienada e técnica, em práxis educativa, comprometida social e politicamente;
- capaz de responsabilizar-se na organização e direção de projetos de formação inicial e contínua dos educadores da sociedade, docentes e não docentes;
- que transforme saberes da prática educativa em saberes pedagógicos, cientificizando o artesanal/intuitivo do fazer da prática em saberes pedagógicos;
- que organize processos de pesquisa de cunho formativo-emancipatório de forma a estruturar as inovações educativas pressentidas como necessárias, a partir das demandas emanadas da práxis;
- que atue como gestor/pesquisador/coordenador de diversos projetos educativos, dentro e fora da escola: pressupondo sua atuação em atividades de lazer comunitário; em espaços pedagógicos nos hospitais e presídios; na formação de pessoas dentro das empresas; que saiba organizar processos de formação de educadores de ONGs; que possa assessorar atividades pedagógicas nos diversos meios de comunicação como TV, rádio, internet, quadrinhos, revistas, editoras, tornando mais pedagógicas campanhas sociais educativas sobre violência, drogas, aids, dengue; que esteja habilitado à criação e elaboração de brinquedos, materiais de auto estudo, programas de educação à distância; que organize, avalie e desenvolva pesquisas educacionais em diversos contextos sociais; que planeje projetos culturais e afins;
- que na escola, seja o mediador de processos administrativos e pedagógicos, quer na gestão, supervisão, orientação, acompanhamento e avaliação de projeto político pedagógico da unidade escolar, bem como estabelecendo e articulando as vinculações da escola com a comunidade e sociedade.
- que seja o organizador privilegiado do campo de conhecimento da Pedagogia e interlocutor preferencial nas articulações e construções coletivas com ciências afins;
- profissional empenhado na busca de respostas à construção de práticas educativas inovadoras que cumpram seu papel social na humanização dos cidadãos;
- integrador dos demais espaços educativos com o espaço escolar na busca de uma nova lógica educacional capaz de reconduzir a representação de ensino como transmissão de informação para concepções que priorizem a articulação dialética entre ser, saber e construir novas configurações de existência;
- profissional enfim, envolvido com a construção da profissionalidade docente, na busca de condições políticas e institucionais favorecedoras de novas e significativas relações sociais desejadas pelo coletivo.