quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A importância dos valores internos

Esse estudo visa uma compreensão mais aprofundada a respeito da estrutura de valores que possui o ser humano em seu projeto de vida. Primeiramente, faz-se necessária uma reflexão acerca dos valores internos, buscando a suas origens na formação do psiquismo humano. Ao investigar o desenvolvimento da personalidade infantil encontram-se aspectos ligados a temperamento. É como descreve Fadiman (1986), estudos realizados por Carl Gustav Jung trouxeram os conceitos de pessoas introvertidas e extrovertidas, cada qual com as suas peculiaridades de pensamento, sensação, percepção e intuição.
Ainda em Fadiman (1986), há a conceituação deixada por Skinner, psicólogo americano, na qual sinaliza as influências que o meio ambiente exerce sobre as pessoas, levando-as a terem um comportamento ou outro. Seus estudos incluíram o campo da educação, valorizando as recompensas para a aquisição de bons comportamentos e a punição para a correção dos inadequados.
Na esfera da moral, em Piaget (1977), existe a idéia de noção de justiça na criança, ao referir-se a uma oposição existente entre dois tipos de respeito, e conseqüentemente, entre duas morais: a de obrigação e a de cooperação. Uma trata do dever, a outra do respeito mútuo. Quando a criança desenvolve uma formação baseada na justiça de cooperação é possível que ela possua um senso de justiça igualitário ao longo de sua vida.
As bases sobre justiça podem ser encontradas no filósofo clássico Aristóteles (1986), através de suas reflexões éticas, ao afirmar que aquele que pratica atos justos não necessariamente é um ”homem justo”; pode ser um “bom cidadão”, contudo, jamais será um “homem justo” ou um “homem bom” de per si. O “homem bom” é, por si mesmo, independentemente da sociedade, completo em sua interioridade; a justiça lhe é uma virtude vivida, por meio da ação voluntária. A moral obedece às regras, a ética possui seus próprios valores.
La Taille (2002), descreve o cenário da educação infantil apontando as duas grandes fontes educacionais da criança: família e escola, como agentes que devem tornar claros os seus valores e definições sobre uma vida plena. A sociedade e a mídia acabam ocupando um espaço considerável na formação desses conceitos fundamentais. Com o passar do tempo os valores aprendidos na família e na escola foram perdendo terreno, e quem encontrou espaço para implantar diferentes valores foi a forte idéia comercial. Tudo parece estar voltado para o mercado, o consumismo e a superficialidade. Muito tem se perdido com esta maneira de formar valores.
Tendo em vista os vários fatores que compõem a personalidade do ser humano, torna-se importante o exercício de compreender que formas de valor podem estar presentes nas pessoas. Dependendo das características existentes desde o nascimento, somadas as aprendizagens e experiências vividas, resultará em diferentes valores encontrados em cada um.
A criança recebe determinada cultura de seus cuidadores, bem como influências do meio em que vive. Caso ela não obtenha valores de uma vida mais plena, dificilmente formará um conceito interno a respeito. A preocupação nesta altura das reflexões alcança os valores que o ser humano formou e os vive a partir de uma condição intrínseca. Ao contrário de alguém que percebe a necessidade de ter de se adequar às regras e normas circunstanciais de um dado momento, para uma demanda específica. Temos, então, valores adaptados e considerados extrínsecos. Seu efeito pode durar tanto quanto os seus objetivos permaneçam disponíveis.
Aquele que possui valores intrínsecos tem maior chance de resistir às atribulações que a vida reserva. Sofre, contudo, encontra sustentação diante das dificuldades existentes. Vê o campo de batalha no qual se situa, porém, tem ânimo e força para continuar lutando e planejando as perspectivas. É como se encontrasse uma companhia vital para continuar a jornada. Os valores religiosos são forte exemplo desse tipo de sustentação. Vemos claramente em (2 Co 5.1.): “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus.”
Por outro lado, quem convive com valores extrínsecos, é presa fácil dos problemas. Sucumbe, quase sempre, ao primeiro vento que sopra contrariamente. Não há uma estrutura formada que ofereça apoio e perseverança. Encontra, na maioria das vezes, o desespero como aliado. Sente-se só.
Como tratar da questão em pauta? Valores positivos internos, se eles pouco representam para as pessoas que não o obtiveram. Observe que o número de crianças com pouco contato nesta esfera do desenvolvimento vêm aumentando, haja vista o distanciamento que ocorre entre pais e filhos. A educação perde terreno nesta relação já enfraquecida, onde a responsabilidade primária (dos pais) está sendo passada, ou há uma constante tentativa, para a secundária (escola). As razões deste fenômeno vão desde o conceito errôneo que muitos pais têm a respeito do eixo liberdade-limites, até o comprometimento com as suas atividades profissionais em virtude do dinheiro e do próprio desenvolvimento. Não é uma situação fácil (Siqueira, 2003).
Os educadores têm um papel relevante junto a seus alunos, bem como aos pais deles. É papel de liderança que deve estar presente todo dia na vida das crianças e adolescentes. Declarar valores pessoais e estimular o seu desenvolvimento pode auxiliar nesta tentativa. Em qualquer oportunidade de tempo, desde que seja feito.
Imaginemos, então, se ampliarmos esta dificuldade para a vida social em grupo. Muitas pessoas, de diferentes valores, ainda que alguns estejam relativamente próximos, calcule como é o alinhamento entre aquele que possui valores internos de boa conduta, mediante valores globais negativos de um sistema organizado? O contrário também.
Outro empecilho ocorre na hora de compreender ou formar os planos futuros de vida. Que sonhos ter? O que vislumbrar como algo que possua grandeza e nos inspire a caminhar em sua direção? Que horizonte observar e nele estarem depositadas importantes convicções pessoais?
Ainda mais, como conceber as metas desses planos? Se a perspectiva não inclui uma visão estimuladora? Que objetivos tangíveis devemos alcançar para manter a chama acesa?
Se não há valores profundos e positivos, não há, em essência, o que visionar e tornar, em decorrência, objeto de qualquer missão. Tal infortúnio, num convívio grupal, desmotiva aquele que é desprovido de valores fundamentais. Quer apenas resultados imediatos e se frustra facilmente quando não os obtêm. Seus objetivos incluem somente o fazer e a resposta que ocorra de acordo com as suas aspirações, excluindo os seus propósitos educativos, tais como o errar, parte inseparável do ser humano. Não há paciência, muito menos sabedoria em entender as muitas possibilidades que podem estar presentes em cada idéia e ato que emitimos.
Quando a pessoa carrega valores internos, é capaz de empreender atividades que busquem se aproximar de seus sonhos. Avaliar as novas situações, respeitando as mudanças e resultados que surjam, diferentemente do que antevia. Compreender o valor do tempo e saber esperar quando assim se faz necessário. É crente de suas convicções e sabe articulá-las com as diferenças que encontra no grupo. Busca adaptar-se, até certo limite, aos valores da comunidade que faz parte. Alinha seus valores, sonhos e metas. Encontra na própria estrutura desses conceitos um objetivo a ser alcançado em cada lugar e em cada tempo.

Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Editora da UNB, l985.
FADIMAN, James. Teorias da Personalidade. São Paulo: Editora Harbra, 1986.
PIAGET, J. O julgamento moral da criança. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1977.
SIQUEIRA, Armando Correa Neto. Educação sem limites. Internet, disponível em: www.psicopedagogia.com.br. Acesso em 03/11/03.
TAILLE, Yves de La. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: editora Ática, 2002.

Educação Especial e Novas Tecnologias: O Aluno Construindo Sua Autonomia

Educação Especial e Novas Tecnologias: O Aluno Construindo Sua Autonomia
Teófilo Alves Galvão Filho
teo@ufba.br
http://infoesp.vila.bol.com.br

I – Introdução
Com muita freqüência a criança portadora de alguma deficiência, física ou mental, por suas próprias limitações motoras e/ou sociais, agravadas por um tratamento paternalista não valorizador de suas potencialidades, cresce com uma restrita interação com o meio e a realidade que a cerca. Muitas vezes, se não for adequadamente estimulada, assume posições de passividade diante da realidade e na solução de seus próprios problemas diários. É condicionada a que outros resolvam os seus problemas e até pensem por ela.
Conforme Valente,

"As crianças com deficiência (física, auditiva, visual ou mental) têm dificuldades que limitam sua capacidade de interagir com o mundo. Estas dificuldades podem impedir que estas crianças desenvolvam habilidades que formam a base do seu processo de aprendizagem." (Valente, 1991,p.1).

Se, conforme Piaget, as crianças são construtoras do próprio conhecimento, quando portadoras de deficiência essa construção, portanto, pode ser limitada pela restrita interação das mesmas com o seu ambiente. E é nesta interação que, segundo Papert, através da ação física ou mental do indivíduo, se dão as condições para a construção do conhecimento. Sobre a importância, para o aprendizado, das interações no mundo, enfatiza Papert:

"O Construcionismo, minha reconstrução pessoal do Construtivismo,... atribui especial importância ao papel das construções no mundo como apoio para o que ocorreu na cabeça, tornando-se, deste modo, menos uma doutrina puramente mentalista." (Papert, 1994, p. 128)

E quando estas crianças com necessidades educacionais especiais ingressam em um sistema educativo tradicional, em uma escola tradicional, seja especial ou regular, frequentemente vivenciam interações que reforçam uma postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. Frequentemente são submetidas a um paradigma educacional no qual elas continuam a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir, reforça esquemas de dependência e submissão. São vistas e tratadas como receptoras de informações e não como construtoras de seus próprios conhecimentos.
Exatamente pelas dificuldades e atrasos que estes alunos com necessidades especiais frequentemente apresentam em seu desenvolvimento global, é vital, com mais ênfase nestes casos, oferecer-lhes um ambiente de aprendizagem que os ajude a abandonar essa postura passiva de receptores de conhecimento. Um ambiente onde sejam valorizadas e estimuladas a sua criatividade e iniciativa, possibilitando uma maior interação com as pessoas e com o meio em que vivem, partindo não de suas limitações e dificuldades, mas da ênfase no potencial de desenvolvimento que cada um trás em si, confiando e apostando nas suas capacidades, aspirações mais profundas e desejos de crescimento e integração na comunidade.
Por outro lado, é sabido que o computador vem se tornando cada vez mais um instrumento importante de nossa cultura, e o ambiente computacional e telemático, um meio de inserção e interação com o mundo, se adequadamente utilizado.
Por tudo isso, no Programa Informática na Educação Especial, desenvolvido desde 1993 nas Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador-Bahia, optamos por um paradigma educacional valorizador da ação e iniciativa do aprendiz, cujas características, filosofia e metodologia resumimos a seguir.

II – Um paradigma valorizador da iniciativa do aprendiz

Referência primeira: O Ambiente Logo de Aprendizagem
Os princípios filosóficos e metodológicos do Ambiente Logo de Aprendizagem apontam justamente para este modelo de educação com as novas tecnologias através do qual o aluno tem a iniciativa e é o sujeito de seus próprios processos.
O que seria, então, o Ambiente Logo?
Logo é uma Linguagem de Programação desenvolvida por volta de 1968, no Massachusetts Intitute of Tecnology (MIT), em Boston, nos E.U.A., por uma equipe de pesquisadores liderados por Seymour Papert.
Papert, que estudou durante os anos 60 no Centro de Epistemologia Genética, com Jean Piaget, de quem incorporou muitas de suas idéias, teve sempre como preocupação o estudo dos processos de aprendizagem.
A partir desta preocupação, surgiu a Linguagem Logo como uma linguagem com possibilidade de processar listas e de criar novos procedimentos, sendo adequada à aplicação em educação.
Mas o Ambiente Logo de Aprendizagem não se resume somente à Linguagem Logo de Programação. O Ambiente Logo possui duas raízes: uma computacional e outra filosófica. Ambas com características que as tornam próprias para sua utilização em educação.
Uma de suas principais características do ponto de vista computacional, ou seja, da Linguagem Logo propriamente dita, é a facilidade de assimilação por sua simplicidade de manuseio. Com comandos de terminologia fácil, o Logo permite uma rápida assimilação tanto pelos professores como pelos alunos. A parte gráfica é considerada sua porta de entrada. Consiste numa tartaruga no centro da tela, que pode ser movimentada a partir de comandos, cujo vocabulário se assemelha à linguagem utilizada cotidianamente para o deslocamento de uma pessoa no espaço. Os comando mais básicos do "vocabulário da tartaruga" são: PF (para frente) e PT (para trás), usados para deslocar a tartaruga; PE (para esquerda) e PD (para direita), para fazê-la girar. Estes comandos devem vir acompanhados de um número que determina quantos "passos" a tartaruga irá deslocar-se ou quantos graus deve girar. Os deslocamentos podem ou não deixar traços na tela, através dos comandos UL (use lápis) ou UN (use nada), possibilitando que o aluno venha a desenhar através da movimentação da tartaruga.
Esta atividade envolve conceitos espaciais que foram desenvolvidos a nível intuitivo pela criança desde a primeira infância, por exemplo, quando se deslocava de sua casa ao colégio. Mas aqui, estes conceitos devem ser explicitados em termos de passos e giros da tartaruga, exercitando e depurando diferentes conteúdos, tais como conceitos geométricos, numéricos, noções de distância, lateralidade, exercício de descentração, etc., introduzindo, através da atividade concreta de desenhar com a tartaruga, conceitos abstratos de diferentes domínios, como matemática, física, resolução de problemas, planejamento e outros. O aluno "começa a desenvolver as noções de formalismo e a necessidade de ser preciso e não ambíguo nas descrições das soluções dos problemas" (Valente, 1991, p. 40). A idéia é trabalhar e desenvolver diversos conteúdos através de atividades criativas e concretas que sejam do interesse do aluno, sem passar pelas formalizações do tipo escolar, que quase sempre são desvinculadas da experiência concreta do aluno e impostas de fora.
Outra característica do Logo do ponto de vista computacional, é a possibilidade de definir novos procedimentos, ou seja, a possibilidade do aluno criar um vocabulário próprio de comunicação com o computador, a partir da definição de novos comandos. Aqui é usada a metáfora do aluno "ensinar" a tartaruga. Através do comando AP (aprenda), um determinado conjunto de comandos pode ser definido por um novo nome. Por exemplo, "Tri" para o conjunto de comandos que constróem um triângulo. Esse novo nome que o aluno ensinou à tartaruga, passa a ser um novo comando que pode ser usado como parte (sub-procedimento) de um novo projeto. Assim, o aluno pode construir um conjunto de novos comandos, a partir de um vocabulário definido por ele mesmo, que são "ensinados" à tartaruga e que possibilitam que seus projetos cresçam em complexidade, facilitando abarcar um universo maior de conteúdos a serem trabalhados.
A raiz filosófica do Logo incorpora muitos aspectos das idéias de Piaget, com quem Papert estudou, e teve origem no interesse particular de Papert pelos mecanismos de aprendizagem do ser humano. Sua idéia era criar um ambiente de aprendizagem onde o conhecimento não é passado para a pessoa, mas onde o aluno, interagindo com os objetos desse ambiente, pudesse manipular e desenvolver outros conceitos (Valente, 1991, p. 40).
Piaget demonstrou que a criança já possui, desde os primeiros anos, mecanismos de aprendizagem que ela desenvolve mesmo sem ter ido a escola, mas a partir da interação com os objetos do ambiente onde vive (Valente, 1991, p. 39). Baseado nisso, Papert propõe o Construcionismo, que estuda e explica a construção do conhecimento em função da ação física ou mental do aprendiz, na construção de objetos de seu interesse, em interação com os objetos de seu meio através do computador. Para o Construcionismo é importante também o tipo de ambiente onde o aprendiz está inserido. Por isso, com o Logo se busca criar um ambiente de aprendizagem rico e aberto, onde o controle do processo de construção do conhecimento está nas mãos do aluno e não do professor. A atividade é proposta pelo aprendiz, e seus projetos são algo que ele deseja realizar. O professor deixa de ser o "controlador" e passa a ser o "facilitador" do processo de aprendizagem (Valente, 1991, p. 41), o que exige normalmente uma mudança de mentalidade do professor.
O fato de que o controle do processo esteja nas mãos do aprendiz, já favorece este envolvimento, cabendo ao facilitador propor novos desafios que o estimulem e estejam ao seu alcance, propor alterações nas atividades, perguntar, ajudando a explicitar os conceitos que estão sendo trabalhados a cada passo dos projetos. É fundamental para isto, o conceito de "zona de desenvolvimento proximal", definida por Vygotsky como:

"... a distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes." (Vygotsky in Menezes, 1993, p. 166)

Segundo Menezes, "esta concepção vem permitindo mudanças no ambiente de aprendizagem, principalmente quanto à adoção de metodologias voltadas para o reconhecimento da identidade cultural do aluno" (Menezes, 1993, p. 166). Portanto, é imprescindível, para o facilitador, o conhecimento sobre o aluno, sua história, seu meio, sua forma e estilo de interagir e construir o conhecimento. A partir disso, é possível atuar na sua "zona de desenvolvimento proximal", levando-o a dar passos de seu "nível de desenvolvimento real", para o "nível de desenvolvimento potencial".
Sobre a valorização da identidade cultural do aluno e a importância de seu contexto social, a Filosofia Logo é enriquecida também por toda a contribuição da reflexão de Paulo Freire relativa a este tema.
No Ambiente Logo a ênfase não é colocada no produto que a pessoa realiza, mas no processo pelo qual ela atinge seus objetivos. Por isso, o erro deixa de ser algo passível de punição, e passa a ser um momento de reavaliação, de depuração pelo aluno de suas próprias hipóteses. Esta reavaliação e depuração é um momento privilegiado para o aprendizado, pois no momento em que revê suas hipóteses, que foram testadas por ele mesmo em seu projeto, fica desafiado, a partir da identificação e análise do seu erro, a elaborar novas hipóteses e novas estratégias para a solução dos problemas. Ele tem o interesse em encontrar a solução para as dificuldades que encontra, pois os objetivos a que deve chegar são definidos por ele mesmo e não impostos por outros. O aluno começa a pensar sobre sua forma de pensar. O programa que desenvolveu em seu projeto, torna-se um espelho dos passos de seu raciocínio, do seu estilo de pensamento na resolução de problemas, o que é positivo tanto para o aprendiz, para um auto-conhecimento, quanto para o facilitador, que deve estar interessado em conhecer o estilo, as estratégias e o nível de desenvolvimento do aluno, a cada passo, para melhor intervir.

Aprendizagem baseada em projetos

Foi citado anteriormente o quanto é fundamental, no Ambiente Logo, a motivação, o interesse e o envolvimento do aluno nas atividades. Porque somente assim esse aluno liberará toda a sua criatividade e iniciativa, que lhe permitirão as interações necessárias para a construção do seu conhecimento. Mas, para estar trabalhando dentro da filosofia Logo de ensino-aprendizagem, dentro do Ambiente Logo, não é imprescindível que se esteja utilizando sempre e exclusivamente a Linguagem Logo de Programação. Se estivermos manipulando outros softwares e sistemas abertos, ou seja, aqueles que permitam ao aluno o desenvolvimento de projetos em diferentes áreas do conhecimento, utilizando para isso sua criatividade e mecanismos internos de construção desse conhecimento e resolução de problemas, também poderemos estar trabalhando, de forma interdisciplinar, segundo a Filosofia Logo, segundo o Construcionismo. Neste caso, é importante que se busque, durante o processo de trabalho, percorrer as etapas normalmente presentes no trabalho com o Logo: descrever a solução do problema, executar no computador, refletir sobre o resultado obtido e depurar se for necessário, para novamente continuar a descrição (Valente, 1993, p. 34).
Para exemplificar, se pensarmos em atividades que objetivem o desenvolvimento da lecto-escrita, os alunos poderiam trabalhar com projetos de criação, redação e leitura de histórias utilizando, entre várias opções:
editores de texto e softwares específicos de edição de histórias;
programação livre com a Linguagem Logo, combinando projetos gráficos com frases e textos, descritivos ou narrativos;
o intercâmbio, através de correio eletrônico, de suas produções, projetos e idéias, entre os próprios alunos participantes das atividades ou também com outros alunos de diferentes localidades;
pesquisa de histórias na Web.
E, da mesma forma, diferentes conteúdos podem ser desenvolvidos através de outros projetos, definidos juntos por alunos e professor, mas a partir das necessidades e interesses dos alunos, utilizando os mais variados recursos computacionais abertos, facilmente encontrados e manipulados hoje, quando se construiu e se está inserido em uma cultura de informática.
Na construção de projetos, professor e alunos se engajam, com uma perspectiva interdisciplinar, numa relação cooperativa de interações e intercâmbios, participando o aluno com todas as suas vivências e conhecimentos anteriores sobre os temas tratados, e o professor ajudando a explicitar os conceitos que vão sendo intuitiva ou intencionalmente manipulados no desenvolvimento dos trabalhos e das nas novas descobertas. E se pensarmos em termos de rede, de Internet, essa parceria na construção de projetos extrapola a relação restrita entre aluno e professor, para ampliar-se sem fronteiras em direção a inúmeras outras interações, fontes, parcerias, convergindo para o que Pierre Lévy chama de aprendizagem cooperativa. Nessa perspectiva, ressalta Lévy que:

"Os professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto os seus saberes ‘disciplinares’ como suas competências pedagógicas."... "A partir daí, a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento."
(Lévy, 1999, p. 171)

Trabalhando desta maneira, o aluno estará utilizando diferentes recursos computacionais e telemáticos, mas dentro de um mesmo paradigma valorizador de suas capacidades e iniciativa. E o computador e a telemática serão utilizados como recursos, ou como um ambiente (em se tratando de Internet), através dos quais esse aluno irá construindo o seu conhecimento. É superada, portanto, a concepção do computador como uma "máquina de ensinar", na qual eram introduzidas informação, para que depois fossem repassadas, "ensinadas", ao aprendiz. Com essa metodologia o aluno aprende "ensinando" o computador, ou seja, criando, desenvolvendo novos projetos, e não é o computador que ensina o aluno.

III – Conclusão

Nosso trabalho, como um programa específico de utilização da informática na Educação Especial, identifica e justifica sua maior relevância principalmente através de diferentes fatores detectados na nossa realidade e comunidade, dos quais destacamos:
o real e acentuado atraso no desenvolvimento global da quase totalidade das pessoas com alguma deficiência que nos procura;
o fato de que não sejam encontrados, nas estruturas educacionais oficiais de nossa comunidade, nem a infra-estrutura de novas tecnologias a serviço da Educação Especial, e, pior ainda, na maioria dos casos, nem mesmo modelos pedagógicos que realmente confiem e apostem nas capacidades e iniciativa do aluno com necessidades educacionais especiais, na construção de seus próprios conhecimentos e de sua autonomia;
os resultados alcançados com o trabalho nesses 7 anos, onde podemos detectar transformações e saltos na qualidade da postura de muitos alunos em relação a sua própria vida, a sua auto-estima, a vivência e valorização de seu processo de aprendizagem e interação com o mundo.
Quanto a resultados, encontramos agora, por exemplo, adolescentes com paralisia cerebral que frequentavam escolas especializadas há vários anos, sem que nunca tivessem conseguido aprender a ler e escrever, e que puderam desenvolver estas habilidades de leitura e escrita a partir do trabalho no Laboratório de Informática. Alguns deles já prestam, inclusive, pequenos serviços de informática para a instituição onde residem e também editam no computador o pequeno jornal do local. Além do desenvolvimento de outras habilidades e conceitos, por diversos outros alunos, como a capacidade de ver as horas, o desenvolvimento do conceito de número, comunicação através da Internet, etc., construidos em função do potencial de cada um.
Em relação a utilização da Internet, percebemos também que esta atividade tem colaborado no aprimoramento da comunicação escrita de alguns alunos, através dos e-mails que são trocados, além de motivá-los a realizarem pesquisas sobre diversos assuntos na rede. Enfim, desenvolveram habilidades que proporcionaram ou facilitaram uma melhor interação com a realidade e o seu meio, e uma maior autonomia na resolução dos próprios problemas.
Para que tudo isso possa ocorrer no trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais, frequentemente é necessário recorrer a diferentes adaptações que facilitem ou mesmo possibilitem o trabalho no computador, principalmente quando se tratam de alunos com alguma deficiência motora ou sensorial. Essas adaptações podem ser órteses, adaptações de hardware ou softwares especiais de acessibilidade. Com a finalidade de possibilitar o acesso ao computador a alunos com um comprometimento motor mais severo, por exemplo, fazemos uso de diversas adaptações e programas especiais de acessibilidade, que tornam o trabalho possível a estas pessoas. É o caso de um aluno nosso, adulto, que nunca havia sido muito estimulado antes, tetraplégico, e que só consegue utilizar o computador através de um programa especial que lhe possibilita transmitir seus comandos somente através de sopros em um microfone. Isto lhe tem permitido agora, pela primeira vez na vida, escrever, desenhar, jogar e realizar diversas atividades que antes lhe eram impossíveis. Da mesma forma, outros alunos fazem uso de outras adaptações, em função das necessidades particulares de cada um.
Todo este caminho aponta para a necessidade de dar prosseguimento e aprofundamento cada vez maior ao trabalho, que, por sua própria metodologia e filosofia, preenche, em nossa comunidade, uma lacuna entre as atividades essenciais para o desenvolvimento e autonomia da pessoa portadora de necessidades educacionais especiais, num mundo que cada vez mais exige do cidadão uma participação ativa e criadora. Mais ainda se todo o trabalho de Informática na Educação Especial, com estes paradigmas propostos, for sendo integrado, com o tempo, em um contexto mais abrangente de Escola Inclusiva.


REFERÊNCIAS

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Ed. 34, 1999.

MENEZES, Sulamita Ponzo de. Logo e a formação de professores: o uso interdisciplinar do computador na educação. São Paulo, ECA/USP, 1993.

PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.

VALENTE, José Armando. (Org.), Liberando a mente: computadores na educação especial. Campinas, UNICAMP, 1991.

________. Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas, UNICAMP, 1993.