sexta-feira, 24 de julho de 2015

A arte de dizer besteiras

Por Flávio Damiani em 18/07/2015


O filósofo americano Harry Frankfurt, ao escrever o livro Sobre falar merda, não poderia ser mais realista, analisando o comportamento daqui e de fora. Manda um recado direto aos que passam o tempo falando bobagens nas redes sociais, embora o objetivo dele seja o de desvendar a essência do discurso político. O livro, um mini-book com pouco mais de 60 páginas que podem ser devoradas durante uma ida ao banheiro, faz parte do currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na cadeira de Filosofia, do professor Luiz Carlos Bombassaro.
Frankfurt estabelece uma diferença básica entre a mentira e o falar merda. Diz que o mentiroso esconde os fatos e inventa deliberadamente suas histórias; respeita a verdade, mesmo que fuja dela. Já o outro não tem o mínimo de classe, consideração ou respeito e tenta induzir quem quer que seja a aceitar sua versão como verdadeira, procurando sempre chamar a atenção, construindo uma impressão sobre si mesmo. Um perigo porque o mentiroso, embora reconheça o blefe, respeita regras e limites; já o “evacuador” revela o seu cardápio por meio de suas ideias ou palavras – ele é mais perigoso do que aquele que mente.
O orador, no entanto, não está mentindo, afirma o filósofo, porque não tem intenção de impor à plateia crenças que considera falsas. Um político, quando sobe à tribuna para falar em público, só está interessado na opinião dos outros sobre ele. “Ele quer ser considerado um patriota, alguém que aprecia a importância da religião, que é sensível à grandeza de nossa história, cujo orgulho combina com a humildade perante Deus”, destaca Frankfurt. Mais adiante, ele se debruça a analisar as áreas da propaganda e das relações públicas, “exemplos tão consumados de falar merda que podem servir como os paradigmas mais inquestionáveis e clássicos do conceito”.
Travestidos de pastores do bem
A obra encaixa como uma luva neste momento de turbilhão político em que velhas raposas da política, envolvidas até o pescoço com operações criminosas, duvidosas, escandalosas, mentem descaradamente para provar inocência quando suas vidas já foram vistas e revistas e suas falcatruas se tornaram públicas. Do outro lado, um exército de abnegados cidadãos sem a mínima consciência, levados no bico e totalmente desinformados, tenta defender as trincheiras da corrupção, entra no jogo político de quem não quer mudanças, quando a mudança é a única saída. A corrupção tem dois lados e contaminou os coxinhas que chamam a esquerda de petralhas e petralhas que chamam os da direita de coxinhas.
Na verdade, os mentirosos, travestidos de pastores do bem, com seus sermões e mazelas buscam controlar a ira do seu rebanho e os adeptos por sua vez só falam merda. Claro que ainda sobram os corruptores. Bom, estes estão por toda parte, na mídia em especial.
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Flávio Damiani é jornalista

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O QUE É APRENDER?

Aprender é construir "seus conhecimentos e sua afetividade na interação" com outros sujeitos e "por meio de influências recíprocas que vão estabelecendo cada sujeito constrói o seu conhecimento de mundo e o conhecimento de si mesmo como sujeito histórico" (LOPES, 1996:111).
Aprender significa ser capaz de reelaborar e reconstruir conhecimento através da formulação de questionamentos, de análise e síntese das descobertas. O indivíduo aprende é ao ser capaz de dialogar com o seu interlocutor, seja ele o professor, o livro, o jornal, o programa de TV, o vídeo ou a página da WWW. Dependendo do grau de escolaridade, aprender envolve saber questionar as verdades apresentadas, refletir, investigar suas dúvidas e elaborar nova síntese que lhe satisfaça a inquietação inicial.
Aprender significa ser capaz de pesquisar com olhos inquisidores, orientados por inquietações que tragam contribuições ao crescimento individual e coletivo. É um processo multifacetado e estimulante se interconectar diversas áreas do conhecimento mediadas pelas mídias impressa, audiovisual e digital em uma rede de relações interpessoais.
POSTMAN (1996:45) chama a atenção para o fato de só poder existir uma comunidade democrática e civilizada, se as pessoas que aí vivem, fazem-no de forma disciplinada como participantes de um grupo e que, portanto, precisam aprender a viver em grupo, onde as necessidades individuais estão subordinadas aos interesses do grupo. Aprender a conviver de forma colaborativa propicia o crescimento do grupo como um todo e, por conseguinte, o crescimento de cada um em particular.
Aprender implica na capacidade de construir significados, reconstruindo o passado e projetando o futuro. Se nós, professores, não temos muito claro, para nós mesmos, o que é o ensinar e o aprender e se não nos lançamos como navegadores nessa viagem estimulante, de volta ao nosso passado e nos projetamos para o futuro, como poderemos levar nossos alunos a empreender a viagem em busca do conhecimento, uma aventura que exige esforço, dedicação e que pode apresentar riscos e frustrações? Não são eles, jovens e adultos, seduzidos hoje pela mídia com "videogames" e viagens sedutoras embora alienantes?
Nós, professores, precisamos estar em constante aperfeiçoamento de nossa capacidade de reconstruir nosso conhecimento, de análise do nosso cotidiano, de questionamento da nossa prática individual e coletiva. Devemos estar alerta às constantes transformações que ocorrem no mundo para além das paredes da escola. Esse aperfeiçoamento e questionamento precisam ocorrer tanto no isolamento individual, quanto em equipes colaborativas que desenhem e realizem projetos conjuntos baseados na prática escolar. Não podemos ignorar a tecnologia que já está inserida no dia a dia do homem nesta sociedade tecnológica. Não podemos ignorar que temos uma história individual entrelaçada a uma história social.
Professores e alunos, precisamos praticar entre nós e com os outros o ato comunicativo, reconhecendo que esse ato é um ato de aprendizagem.
"... É preciso reconhecer que quero me comunicar, que quero trocar informações com alguém e que, nesta troca, vou me transformar, vou aprender" (KENSKI, 1996:135).
O desenvolvimento em equipe implica em saber trabalhar de forma interdisciplinar, de modo que a interdisciplinaridade fique colada como marca d’água na nossa didática e na nossa prática escolar.
A aprendizagem pode se dar através da linguagem, mas será mais completa e mais significativa se também ocorrer através da experiência, ainda que simulada. Aprender através da linguagem, via leitura dos mais diversos meios (texto impresso, vídeo, filmes, programas de rádio e de TV, programas de computador tutoriais ) ou via aulas ministradas por professores permite-nos uma leitura das idéias, dos pensamentos, das opiniões e dos conhecimentos de outras pessoas e de outras épocas assim como um confronto com as mesmas. Aprender através da linguagem implica em que se tenhamos um bom conhecimento da linguagem ou corremos o risco de não compreendermos o que "lemos" ou não sabermos "escrever" sobre o que "lemos" . A linguagem requer uma outra pessoa, a que observou, analisou, classificou, escreveu para podermos ler.
A aprendizagem por experiência nos coloca em contato direto com a realidade. Na escola, aprender por experiência ocorre nos laboratórios e, geralmente, tem a tecnologia como mediadora. Quanto maior a possibilidade de simulação maior a possibilidade o aluno tem de observar, de construir hipóteses e de testá-las para verificar se essas hipóteses estavam corretas. Aprender por experiência permite a manipulação da realidade, agindo e percebendo os resultados da nossa ação. Dessa forma, "podemos conhecer e compreender a realidade observando como ela responde às nossas ações" (Parisi, 1998, rt). É bastante raro podermos desenvolver esse tipo de aprendizagem na escola que privilegia o aprender pela linguagem escrita. Entretanto, se a escola tiver uma tecnologia que permita o uso de modelos simuladores que permitam que aquelas características obscurecidas pela linguagem escrita apareçam, as capacidades de abstração, de memória, de manipulação de símbolos e a habilidade lingüística serão complementadas pelo uso de outras capacidades como a de observar, reconhecer modelos, manipular, levantar e controlar hipóteses. Os alunos terão maior motivação para aprender e para estudar, pois com a experimentação e a simulação seguidas da reflexão estarão aprendendo mais do que apenas através da abstração. Em algumas situações estarão se divertindo, em outras estarão vivendo papéis diversos dos que vivem no seu cotidiano e, ainda, haverá situações em que serão desafiados a resolver problemas complexos.
Incorporar de forma inteligente a tecnologia significa adotar uma postura positiva e interdisciplinar em relação à tecnologia e trabalhar com elas como elementos emancipatórios na nossa prática pedagógica. Podemos aprender com essas tecnologias que a aprendizagem se dá no envolvimento integral do indivíduo, isto é,
"o emocional e o racional; a análise lógica e o lado do imaginário e do intuitivo; a imagem e o som; a açào, a presença, a conversa, a interação, o desafio, a exploração de possibilidades, o assumir de responsabilidades, o criar e o refletir juntos sobra a criação" (KENSKI,1996:146). 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O QUE É ENSINAR?

Ensinar é um processo que envolve indivíduos num diálogo constante, propiciando recursos temporais, materiais e informacionais para que se desenvolva a auto-aprendizagem e a aprendizagem com os outros ou a partir de outros (STOKROCKI, 1991). Não é apenas transmitir conhecimentos obedecendo a determinadas metodologias, cumprir os currículos de disciplinas estanques ou inter-relacionadas e "cobrir" determinados assuntos. Ensinar é fazer com que os alunos se comprometam num questionamento dialético de princípios fundamentais, desenvolvam estratégias de discussão de verdades estabelecidas É fazer com que analisem argumentos pró e contra e buscando a validação ou a contestação de hipóteses e crenças, com que estabeleçam novas hipóteses e novas crenças fundamentadas por pesquisa e reflexões sérias (CARR, 1997:325). Esse comprometimento não pode se dar apenas no âmbito individual, mas também coletivo.
Ensinar é instigar e orientar os alunos para que se apropriem de conhecimentos específicos de cada fase escolar para a "interiorização do saber sistematizado, historicamente acumulado"( LOPES, 1996:111).
Ensinar é criar condições para que os alunos desenvolvam as condições básicas de domínio das diversas linguagens, fundamentalmente a da escrita, de modo a poder sistematizar o conhecimento e expressar tanto suas dúvidas e incertezas quanto suas descobertas e criações. É, também, ajudá-los a desenvolver a reflexão, a saber fazer as perguntas certas e ir atrás das respostas adequadas
Em uma perspectiva sócio-inteacionista, é instrumentalizar os alunos para perceberem que já possuem um conhecimento que trazem de suas casas, para integrarem esse conhecimento com outro sistematizado na escola através de atos comunicativos com seus colegas e seus professores e para criarem novos conhecimentos individual ou coletivamente.
Ensinar, além de se caracterizar como uma atividade colaborativa entre professores e alunos, deve promover essa colaboração entre os próprios alunos, estimular o trabalho em equipe e proporcionar um espaço para que uns ensinem aos outros aquilo que dominam melhor. A investigação colaborativa propicia que os alunos se ajudem mutuamente na coleta e na análise de dados, e, na hora da interpretação, as vivências e as perspectivas individuais, podem produzir conclusões mais ricas.
Educadores, comunicadores, estudiosos mais atentos percebem que não se pode ter todo o conhecimento em sua área específica, e ainda mais, que esse conhecimento não é compartimentado, fragmentado em disciplinas estanques como a escola, em geral, continua a encarar.
É muito comum, no desenvolvimento da pesquisa durante os cursos de pós-graduação, depararrmo-nos com fontes e informações que podem interessar a nossos pares. À medida que encaminho essas descobertas a meus pares estou abrindo um caminho de volta de informações para a minha pesquisa. Para Dewey (apud Nassif:45), toda comunicação é educativa e o
"ser receptor de uma comunicação é ter uma experiência ampliada e alterada. Se se participa no que o outro pensou e sentiu, seja de modo restrito ou amplo, modifica-se a própria atitude. Da mesma forma, não deixa de ser afetado aquele que comunica".
Para ser eficaz como ato comunicativo é preciso que ocorra na atividade didática uma relação interativa, uma união entre as partes, no nosso caso, professores e alunos, decorrendo daí a necessidade de discussão, reflexão, aprofundamento sobre um conteúdo significativo.
Assim, a comunicação educativa se faz cada vez mais necessária para que o trabalho colaborativo se instale. A colaboração permite um sem número de conexões no âmbito escolar constituindo uma experiência que pode ser transferida para outros ambientes em que o indivíduo vive. Para o trabalho colaborativo acontecer e essas conexões se tornarem significativas, há que se ter uma vivência da ação colaborativa, de participação ativa e de construção conjunta nos cursos de formação inicial e continuada de professores nas graduações específicas que os formam, como Pedagogia e as Licenciaturas e Institutos Superiores de Educação, no Ensino Médio, na modalidade Escola Normal (Magistério), nos projetos de Formação Continuada de Professores em serviço e nos cursos de Pós-Graduação.