quinta-feira, 27 de julho de 2017

O seu eu digital: a imagem projetada nas redes sociais

Selfie é o neologismo que melhor define a nossa era. É um autorretrato da superexposição voluntária nesta enorme praça pública que são as mídias sociais.
As fotos que tiramos e postamos continuamente na internet são parte de uma nova identidade, um "eu" digital que ganha a cada dia novas pinceladas. Um novo ser que parece ter vida própria e que vai sendo moldado também pelos "likes" e pelas interações em um imenso mosaico costurado por algoritmos, os códigos que acabam por desenhar esta nossa nova face pública.
Quem é esse outro eu digital que tem a sua cara e até os mesmos gostos? Que imagem você projeta a partir de suas pegadas digitais? Estamos o tempo todo fornecendo informações preciosas sobre nós mesmos nos nossos perfis no Facebook, no Instagram. Dados que podem ser coletados e usados por empresas, governos, concorrentes, amigos e inimigos.
A grande maioria de nós ainda é analfabeto digital, está engatinhando nestes intrincados caminhos da revolução tecnológica. Por esta razão, refletir sobre o uso responsável das tecnologias e da internet é questão de sobrevivência. É vital para podermos nos relacionar bem, aproveitarmos melhor as oportunidades, potencializarmos o nosso trabalho e até exercer a nossa cidadania. 
A vida é bem maior do que os nossos incessantes posts em redes sociais. Um "like" offline aquece mais o coração do que milhares de falsas interações no Facebook ou no Instagram.
Não custa lembrar que a vida é aquilo que acontece enquanto você está postando, curtindo fotos de amigos e desconhecidos ou até stalkeando (ato de perseguir virtualmente uma pessoa, analisando cada postagem) alguém na internet.
Portanto, mais importante do que a "selfie" é o "self" –um conceito da psicologia que pode ser resumido como o seu "eu", constituído de personalidade, cognições, pensamentos e sentimentos. Uma identidade que se forma a partir de aspectos conscientes e inconscientes, nuances que a inteligência artificial ainda não parece capaz de captar e traduzir.
E vai além de sua pegada digital, aquela que faz pipocar na sua timeline ofertas e mais ofertas de hotéis para um destino apenas pesquisado.
É tudo aquilo que nos faz únicos, é aquela digital que se imprime fora do mundo digital, no universo dos afetos, das trocas interpessoais, em meio a um dia a dia cada vez mais impactado pelas novas tecnologias.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O ato de escrever nos modifica, e é por essa razão que ele faz sentido

Há muitos anos, o escritor português Augusto Abelaira (1926-2003) classificou toda a literatura do mundo em apenas duas famílias: "Grandes Esperanças" e "Ilusões Perdidas". A brincadeira com as obras-primas de Dickens e Balzac poderia ser estendida ao temperamento dos escritores, os soturnos e os solares.
Como classificar e coçar é só começar, e a ficção -o nome já o diz- não é uma ciência, pensei em separar os escritores em função de como eles veem o mundo que pretendem "revelar". As aspas se explicam adiante.
A primeira vertente seria a conspiratória. Segundo ela, somos naturalmente seres negativos que se dirigem à morte. Infelizmente, não há nada que se possa fazer a respeito porque a natureza é soberana e a subjetividade, uma mentira. Pela escrita, fomos arrancados do aqui e agora do mundo natural, ao qual não podemos voltar.
Assim, escrever será sempre um processo insidioso de ocultação, e são impressionantes os meios de que dispõe a escrita para nos enganar, criando fantasmas paralelos e arbitrários que asfixiam o real tentando simular um impossível retorno à suposta paz primitiva.
É falsa portanto a distinção entre ficção e não ficção -tudo é ficção; ou, pior, tudo é uma mentira, e a penosa ética da escrita seria torná-la límpida, trazer a mentira à luz do sol, denunciando perpetuamente o fracasso, que, queiramos ou não, se volta sobre si mesmo. Não há escape ou segurança, exceto no próprio ato de escrever, que é, necessariamente, um ato de desespero.