domingo, 14 de abril de 2013

Quem tem medo da avaliação?

Na década de 80, tentar avaliar escolas ou alunos era um ato de guerra. Mas as assombrações foram vencidas na década de 90, com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Provão (que avalia o desempenho nos cursos superiores) e com Estados começando a avaliar. Hoje sabemos quais Estados avançaram, quais travaram ou regrediram. Que reputações eram fictícias e que façanhas permaneciam desconhecidas. O véu da ignorância encolheu. O Provão recompensou os bons cursos com notas A e B. Os descuidados foram punidos com notas ruins e houve uma corrida para melhorar os cursos. Criou-se um gigantesco mercado para mestres e doutores, cuja presença no ensino privado aumentou 37% nos dois anos seguintes ao primeiro Provão. O Enem é uma prova em que não é preciso decorar currículos imensos, mas sim haver dominado aquilo que é importante aprender. Se vier a substituir os vestibulares amadorísticos e enciclopédicos, permitirá às escolas médias concentrarem-se no que é importante ensinar. Os remédios que salvam vidas têm sempre efeitos colaterais. Os médicos, pragmaticamente, optam pelo mal menor. Para curar o doente, dão o remédio e lidam, depois, com os efeitos colaterais e com as doenças iatrogênicas, isto é, aquelas que são geradas pelos tratamentos e hospitais. Os testes são assim, têm também efeitos colaterais e criam as próprias moléstias. Mas note-se, nos países educacionalmente avançados, onde os testes quantitativos fazem parte da vida escolar, toda a acalorada discussão não é para eliminá-los, mas para melhorá-los e para aprender a conviver com suas limitações. Precisamos igualmente reconhecer seus méritos e lidar criativamente com seus efeitos colaterais. Ademais, o objetivo de tais testes não é agradar a administradores ou estudantes, mas informar os interessados e permitir correções de rumo. Hoje, porém, vemos tanto as explosões emocionais contra os testes quanto tentativas dissimuladas de comer pelas bordas. Há perigo de retrocesso e volta ao obscurantismo. Os testes quantitativos captam algumas dimensões do desempenho, mas não conseguem lidar com outras. Contudo, lembremo-nos do que já dizia Aristóteles: há algumas coisas que não podemos fazer com números e há outras que não podemos fazer sem eles. Há excelentes razões para complementar os testes quantitativos com análises qualitativas. Só podem enriquecer nossos frágeis julgamentos. Mas substituir um pelo outro é voltar atrás. As avaliações qualitativas permitem entender como operam as escolas. No entanto, são os testes quantitativos que tornam possível comparar e situar as escolas ou os alunos em um universo mais amplo. Sem tal informação, voltaríamos a patinar nos "achismos" da década de 80. Quando a educação atinge certos níveis de qualidade, as dimensões não captadas pelos testes (imaginação, valores etc.) adquirem maior relevo. Mas quando os níveis de aproveitamento são muito baixos, o que medem os testes é muito mais central. E quando eles dizem que os alunos não entendem o que lêem, pouco adianta reclamar que não medem outras coisas. Quase todos os que falam do Provão cometem erros grosseiros de interpretação, pois suas propriedades estatísticas não são intuitivas (por exemplo, o Provão jamais disse quais cursos são bons, apenas quais são melhores ou piores. Igualmente, C representa a pontuação mais freqüente e não um resultado ruim). Estudar para o Provão tampouco é pecado, pois os alunos sempre estudam para a prova. Como o Provão é um exame mais bem-feito que os tipicamente preparados de véspera pelos professores, direciona melhor o esforço dos alunos. Contudo, o Provão tem efeitos colaterais. Um deles é enrijecer os currículos, tirando dos cursos a liberdade de experimentar. Outro é a questão do valor adicionado. Sabemos que 80% dos resultados são determinados por diferenças dos alunos, já no vestibular. Portanto, não podemos execrar um curso que ofereça um ensino correto cujo único pecado é ter alunos mais fracos. Em suma, não deixemos o acessório engolir o principal e não sejamos presa dos interesses pessoais dos que denunciam os testes por lhes trazerem notícias desagradáveis.

Será que o gigante está despertando?

De forma muito clara, agora, é mais fácil ver as mudanças. Há cerca de cinco anos, usei o termo "revolução silenciosa" para descrever a situação, e a revista VEJA adotou a expressão. Hoje, seria inadequado usar o mesmo termo. A revolução não é mais invisível. A característica mais marcante dos avanços na década de noventa é que o segmento mais dinâmico - a proporção da clientela terminando a educação básica - é exatamente aquele no qual o desempenho brasileiro era mais fraco. Um outro aspecto muito interessante e pouco estudado desse processo é o papel dos grupos de interesse, em particular, os sindicatos de professores. Esses grupos de tendência esquerdista adquiriram grande força na década de 80 e no início da de 90 e dominaram as arenas de discussão. Na verdade, estabeleceu-se na prática um monopólio dos fóruns e conferências, criando um ambiente abertamente hostil a outras linhas de pensamento (as chamadas patrulhas ideológicas). De fato, a avaliação deste autor é que a presença de grupos de interesse foi, durante muito tempo, uma presença pouco construtiva no cenário educacional, sempre a queixar-se de que a educação é uma ferramenta que reproduz a estratificação social e desviando a discussão das políticas práticas para melhorar as escolas. Todavia, muitos representantes desses grupos foram assumindo governos munici-pais e estaduais, enquanto alguns subgrupos mais ruidosos começaram a perder boa parte de seu poder e qualquer liderança intelectual fora de seus seguidores. Não obstante, há várias iniciativas respeitáveis sendo desenvolvidas pelos segmentos de esquerda. Ao mesmo tempo, o movimento sindical tem-se orientado para uma posição mais organizada e de crítica técnico-científica da política governamental, apresentando alternativas à ação governamental. O que, hoje, faz mudar a educação é a feliz conjunção de todos os níveis de governo tentando acertar e um público, liderado pela sociedade civil, exigindo que acertem. Os governos estão fazendo mais, sobretudo, porque as forças vivas da sociedade querem uma educação melhor e não se contentam com menos. Falta muito, mas as mudanças estão mais ou menos no rumo correto. As reformas acontecem, mesmo neste nosso Brasil de tão pobres tradições na área. Vivemos um momento único e precioso. O que falta, então, para que alguém se atreva a enfrentar assombrações e uma reforma de ensino que sugerem um amplo leque de mu-danças? Faltavam pessoas que vissem mais longe e que apostassem no futuro. Este é o tema deste livro. Procuraremos examinar como nossa educação encami-nhou-se, de muito atrasada, à fase atual de tentativa de recuperação. Tínhamos um sistema que se construiu, tardiamente, mesmo para os padrões dos países latinos americanos. O problema que se nos coloca resume-se em uma interrogação: quais devem ser os rumos da educação brasileira, a partir de agora? Sem (ou com) espírito de polêmica, é possível alinhar seis problemas que merecem atenção: a melhoria da qualidade do Ensino Fundamental, a reforma e expansão do Ensino Médio, com grande preocu-pação com a qualidade; a diversificação e aprimoramento do Ensino Superior, pela busca de caminhos alternativos, também, no âmbito do ensino público; o desenvolvimento de uma estratégia inteligente para a Educação Infantil; a introdução de novas tecnologias, como instrumento de democratização da educação, e, finalmente, o desen-volvimento rápido e vigoroso de propostas diferenciadas de qualificação e re-qualificação de docentes.