domingo, 24 de setembro de 2017

Professor Uber: a precarização do trabalho invade as salas de aula

Sob o comando do tucano Duarte Nogueira, a prefeitura de Ribeirão Preto, no interior paulista, apresentou em julho um projeto para contratar aulas avulsas de professores por meio de um aplicativo de celular, com o objetivo de suprir as ausências de docentes da rede municipal.
No “Uber da Educação”, como a proposta foi apelidada, o profissional não teria vínculo empregatício. Após receber a chamada, ele teria 30 minutos para responder se aceita a tarefa e uma hora para chegar à escola.
Com cerca de 5 mil habitantes, a cidade catarinense de Angelina, na Grande Florianópolis, também inovou, com a criação de uma espécie de leilão reverso para a contratação de professores. Em abril, a prefeitura publicou o Pregão nº 018/2017, baseado em uma licitação de “menor preço global”.
O edital partia de um pagamento máximo de 1.200 reais para uma jornada de 20 horas semanais, mas atrelava sua definição a um leilão que deveria ser feito com o envio de propostas salariais a menores custos. O processo só não foi adiante porque foi interpelado pelo Ministério Público de Contas do Estado.
Há tempos os professores da educação básica convivem com a precarização das relações de trabalho, um problema que deve aprofundar-se com a nova Lei de Terceirização e a reforma trabalhista sancionada por Temer. Diante do cenário, não chega a surpreender a iniciativa do Grupo Anhanguera, de buscar atrair novos estudantes para cursos de formação pedagógica com a promessa de uma fonte complementar de rendimentos.
“Torne-se professor e aumente a sua renda”, dizia a peça publicitária, com Luciano Huck de garoto-propaganda. Após a repercussão negativa da campanha nas redes sociais, a instituição de ensino superior pediu desculpas pela “mensagem equivocada sobre a função e importância do professor”.
A precariedade cobra um elevado preço dos profissionais. Em 34 anos de carreira, esta é a primeira vez que Maria Fátima Maia da Silva, 50 anos, se vê longe das salas de aula. Por recomendação médica, ela está afastada há dois meses em consequência de estresse acumulado ao lecionar em sete escolas do Paraná.
A peregrinação pelas unidades da rede estadual começou em fevereiro, quando o governo de Beto Richa (PSDB) reduziu as horas-atividade dos docentes, passando de 7 para 5, em uma carga horária de 20 horas/aulas semanais.
Até a decisão, Maia da Silva trabalhava em uma única escola de Curitiba, com uma jornada de 40 horas semanais, 20 horas dedicadas a aulas de Biologia e o tempo restante para ministrar a disciplina de Ciências. Após a medida, a professora teve as horas de trabalho reduzidas para 13 e viu-se forçada a procurar por outras instituições para compor o tempo de cada matéria.
“Na parte da manhã, passei a trabalhar em duas escolas. Para cumprir as 20 horas restantes, peguei mais cinco escolas para lecionar à noite, cumprindo por dia da semana uma carga de quatro horas em cada uma delas”, conta a professora.
Além da jornada exaustiva em diferentes salas de aula, pesava o tempo de deslocamento até cada um dos endereços. Entre idas e vindas, a professora chegava a passar quatro horas no transporte público. A rotina foi interrompida em junho, quando a estafa a afastou do trabalho.
Na avaliação da vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marlei Fernandes de Carvalho, o caso desrespeita a Lei Federal nº 11.738/2008, que instituiu o piso salarial dos profissionais do magistério público da educação básica. Os professores deveriam ter assegurados dois terços da carga horária para a interação com os estudantes.
“O terço restante é reservado para o planejamento”, explica Carvalho. “Com a redução das horas, descarta-se esse tempo de trabalho fora da sala de aula, o que deve fazer com que muitos professores sacrifiquem o seu tempo livre, de descanso, para cumprir todas as demandas da escola.”
Presidente da CNTE, Heleno Araújo também se preocupa com os impactos da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos. “Com menos recursos para a educação, temos prejudicadas as metas 15 a 18 do Plano Nacional de Educação, que preveem a valorização docente.”
Hoje, muitos professores atuam como temporários na rede pública, ou seja, não fazem parte do quadro efetivo. Em Mato Grosso, por exemplo, 60% dos docentes estão contratados nesse regime, mas são igualmente expressivos os porcentuais em Santa Catarina (57%), Mato Grosso do Sul (50%), Minas Gerais (48%), Pernambuco (44%) e São Paulo (34%).
“Pela Constituição, o ingresso no serviço público deve ser feito exclusivamente por meio de concurso”, observa Araújo. Como os temporários não podem criar vínculo com as redes de ensino, esses profissionais precisam alternar tempo de aula com tempo de afastamento.
De acordo com a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, os professores temporários eram obrigados a cumprir uma quarentena para voltar a lecionar na rede paulista.
“Na greve de 2015, conseguimos assegurar a contratação de quatro anos sem quebra de contrato”, lembra. Benefícios como o quinquênio ou a sexta parte, gratificações por tempo de trabalho, só foram adquiridos para a categoria há três anos.
No contexto de liberação das terceirizações, teme-se que os concursos públicos deixem de ser realizados. Os professores efetivos dariam lugar a prestadores de serviços. Outra ameaça é a entrega da administração das escolas para organizações sociais.
A ação não seria novidade. No ano passado, o estado de Goiás publicou um edital chamando entidades a assumirem a gestão escolar. Contrários à proposta, estudantes ocuparam 28 escolas estaduais. O edital foi suspenso pela Justiça goiana.
Resposta da prefeitura de Ribeirão Preto
Em nota enviada à CartaCapital, a prefeitura de Ribeirão Preto afirma que "não existe projeto 'Uber da Educação' em andamento no município".
"A proposta que se encontra em fase de elaboração denomina-se “Professor Substituto” e visa a solucionar a grave situação de ausências de professores em sala de aula, motivadas por faltas ou licença saúde, em período inferior a 30 dias. As faltas acima de 30 dias são resolvidas com nova atribuição de aulas a outro professor.
A proposta é que o professor substituto seja aprovado por processo seletivo e receba atribuição de aulas por conjunto de escolas, formado por duas ou três unidades. O contato com o profissional para chamá-lo até a unidade escolar poderá ocorrer com a utilização de tecnologias hoje disponíveis, o que agregará agilidade ao processo.
Quanto à relação empregatícia, o projeto é objeto de análise por parte da Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos. Portanto, não há nenhuma solução definitiva a respeito do assunto."

 Fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/professor-uber-a-precarizacao-do-trabalho-invade-as-salas-de-aula

domingo, 3 de setembro de 2017

Pedagogia do amor é futuro da educação

Fala-se menos do que se deveria na pedagogia do amor e o pouco que se fala é, muitas vezes, vago. O tema, então, se perde pela sua abstração e incompreensão das pessoas, o que ocasiona desconfiança e desinteresse; todavia, tanto como parte do método pedagógico quanto como um dos objetos de estudo, o amor é aquilo que pode mudar completamente o mundo para melhor desde que seja bem entendido.
A noção predominante de amor é a romântica, que o entende como um sentimento afetivo entre dois seres, normalmente um homem e uma mulher, e daí surge, inclusive, o preconceito lastimável contra aqueles que procuram relacionamentos homossexuais. Esses dois seres buscam uma união quase sempre calcada na atração física e/ou sexual, quando a motivação não é ainda mais superficial, como financeira ou outra similar.
Para além dessa ótica predominante, há uma segunda, muito parecida, que estende o amor a um sentimento afetivo entre dois seres por laços familiares ou por simpatia. Esta é uma sintonia gerada por interesses ou outros elementos em comum, que podem ser positivos ou negativos.
Não existe amor ou desamor à primeira vista, mas apenas simpatia ou antipatia à primeira vista. Simpatia é sentimento direcionado a uma pessoa. Amor é um sentimento sem direção, que ultrapassa o ser humano, estendendo-se aos animais, ao elementos naturais (fogo, água, terra, vento), ao planeta, ao cosmo.
O amor amplamente prevalecente, almejado e praticado na humanidade não é aquele em sua profundidade e amplitude. É um amor romantizado, vendido em filmes, novelas e propagandas, muito mais ligado a paixões e interesses menores do que a sentimentos edificantes e libertadores.
Por tal razão, ele degenera facilmente em apego, cobrança, manipulação, quando não se transforma em ódio por conta da frustração das paixões e interesses mencionados. Quase sempre, o amor é praticado com egoísmo, muito mais em busca de algo em troca do que de apenas se doar ao outro e de fazê-lo um ser melhor.   
O amor, como deve ser compreendido em uma comunidade mais desenvolvida, é um sentimento muito mais próximo da fraternidade em um nível ótimo, um “‘estado afetivo de plenitude’, incondicional, imparcial e crescente”, como diria Ermance Dufaux.
O verdadeiro amor preenche, eleva o ser a um estado de felicidade incomparável, inabalável pelos arrastamentos menores das paixões humanas. Ele não é condicionado a retorno; não é diferente de acordo com o ser ou com qualquer outro critério; e só vai crescendo na medida em que a pessoa se desenvolve.
O verdadeiro amor é profundo, pois submete as paixões e interesses individuais em prol de uma ligação com tudo e todos, gerando respeito, paciência, indulgência, tolerância, unicidade com a natureza; sentimentos muito mais edificantes do que aqueles gerados, em regra, pela ótica de amor hoje predominante.
O verdadeiro amor não diferencia o sentimento que se tem do filho e do vizinho que causa incômodo, por mais utópico que isso possa parecer. O amor dos pais para com os filhos é talvez o mais puro que existe hoje. É, em diversos casos, um amor incondicional, que tira o fôlego e que perdura, não importa o que aconteça. No entanto, as pessoas não são ensinadas a amar os demais. “Os outros são os outros”. “A família antes de tudo”. Quantos chavões não existem hoje para expressar que só devemos nos preocupar com “os nossos” e os outros que se danem?
Devido à falta de amor da humanidade, se não houvesse a família, dentro da qual se estimula o amor pelos laços de sangue e pela convivência muitas vezes forçada, o planeta provavelmente já teria sido destruído, e observem que, mesmo assim, não falta muito para isso.
O problema é que as relações familiares se tornaram as únicas importantes para muitos, até porque da felicidade do cônjuge e dos filhos muitas vezes depende a felicidade do próprio indivíduo. Então, há frequentemente mais egoísmo do que amor por trás de certas atitudes protetivas da família. 
Com verdadeiro amor, não haverá escolhas em torno de quem deve ser protegido e quem deve ser prejudicado, a não ser sob critérios de justiça; não haverá injustiças aos outros em prol da família ou de si mesmo; não haverá nacionalismos que prejudicam outros países sem remorso; etc. O amor une a todos, torna a sociedade uma única família.
É esse sentimento que deve ser utilizado para ensinar nos lares e nas escolas por meio, sobretudo, de atividades práticas e do exemplo. Na medida em que se ensina pela pedagogia do amor, já se ensina o amor pelo exemplo, a melhor forma de ensino, por ser sentida e, principalmente, vivida, e não apenas racionalizada. Quando o outro compreende o verdadeiro amor em alguém, é difícil que não queria praticá-lo, pois nota como quem ama verdadeiramente emana positividade, é pleno e feliz.    
Diversos estudos comprovam que países mais desenvolvidos em termos de qualidade de vida e desenvolvimento em sentido amplo revelam altos graus de fraternidade. Sociedades com mais qualidade de vida são as que desenvolveram melhor o sentimento de verdadeiro amor, criando, por consequência, instituições mais inclusivas, fraternas. 
A pedagogia do amor foi o centro do método Pestalozzi, que tanto sucesso obteve na Europa no século XIX e que influenciou reformas educacionais em vários países que se tornaram muito desenvolvidos em seguida.
Pestalozzi dizia que o mérito da sua experiência na cidade de Stans foi transformar cerca de 70 crianças órfãs, embrutecidas pela vida, em irmãos, em indivíduos generosos, justos e morais.
O seu método era, primeiro, satisfazer as necessidades mínimas das crianças, garantindo-lhes condições básicas para a aprendizagem e para o desenvolvimento de sentimentos positivos. Deste modo, sem políticas sociais que garantam o mínimo de alimentação, saúde, lazer etc., é difícil que a criança tenha um desenvolvimento adequado e que cresça amorosa, pois o embrutecimento tende a gerar negatividade. Uma das principais tarefas da educação é estimular a sensibilidade natural, a conectividade e a fraternidade com as quais todos nascem.
Não se entenda a pedagogia do amor como mimos e tratamento infantil. Ao contrário, é dar o respeito necessário a cada indivíduo independentemente da sua idade; é corrigir comportamentos os mais negativos com instrução sábia e até mesmo rígida, porém com o máximo de paciência, tolerância e indulgência, entendendo profundamente a individualidade de cada um. 
A pedagogia do amor não quer modificar a essência natural do ser, mas dar as condições para que suas habilidades sejam maximizadas. Ao contrário da educação atual, que tem a presunção de saber aquilo o que os indivíduos precisam aprender, a pedagogia do amor lhes dá certa liberdade para escolher o que preferem aprender e percebe os talentos de cada um.
A pedagogia do amor foi, de certa forma, apresentada neste blog nos textos que trataram de Pestalozzi e sua eficiência foi, em alguma medida, cientificamente comprovada nos textos que trataram da Aprendizagem Socioemocional, que pode ser muito bem aperfeiçoada para uma maximização das habilidades morais e emocionais dos indivíduos, tão ou mais importantes do que a intelectualidade acadêmica.
Fala-se pouco na pedagogia do amor, pois não se compreende que ela representa muito do que se tem hoje por mais avançado em termos de pedagogia: a) mais liberdade aos educandos de escolherem o que querem estudar; b) menos imposição de ideias; c) desenvolvimento crítico; d) educação pelo exemplo; e) estímulos à sensibilidade, à conectividade, à empatia e à fraternidade; f) trabalho das mais diferentes habilidades (ou talentos, ou inteligências), considerando que cada ser é único, especial e suas inteligências se manifestam distintamente; etc.
Rivail, um dos principais discípulos de Pestalozzi, em obra publicada ainda no ano de 1857, deu contornos à contemporânea teoria das múltiplas inteligências e a muitas outras teorias tidas hoje por avançadas:
“A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação”.
Como se dá pouco valor aos grandes pensadores da história, a exemplo desses citados aqui e em outros textos, iremos analisar em artigos futuros a contemporânea teoria das inteligências múltiplas, de Howard Gardner (Universidade de Harvard), buscando comprovar que a pedagogia do amor, preocupada com os diferentes tipos de inteligência, mas especialmente com as esquecidas inteligências moral e emocional, é um dos caminhos para um futuro com amplo desenvolvimento, sustentabilidade e elevada qualidade de vida para a humanidade.