sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Governar o Brasil não é difícil nem impossível: é inútil

Texto de Carlos Heitor Cony

Benito Mussolini terminou seus dias na face da Terra numa posição incômoda: pendurado de cabeça para baixo num gancho de açougue. Um fim de vida coerente com uma de suas frases mais famosas: "Governar a Itália não é difícil, é impossível". Menos trágicos, os presidentes do Brasil, mesmo sem o fim lastimável do ditador italiano, poderiam dizer: "governar o Brasil não é difícil nem impossível: é inútil".
Citando Suetônio poderíamos dizer que os 12 Césares tiveram as mesmas dificuldades dos presidentes dos dias de hoje. Um deles resolveu seus problemas e os problemas do Império Romano nomeando um cavalo para senador, que nada ficou devendo aos senadores que o sucederam.
Ernest Renan, no meu entender o maior estilista da língua francesa, considerou a linhagem dos Pios não só o melhor período do império como o período mais feliz da humanidade do seu tempo. Teve razões para isso, uma vez que seus antecessores e sucessores, segundo Cesare Cantù, não eram coisas que prestavam.
Falta ao Brasil um Suetônio e um Cantù, apesar de termos césares demais. Somente para ficar no ano da Graça de 2017, temos três ex-presidentes e estamos na iminência de termos mais um, além de outros que estão na fila.
Nenhum deles ficou pendurado num gancho de açougue, mas tivemos um suicida, um louco que renunciou, outro que foi exilado e dois que foram impedidos. Disso tudo resultou que o Brasil pode ter governantes em excesso, que prometerão pão e leite para todos, descobrirão a inutilidade do leite e do pão, mas farão licitações que abastecerão corruptos e corruptores.
Um ex-presidente que foi exilado dizia que governar era abrir estradas. A maioria preferiu abrir as burras da nação, tornando inúteis suas promessas e nomeando cavalos para os altos escalões.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/carlosheitorcony/2017/06/1893728-governar-o-brasil-nao-e-dificil-nem-impossivel-e-inutil.shtml

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes

Afeto tem preço? Sim, tem. E, enquanto você não descobriu o seu preço, ainda não pensou a fundo no tema.
Enquanto não pensarmos claramente no quanto amor e grana se misturam, não veremos nenhuma fronteira entre os dois.
Em nossa época, mentiras viraram moeda de troca no mercado do pensamento público. Agradar aos outros é métrica de valor. Eu não jogo esse jogo.
Devemos escapar da armadilha comum de pensar que assumir um preço para o afeto implica ser uma pessoa interesseira. Claro que esse caso óbvio também existe. Penso em pessoas motivadas pelo afeto mesmo e que, tristemente, às vezes, se batem com o limite material delas. Não era outra coisa que o grande Nelson Rodrigues tinha em mente quando dizia que dinheiro compra até amor verdadeiro.
O fato é que grana é um potencializador da vida. Com ela você pode criar um ambiente no qual confiança, bem-estar e um forte sentimento de muitas perspectivas se abrem diante de você. Onde bons sentimentos nascem? Num final de semana prolongado em Roma ou no trânsito de oito horas para Praia Grande?
Grana cria horizontes no quais você se desenvolve e pode sonhar com melhores modelos de você mesmo. Grana dá a você a chance de ser generoso, ousado, seguro de si mesmo. No caso das meninas se dá a mesma coisa.
Acrescentaria que no caso das meninas existe também um delicado sentimento (às vezes enterrado no mais fundo do cotidiano) de que, se alguém te dá uma bijuteria no lugar de uma joia, você se sente uma bijuteria, e não uma joia. E, em alguma medida, com razão. Porque o preço de uma joia representa o valor investido na mulher para quem você dá essa joia.
Homens, que na maioria das vezes ganham mais e são mais escravos da obrigação do sucesso material, se sentem investidos de amor pela mulher quando ela demonstra serem eles a sua prioridade. Quando ela reconhece potência em tudo o que eles fazem –o que não significa só ganhar dinheiro.
Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes. Do sentimento de que a vida está acabada naquela fórmula pobre de ser. Num cotidiano em que a rotina é sempre a da falta de liberdade de escolha. A dificuldade de enxergar isso torna ainda mais o afeto dependente da grana. A mentira sobre isso torna o amor ainda mais barato porque mais indefeso diante das contingências do dia a dia.
Quer outro exemplo? Você se casa com um cara que tem uma ex-mulher. Se ele der muita atenção para ela e se preocupar muito em deixá-la "bem materialmente" mesmo depois da separação, você vai, sim, achar que ele ainda a ama. Não minta sobre isso só pra ficar bem com o marketing do bem, que deixa o mundo ainda mais cretino do que ele já é normalmente.
O caso do amor entre pais e filhos não é tão diferente, apesar de depender mais da classe social e da cultura do país. No Brasil, da classe média alta pra cima, se você não der um apartamento para cada filho, fracassou como pai.
Imagine que seu pai deixou sua mãe por uma mulher 20 anos mais nova do que ele, e que ele teve um filho com ela. Sei, sei, dizem por aí que todos os jovens tiram isso de letra hoje, mas isso é, também, uma mentira do marketing do bem.
Agora imagine que ele nega para você uma viagem para Paris nas férias, mas faz um lindo quarto de bebê com todas as frescuras que sua nova jovem mulher pede. Quando encontra com você, só fala do novo "irmãozinho". Que tal?
Invertamos a situação. Imagine que você dedicou 40 anos da sua vida para seu filho. Imagine que agora ele é bem-sucedido profissionalmente, mas deixa você viver numa casa de repouso miserável paga com sua aposentadoria.
Onde está a fronteira entre amor e grana aí? Em Roma ou Praia Grande?