domingo, 22 de setembro de 2013

Como o professor vê a Educação

O ponto de partida para comprender a atuação do docente em sala de aula é a opinião sobre suas próprias práticas educativas. Os docentes das escolas públicas urbanas do Brasil consideram-se preparados para dar boas aulas, opinião predominante em 64% dos entrevistados. Mas apenas a metade deles considera que a formação inicial trouxe subsídios suficientes para a sua atuação como docente. É interessante observar que os homens sentem-se menos preparados do que as mulheres, talvez pela predominância dos egressos de licenciaturas, que têm preparação menos específica para as questões diretamente vinculadas ao âmbito pedagógico. O mesmo ocorre em relação à educação continuada. Cursos de extensão e atualização, embora sejam considerados positivos para a formação, têm aprovação de apenas 51% dos professores que participaram do estudo, no que diz respeito da adequação à realidade em sala de aula. Do depoimento de um grande número de professores pode-se depreender que, embora se sintam preparados em relação ao conteúdo das disciplinas, os educadores manifestam dificuldade no momento de ensinar, não conseguindo, muitas vezes, conquistar a atenção do aluno, o que remete às estratégias pedagógicas e às opções metodológicas. Mais uma vez, observa-se uma maior satisfação com a própria qualificação entre aqueles que se dedicam à Educação Infantil, condição que diminui gradativamente até chegar aos professores do Ensino Médio. Diferenças também se notam quando se observam as opiniões por faixa etária: com o passar dos anos, a experiência adquirida em sala de aula contribui para que o professor esteja mais confortável com seu desempenho. Os professores descrevem um cotidiano no qual sua atuação não se resume apenas ao campo da didática, mas engloba um espectro mais amplo, no qual está incluído o enfrentamento de questões ligadas à convivência, ao comportamento e à formação de atitudes e valores. A falta de disciplina dos alunos surge como uma das maiores queixas desses profissionais da educação, sendo apontada, espontaneamente, por 46% dos entrevistados como o principal desafio em sala de aula. Para o professor, o aluno está desmotivado, demonstrando pouco interesse em aprender (34%). Esses números são mais significativos entre os que lecionam no segundo ciclo do Ensino Fundamental: 43% dos entrevistados apontam para a disciplina como um obstáculo ao trabalho educativo. A falta de apoio e interesse da família é, do ponto de vista de 31% dos professores, um fator determinante para o agravamento desse quadro. Pais que têm pouco tempo para os filhos e baixo envolvimento com a educação destes estão, para os professores dos principais centros urbanos brasileiros, entre os principais fatores que explicam o baixo rendimento dos alunos. Se a indisciplina pode ser avaliada como uma atitude até certo ponto natural para as crianças e, especialmente, os adolescentes, torna-se um problema grave quando associada à violência. A agressão a colegas e professores é diagnosticada como rotineira por 14% dos entrevistados – 18% no caso do Ensino Fundamental II. Embora em menor proporção do que se imagina, dada a alta repercussão que os episódios de violência acabam tendo na mídia, não se pode ignorar a presença de questões ligadas à violência doméstica e ao envolvimento com drogas. Pais com problemas de alcoolismo (5%), comércio de drogas na escola (5%), crianças envolvidas com criminalidade (5%) ou que sofrem agressão (3%) e abuso sexual (2%) são algumas das tragédias da cena brasileira que devem ser enfrentadas pelos professores. É claro que a problemática da violência e dos conflitos traz para a escola e para os professores uma série de elementos novos, certamente não contemplados no programa dos cursos de formação de professores. É preciso observar que os problemas enfrentados pelos professores não se limitam ao relacionamento com os alunos. Há problemas estruturais claros, como a falta de equipamentos (para 18% dos entrevistados), salas superlotadas (16%), além de instalações deficientes (18%) ou mal conservadas (12%). E há lacunas também no suporte ao trabalho pedagógico, como a falta de materiais (para 19% dos professores ouvidos); a necessidade de aulas de reforço, que garantam o aprendizado de alunos com menor nível de conhecimento (12%) e mesmo a falta de conhecimento didático (5%), que aparecem como elementos importantes. Pode-se imaginar que um ambiente pouco propício para o desenvolvimento de uma cultura que promova conhecimento e o estímulo a aprendizagens significativas faça apenas com que aumente a propensão ao desrespeito, à indisciplina e, num extremo, à violência. A pesquisa buscou conhecer, também, um pouco mais a diversidade de instrumentos que o professor utiliza para oferecer aos alunos caminhos mais ricos de aprendizagem. Os dados mostram que livros, revistas, internet e música são instrumentos bastante utilizados no planejamento das aulas. Como seria razoável supor, a internet (57%) e a música (47%) são mais utilizadas por professores jovens, enquanto os de maior faixa etária dão preferência a instrumentos mais tradicionais: livros paradidáticos, jornais e revistas. De modo geral, os professores utilizam, em média, quatro fontes diferentes no planejamento de suas aulas. Quanto aos recursos disponíveis para as aulas, os livros (68%), aparelhos de DVD (54%), televisores (52%) e aparelhos de videocassete (48%) são os mais citados. A título de curiosidade vale citar que o tradicional giz não é mais utilizado por quase metade dos professores das principais capitais brasileiras. Em que pese o esforço de informatização da escola, o computador ainda não é uma realidade na grande maioria das escolas públicas urbanas, ao menos no que se refere aos equipamentos de uso do professor. Apenas 21% deles contam com esse recurso. Até porque recursos fundamentais e prosaicos representam graves carências para boa parte dos entrevistados: uma boa lousa, boa iluminação, livros didáticos, paradidáticos e literários ainda não estão disponíveis em um número significativo de escolas. Outros recursos de apoio são demandados pelos professores. As saídas culturais são bastante citadas, com 21% de menções espontâneas. Filmes, jogos, enciclopédias e rádios também são requisitados por esses professores. Embora não se possa fazer generalizações, é possível dizer que os professores contam com uma razoável variedade de recursos didáticos. Por outro lado, é importante destacar que nem sempre o material didático enviado pelo governo chega no prazo prometido. Em torno de 25% dos entrevistados reportaram atraso na chegada dos insumos de apoio ao trabalho pedagógico. As informações da mídia são utilizadas por 92% dos professores como material de apoio em suas aulas. Como principais fontes, surgem jornais, revistas, televisão, internet, rádio e filmes, nesta ordem. A realização de debates e trabalhos em grupo e a análise e interpretação de textos são alguns dos formatos mais corriqueiros. Reportagens sobre violência, política, esportes e outras atualidades, bem como matérias sobre saúde e meio ambiente, além de propagandas, estão entre os principais temas mencionados. Enquanto 89% dos professores consideram que o ideal seriam classes com, no máximo, 30 alunos, a realidade se mostra bastante diferente: 74% dos entrevistados declaram que suas salas superam esse limite. Mais uma vez, é importante destacar as diferenças entre as diversas modalidades de ensino: na Educação Infantil, os professores consideram 25 alunos o número máximo de crianças por sala de aula (em acordo com o parâmetro estabelecido pelo Conselho Nacional de Educação), mas isso só ocorre em 40% dos casos. Já nas séries mais avançadas, embora o número avaliado como ideal seja o de, no máximo, 30 estudantes, na prática, encontram-se classes com mais de 35 alunos, em 70% dos casos. Pouco mais da metade dos entrevistados leciona em dois períodos, enquanto 19% estão comprometidos com três períodos. Essa sobrecarga de trabalho evidencia-se nos ciclos mais avançados, chegando a 31% entre os que dão aulas no Ensino Médio. Parece óbvio imaginar a dificuldade dos professores da última etapa do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em trabalhar, com qualquer grau de individualização, os diferentes níveis de aprendizagem de seus alunos. Contraditoriamente com a imagem preponderante de uma juventude agressiva e problemática, os professores acreditam que 81% de seus alunos são crianças felizes, normais, que gostam de estar na escola e vivem com os pais. Conforme os docentes, ao menos a metade delas está interessada em aprender e gostaria de ter uma carreira de sucesso. Ao mesmo tempo, o retrato oferecido pelos docentes apresenta um painel alarmante sobre um dos principais dilemas da escola contemporânea, o trabalho com os alunos com níveis mais baixos de aprendizagem. Para os docentes, tais alunos representam 25% das turmas da Educação Infantil e 42% das do Ensino Fundamental e Médio. Os dados impressionam e confirmam os resultados aferidos pelas avaliações de rendimento: para os professores do Ensino Fundamental II, 20% de seus alunos, em média, não sabem ler e escrever, sendo que 40% não se expressam verbalmente de forma adequada. O quadro desenhado pelos professores dos grandes centros urbanos brasileiros mostra ainda o quão graves são os problemas vivenciados pelas crianças e adolescentes que extrapolam o campo pedagógico. Os docentes detectam problemas dentários (em 26% das crianças, em média), oftalmológicos (16%) e até mesmo de desnutrição (9%). Ainda que não tenham a validade de diagnósticos médicos, a percepção dos professores é suficientemente grave para levantar um alerta sobre a necessidade de uma maior articulação das políticas sociais, que inclua a escola. Os aspectos psicológicos também causam apreensão, com relatos de agressividade (entre 20% dos alunos), prática do preconceito (17%) e agressão física frequente (9%). Os problemas estendem-se à família. Os professores atribuem 14% de casos de alcoolismo entre os pais de seus alunos. Olhando para esta realidade, não é difícil entender por que os professores consideram a sobreposição dos papéis da escola como um dos principais fatores que interferem no baixo rendimento escolar e cobram ações mais efetivas do poder público para solucioná-la. Dessa forma, a percepção dos professores reflete uma escola pública muito heterogênea, na qual convivem extremos, como crianças com famílias estáveis, pais escolarizados, adaptadas ao ambiente escolar e com projetos de educação de longo prazo, ao lado de alunos de comunidades em situação de risco, vítimas de mazelas sociais persistentes e sempre na iminência do fracasso escolar.

Sala de aula lotada diminui aprendizado do aluno

Escolas com salas lotadas da rede pública de ensino em Rio Preto apresentam os piores índices educacionais do município. A relação entre número de alunos por sala e qualidade educacional foi feita pelo Diário a partir do cruzamento de dados do Censo Escolar 2010 com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ambos do Ministério da Educação. De cem escolas públicas, municipais e estaduais, da rede de ensino rio-pretense, 16 têm ao menos uma série com média de pelo menos quatro alunos a mais por sala de aula do que o limite máximo recomendado tanto pelo Estado quanto pela Prefeitura. Três dessas escolas, todas municipais, têm três séries superlotadas. Uma delas é a Yolanda Ferrari Vargas, no Jardim Maria Lúcia, zona norte. O primeiro, quarto e quinto anos apresentam média de alunos por sala, respectivamente, de 30, 34,3 e 34,7, acima do limite determinado pela própria Secretaria Municipal de Educação: até 25 alunos no 1º ano, 30 alunos do 2º ao 5º anos e 35 do 6º ao 9º. O colégio apresentou o pior Ideb das escolas públicas de Rio Preto no 5º ano, com índice 5,0. O Ideb é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar e médias de desempenho nas avaliações do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep): o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios. O último resultado é de 2009. A escola Wilson Romano Calil, bairro Solo Sagrado, zona norte da cidade, teve índice 5,7 no último Ideb de 5º ano, o quinto pior do município. Nessa série, são 34,4 alunos por sala, em média, - o limite é de 30 - mas chega a 36, caso do 5ºF, segundo o aluno Filipe Augusto de Oliveira, 10 anos. “Minha sala tem 36 alunos, mas já teve 40, no começo do ano. É muita bagunça, fica difícil prestar atenção no que o professor fala”, afirma. A situação é semelhante à escola estadual Yvete Gabriel Atique, no Eldorado. São 40,2 alunos por sala no 9º ano (antiga 8ª série), cinco a mais do que o limite recomendado pela Secretaria de Estado da Educação. A escola teve índice 4,1 no último Ideb, o segundo pior de Rio Preto. Má qualidade “Diante de uma sala lotada, não dá para o professor abraçar todos os alunos. Então ele escolhe os melhores e abandona aqueles que mais precisam de atenção. O resultado é uma educação de má qualidade, quando se considera a sala como um todo. Muitos alunos terminam o primeiro ciclo do fundamental não alfabetizados”, diz José Marcelino de Rezende, especialista em políticas educacionais da USP. “Como 40, 45 alunos irão prestar atenção no que o professor diz na sala? Ficam palavras no ar”, afirma Osnilda Grassi, conselheira regional da Apeoesp (sindicato da categoria). A professora C.B. leciona história em duas escolas estaduais de Rio Preto. No 9º ano de uma delas, são 40 alunos. “A gente tenta na base da bronca, e acaba dando aula gritando. Mesmo assim, não tem jeito, eles não respeitam, te enfrentam”, reclama. Outra docente solicitou afastamento no início da semana passada por estresse. Problema decorrente, segundo ela, da superlotação. “São mais de 40 alunos por sala, gritando, bagunçando. Cheguei ao meu limite. Acabo de deixar o hospital depois que a minha pressão chegou a 18 por 11.” Colégios particulares têm 12 alunos por sala Superlotação nas salas de aula é algo raro na rede privada de ensino em Rio Preto. Das 62 instituições com ensino fundamental na cidade, duas apresentam séries com médias de alunos por sala lotadas. As demais têm realidade bem diversa da rede pública - a média é de apenas 12,6 alunos por sala. A relação entre quantidade de alunos e qualidade do ensino pode ser expressa por números. Considerando uma aula de 50 minutos, cada aluno da 8ª série da escola Bento Abelaira Gomes, no Jardim Antunes, média de 44 por sala, dispõe de 1,1 minuto da atenção do professor, em média. No colégio Azevedo Marques, mesma série, são 3,5 minutos para a média de 14 alunos por sala. “É uma política recorrente das escolas particulares do município ter poucos alunos por sala, porque isso se reflete diretamente na qualidade do ensino. Não adianta visar somente o lucro e entupir a sala com 50 estudantes. A qualidade despenca, e a credibilidade também”, diz Antonio Carlos Tozzo, presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Ensino Básico em Rio Preto. O colégio Interativo, no Alto Rio Preto, estabeleceu limite de até 15 estudantes por sala no 1º e 2º anos do fundamental, 18 no 4º e 5º anos e 22 do 6º ao 9º. “Essa é uma proposta pedagógica que vem desde a fundação da escola, há 11 anos. Com menos alunos, a conversa paralela em sala é menor, e a atenção individualizada do professor, maior”, afirma a diretora pedagógica do colégio, Maria Aparecida de Lucca. A 7ª série tem 17 alunos, metade do teto preconizado pelo Estado, 35. “Ajuda no trabalho em sala. Posso colocar um aluno de frente para o outro para dinâmicas, e não precisa chamar a atenção. A aula rende mais”, diz Marcos Nevian, professor de português. Arthur de Toledo, 13 anos, também diz notar as vantagens de poucos alunos na sala. “O professor dá mais atenção ao aluno que tem dificuldade.” Fundeb Para o especialista em políticas educacionais da USP José Marcelino de Rezende, o sistema de repasse de recursos para a educação, via Fundeb, o fundo da educação básica, incentiva a lotação. “É uma lógica per capita. Como o repasse de dinheiro é por estudante, para que o dinheiro renda é interessante que haja muitos alunos por sala”, afirma. Neste ano, o Fundeb repassou R$ 55,3 milhões para Rio Preto, de acordo com o Ministério da Educação. Para Rezende, a saída para eliminar o problema seria editar uma lei determinando o número máximo de alunos por sala. O que existe hoje é apenas uma recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 2009, referendada pelo MEC, que pode ou não ser seguida por Estados e municípios. Estado e Prefeitura dizem cumprir norma A Secretaria de Educação de Rio Preto informou por meio de nota encaminhada pela assessoria que segue o número máximo de alunos por série estabelecido pela própria pasta para o ensino fundamental: até 25 alunos no 1º ano, 30 alunos do 2º ao 5º anos e 35 do 6º ao 9º. Em relação às escolas Lydia Sanfelice, Antonio Teixeira Marques e Wilson Romano Calil, além da demanda dos respectivos bairros, conforme a assessoria, as unidades têm atendido alunos da zona rural. A pasta lembra que, para melhorar a oferta de vagas na rede municipal, está em construção escolas de ensino fundamental nos quatro “Núcleos da Esperança”, no Jardim Santa Catarina, Vila Azul, Santa Clara e Alvorada, todos na periferia. Além disso, estão sendo construídas mais cinco novas escolas na cidade, de acordo com a assessoria: duas no bairro Nova Esperança (infantil e fundamental), duas no Parque da Liberdade (infantil e fundamental) e uma de educação infantil no bairro Aroeira 2. Todas essas unidades irão disponibilizar 7 mil novas vagas. A assessoria da Secretaria de Estado da Educação garantiu cumprir a resolução que determina o máximo de 30 alunos no primeiro ciclo do fundamental, 35 no segundo ciclo e 40 no ensino médio. “É importante destacar que a região possui 16.216 matrículas e 502 salas no ensino fundamental. O ensino médio, por sua vez, conta com 11.839 estudantes para 363 salas. Nas duas situações, a média é de 32 alunos por sala. Portanto está abaixo das recomendações estabelecidas pelo Estado”, informa a nota.

sábado, 14 de setembro de 2013

Gustavo Ioschpe: devo educar meus filhos para serem éticos? (In Revista Veja)

Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, saía de casa para a escola numa manhã fria do inverno gaúcho. Chegando à portaria, meu pai interfonou, perguntando se eu estava levando um agasalho. Disse que sim. Ele me perguntou qual. “O moletom amarelo, da Zugos”, respondi. Era mentira. Não estava levando agasalho nenhum, mas estava com pressa, não queria me atrasar. Voltei do colégio e fui ao armário procurar o tal moletom. Não estava lá, nem em nenhum lugar da casa. Gelei. À noite, meu pai chegou em casa de cara amarrada. Ao me ver, tirou da pasta de trabalho o moletom. E me disse: “Eu não me importo que tu não te agasalhes. Mas, nesta casa, nesta família, ninguém mente. Ponto. Tá claro?”. Sim, claríssimo. Esse foi apenas um episódio mais memorável de algo que foi o leitmotiv da minha formação familiar. Meu pai era um obcecado por retidão, palavra, ética, pontualidade, honestidade, código de conduta, escala de valores, menschkeit (firmeza de caráter, decência fundamental, em iídiche) e outros termos que eram repetitiva e exaustivamente martelados na minha cabeça. Deu certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto deslocado. Até hoje chego pontualmente aos meus compromissos, e na maioria das vezes fico esperando por interlocutores que se atrasam e nem se desculpam (quinze minutos parece constituir uma “margem de erro” tolerável). Até hoje acredito quando um prestador de serviço promete entregar o trabalho em uma data, apenas para ficar exasperado pelo seu atraso, “veja bem”, “imprevistos acontecem” etc. Fico revoltado sempre que pego um táxi em cidade que não conheço e o motorista tenta me roubar. Detesto os colegas de trabalho que fazem corpo mole, que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido. Tenho cada vez menos visitado escolas públicas, porque não suporto mais ver professores e diretores tratando alunos como estorvos que devem ser controlados. Isso sem falar nas quase úlceras que me surgem ao ler o noticiário e saber que entre os governantes viceja um grupo de imorais que roubam com criatividade e desfaçatez. Sócrates, via Platão (A República, Livro IX), defende que o homem que pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos, pois está em conflito interno, em desarmonia consigo mesmo, perenemente acossado e paralisado por medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma existência desprezível, para sempre amarrado a alguém (sua própria consciência!) onisciente que o condena. Com o devido respeito ao filósofo de Atenas, nesse caso acredito que ele foi excessivamente otimista. Hannah Arendt me parece ter chegado mais perto da compreensão da perversidade humana ao notar, nos ensaios reunidos no livro Responsabilidade e Julgamento, que esse desconforto interior do “pecador” pressupõe um diálogo interno, de cada pessoa com a sua consciência, que na verdade não ocorre com a frequência desejada por Sócrates. Escreve ela: “Tenho certeza de que os maiores males que conhecemos não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo mesmo de novo, e cuja maldição é não poder esquecer. Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão”. E, para aqueles que cometem o mal em uma escala menor e o confrontam, Arendt relembra Kant, que sabia que “o desprezo por si próprio, ou melhor, o medo de ter de desprezar a si próprio, muitas vezes não funcionava, e a sua explicação era que o homem pode mentir para si mesmo”. Todo corrupto ou sonegador tem uma explicação, uma lógica para os seus atos, algo que justifique o porquê de uma determinada lei dever se aplicar a todos, sempre, mas não a ele(a), ou pelo menos não naquele momento em que está cometendo o seu delito. Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das pessoas honestas: “Ah, mas pelo menos eu durmo tranquilo”. Os escroques também! Se eles tivessem dramas de consciência, se travassem um diálogo verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou não teriam optado por sua “carreira” ou já teriam se suicidado. Esse diálogo consigo mesmo é fruto do que Freud chamou de superego: seguimos um comportamento moral porque ele nos foi inculcado por nossos pais, e renegá-lo seria correr o risco da perda do amor paterno. Na minha visão, só existem, assim, dois cenários em que é objetivamente melhor ser ético do que não. O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita que os pecados deste mundo serão punidos no próximo. Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma sociedade ética em que os desvios de comportamento são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções penais, quer na forma do ostracismo social. O que não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é um país sério. Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou às voltas com um deprimente dilema. Acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho para a vida. Essa é a nossa responsabilidade: dar a nossos filhos os instrumentos para que naveguem, com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo real. E acredito que a ética e a honestidade são valores axiomáticos, inquestionáveis. Eis aí o dilema: será que o melhor que poderia fazer para preparar meus filhos para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da consciência, do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia, como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar com atrasos, não insistir para que não colem na escola, não instruir para que devolvam o troco recebido a mais... Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente. Simplesmente o fato de pensar a respeito, e de viver em um país em que existe um dilema entre o ensino da ética e o bom exercício da paternidade, já é causa para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão mais felizes assim - pelo contrário -, nem porque acredite que, no fim, o bem compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não conseguiria conviver comigo mesmo, e com a memória de meu pai, se criasse meus filhos para serem pessoas do tipo que ele me ensinou a desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta mais lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a retidão que espero inculcar em meus filhos (e meus filhos em seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um fardo. Oxalá.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A Função da Família na Educação

É imprescindível que as crianças para se tornarem cidadãos instruídos, precisam de uma boa formação escolar. Isso é possível quando se encontram com professores desejosos de transmitir o que sabem para, assim, desenvolver no aluno um desejo de saber, o que é lido como curiosidade e investigação para aprender. A escola representa um lugar de emancipação da criança a respeito de seu grupo familiar, onde a criança vai poder estar e falar com outros além de seus pais. Sendo um campo onde ela estabelece outros laços que lhe possibilitam receber recursos que poderá utilizar no futuro: com outros semelhantes, na escolha de profissão, etc. Dito isso, fica claro que a escola propicia a socialização da criança, mas, é a família e sua função um dos maiores responsáveis pela educação e desenvolvimento dos filhos. Até para que a Educação pedagógica possa ser efetivada, para que ela tenha eficácia, depende da estrutura familiar do aluno. Quando a família valoriza os estudos - a aprendizagem - estimula no filho o mesmo. O interesse dos pais no que seus filhos produziram, aprenderam, faz com que eles (filhos) sintam-se valorizados em relação ao que fizeram. O gosto pela leitura, a curiosidade em saber, em descobrir são homólogas a outras curiosidades e não estão desvinculadas da curiosidade sexual. Mas em muitas famílias o sexual é um assunto proibido e, dependendo do grau de dificuldade em falar sobre esse assunto, isso aparecerá na dificuldade da criança em ter outras curiosidades, incluindo a de saber em sala de aula. As garatujas, os rabiscos, os desenhos e as letras são produções que primeiramente são endereçadas ao Outro – entenda-se, por Outro, a mãe e o pai ou aquele que tem a função de cuidar e ensinar à criança. E vai depender de como vai ser o acolhimento disso, o que a criança fará depois. Se vão continuar produzindo ou se sofrerão inibições, impossibilidades de continuar descobrindo, evoluindo e fazer associações com a família das letras. Sabemos que quando algo não vai bem na esfera familiar, os sintomas aparecem na escola, tais como: as dificuldades de leitura, de aprendizagem; dificuldades em disciplina, o que chamamos limites, na participação em grupos, etc. A aquisição da leitura, portanto, é um processo que depende da passagem por outras fases: primeiro tem lugar os rabiscos, os traços no papel onde somente a criança pode dizer o que desenhou. Pois o traço no papel representa a estrutura psíquica dela e é homóloga a uma assinatura. Por esse motivo o desenho de uma criança não se confunde com o de outra. Depois, temos as formas até chegar às letras, as sílabas e por fim as frases e seu encadeamento. E o desenvolvimento desse processo dependerá da estrutura familiar. Dependência, que está vinculada aos limites, à possibilidade de que estejam operando em casa, para que isso seja possível. Um lar desestruturado, sem limites, sem condições básicas, atrapalha o desenvolvimento escolar da criança. Uma dificuldade escolar - seja ela qual for - geralmente está camuflando outras dificuldades, o que chamamos de sintomas emocionais. Por que tem um conflito emocional, a criança apresenta em seu corpo e comportamento aquilo que não está podendo ser dito em palavras. Encontro em minha experiência de psicanalista, crianças com sérias dificuldades escolares e, nas entrevistas com os pais, descubro que existem outros problemas. Dificuldades no casal parental, em relação ao nascimento de um filho, dificuldades no trabalho, algumas vezes uma doença na família, uma mudança, etc. Portanto, á maioria das dificuldades que as crianças apresentam são provenientes de sintomas dos pais. Acontecimentos que os pais ou um deles não está conseguindo resolver e isso é transmitido aos filhos. “O pensamento não é autônomo, é por sua articulação com o desejo, que o sujeito se reconhece autor de seu pensamento”. A criança quando não tem dificuldades de ler ou escrever, de fazer uso das letras, de mostrar o que sabe, geralmente é porque está convivendo em uma boa harmonia familiar, quando não tem obstáculos em suas relações familiares. Mas também, é fundamental que os ensinantes, os educadores, tenham uma boa formação, conhecimentos e desejo para transmití-los aos seus alunos. Um professor com pouco desejo terá pouca ou nenhuma possibilidade de transmissão, pois ele não “contagiará” seu aluno, se ele não tiver causado. Em contrapartida, encontramos exemplos de alunos que têm bons professores, escolas e condição ambientais favoráveis (materialmente), mas não se desenvolvem como esperado, pois a causa reside em conflitos familiares. Podemos encontrar pais que não se interessam por seus filhos (porque acreditam que eles vão para a escola para brincar); brigas na família; doença em algum familiar; pouca expectativa no filho, crianças muito mimadas. Enfim, a relação pode ser extensa. Podemos encontrar um exemplo bem comum que é, quando os pais passam por um processo de separação, os filhos apresentam dificuldades escolares. E dependendo de como os pais vão fazer, como falarão com seus filhos, estes poderão deslocar ou extinguir os sintomas. Sendo muito importante que eles falem com seus filhos, que expliquem o que lhes aconteceram para tomarerm tal decisão. O que mais encontramos são famílias que não querem falar sobre o assunto, calam-se e o não saber sobre sua história, desloca-se para o não-saber em sala de aula. Atendi uma garota de 4 anos que não conseguia aprender na escola e quando fui atender aos pais e fazer as entrevistas, descobri que ela ainda era tratada e cuidada como um bebê; usava fraldas, tomava mamadeiras, chupava chupeta e não conversavam com ela, “pois achavam que ela não entendia”. A consequência disso foi o fracasso que a garota tinha na escola “pois os bebês não podem fazer coisas relativas à criança de 4 anos”. À medida que esses pais foram tratando sua filha como uma garota capaz, ela foi se desenvolvendo na escola. Para concluir, quando algo não vai bem em sua casa, quando a estrutura familiar não possibilita harmonia, ou quando os pais não se interessam pelo que seu filho faz, o reflexo disso aparecerá na atividade escolar. Poderá até - em alguns casos - aprender as letras, aprender a escrever, mas não conseguirá estabelecer laços nem com o professor, nem com os semelhantes. Poderá com muito custo e dispêndio atravessar sua fase escolar. Como disse acima, na escrita a criança se mostra, é sua imagem que ela representa no (rabisco) garatuja, traços, formas e letras, porém, se tem algo que não vai bem em seu psíquico, se ela tiver algum sofrimento emocional, muito provavelmente terá dificuldades na escola. Geralmente a problemática familiar já existe, mas a entrada da criança na escola vai revelar o mal estar subjacente, pois é o momento em que ela vai se mostrar para os outros, que vai ter que organizar-se para poder aprender ás letras, dirigir sua pesquisa para outro saber, não somente o saber sobre o sexual, nascimento dos bebês, teorias sexuais infantis, mas, o saber dirigido ao intelecto. E como esse comportamento - dificuldade escolar - aparece no meio social, os pais sentem-se pressionados para procurar uma ajuda. Existindo, porém, uma grande dificuldade em pedi-la, como se isso atestasse que eles falharam. O que eu fiz? Será que não é um problema de adaptação? Perguntam. A escola muitas vezes fica em um impasse, pois sabem que algo não está bem com a criança, mas, sabe da dificuldade de alguns pais em aceitar que a criança ou eles precisam de uma ajuda. Porém, é imprescindível que fiquem atentos para os sintomas escolares que seus alunos apresentam, que os questionem, investigue sobre a história familiar, que não coloquem uma mão simbólica em cima, que faça seu aluno falar, para que eles possam colocar em palavras o que ele está mostrando em ato. Andreneide Dantas Psicanalista