quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Os reais motivos pelos quais fazemos sexo

Pássaros, abelhas, chimpanzés, humanos - todos nós fazemos, mas poucos percebem que a reprodução sexual no começo evoluiu em criaturas bem diferentes de nós.
Então quais eram essas criaturas e como tudo começou?
A alvorada da reprodução sexual sempre foi um quebra-cabeça para cientistas. Hoje, 99% das criaturas multicelulares - os grandes organismos que conseguimos ver - se reproduzem sexualmente. Todos possuem seus mecanismos específicos, mas por que esse processo evoluiu é um tema cheio de mistério.
Até para Charles Darwin, o pai da evolução, o sexo era algo confuso. Ele escreveu em 1862: "Não sabemos nem de longe a causa final da sexualidade; por que novos seres devem ser produzidos pela união de dois elementos sexuais. Todo o assunto está cercado de escuridão."
Muitas espécies são totalmente envolvidas no sexo e fazem de tudo para conseguir um parceiro. O bowerbird macho, ou pássaro-pavilhão, constroi ninhos incríveis para impressionar as fêmeas.
A fêmea de um verme ilumina a cauda para impressionar o macho. Até o perfume produzido por uma flor é simplesmente um truque para atrair insetos que irão coletar pólen e fertilizar plantas vizinhas.
Mesmo com toda essa diversidade, todos os organismos que se reproduzem sexualmente seguem a mesma rotina - dois membros da mesma espécie combinam seu DNA para produzir um novo genoma.
É um mecanismo simples de corta-e-divide, algo que todas as bactérias, a maioria das plantas e até alguns animais fazem.Antes de o sexo evoluir ao que é hoje, a reprodução era feita de forma assexuada, o que, basicamente, é a divisão celular - um organismo se parte no meio e forma dois.
O mecanismo de reprodução assexuada é muito mais eficiente e menos bagunçado do que a reprodução sexual. Uma espécie assexuada não precisa perder tempo e energia procurando e impressionando um parceiro: seus indivíduos apenas crescem e se dividem em dois. Compare com o complicado e às vezes perigoso processo de atrair um parceiro para reprodução sexual.
pássaro-pavilhãoImage copyrightALAMY STOCK PHOTO
Image captionO pássaro-pavilhão constroi ninhos incríveis para impressionar as fêmeas
E há outros custos óbvios do sexo. Juntar pedaços de genomas separados requer um processo diferente - um ovo precisa ser fertilizado. Significa que cada genitor transmite apenas metade de seus genes à cria.
Pais assexuados, em contraste, produzem crias que basicamente são suas cópias - o que parece uma abordagem boa para um mundo em que nos dizem que nossos genes egoístas querem garantir sua sobrevivência.
Considerando isso tudo, por que tantas espécies encaram esse longo e tortuoso caminho da reprodução sexual, quando há uma rota mais simples? O sexo precisa oferecer alguma vantagem evolutiva que supere as desvantagens.

Compartilhar recursos

Em 1886, o biólogo evolucionista August Weismann sugeriu a existência de uma vantagem. Argumentou que a reprodução sexual reembaralha os genes para criar "diferenças individuais" sobre as quais a seleção natural atua.
Em linhas gerais, o sexo seria uma oportunidade para dois organismos da mesma espécie compartilharem recursos.
Algumas de suas crias carregarão uma mistura benéfica de genes dos dois pais, o que significa que irão responder melhor a perturbações ambientais que deixariam espécies assexuadas em apuros.
organismosImage copyrightALAMY STOCK PHOTO
Image captionAlguns organismos se dividem ao meio para formar outros dois
O sexo pode até acelerar o ritmo da evolução - uma vantagem óbvia quando as condições ambientais também mudam rapidamente.
Prova definitiva desses benefícios veio de estudos que modificam espécies de reprodução assexuada para se reproduzir sexualmente. Organismos unicelulares primitivos passam bem apenas com reprodução assexuada, mas se o estresse das condições ambientais for alto, podem se tornar espécies sexuais.
Perturbações ambientais podem ser qualquer coisa, de uma pequena mudança no clima a um impacto de meteoro.

Procurando o começo

A origem da reprodução sexual é um mistério há muito tempo porque observamos o mundo como é agora, onde muitos organismos assexuados se desenvolvem bem, e alguns organismos que podem se reproduzir das duas maneiras ainda parecem se inclinar pela reprodução sem sexo.
Alguns destes organismos incluem levedura, caramujo, estrela-do-mar e pulgão.
Mas o método de reprodução que as espécies escolhem depende das circunstâncias do ambiente que as cerca - a maioria se reproduz sexualmente apenas em tempos de estresse e seguem assexuadamente no restante do tempo.
O mundo primitivo, no entanto, era um lugar mais inóspito, com mudanças ambientais muito rápidas. Sob essas circunstâncias, altas taxas de mutação poderiam ter, sob condições determinadas, forçado um organismo assexuado a se tornar sexuado.
Fósseis podem nos dizer mais sobre a origem da reprodução sexual, mas são escassos e difíceis de achar, então é complicado afirmar exatamente o que ocorreu. Chris Adami, da Universidade de Michigan (EUA) olha para esse processo teoricamente.
Adami explica que pode analisar a evolução em termos de informação - as coisas que você precisa saber para sobreviver. Evolução é sobre "preservação e aquisição de informação - quanto mais sabe melhor você é", afirma.
zebrasImage copyrightVIVIEN MARY CUMMING
Image captionZebras dando tempo necessário à reprodução

Aprendizado genético

Ou seja, é um processo de "aprendizado": um organismo "aprende" nova informação e transmite essas lições (pelo DNA) para a nova geração para ajudá-la a sobreviver.
O sexo permite que isso ocorra de modo mais eficiente, oferecendo um jeito mais fácil para espécies "lembrarem" de informações úteis - está codificado em seus genes.
Isso ocorre porque o processo envolve a escolha de um parceiro sexual que já atingiu a maturidade sexual fazendo boas escolhas. Sexo significa escolher um bom parceiro e um bom futuro para suas crias.
"Aquisição e manutenção de informação são necessárias para a evolução funcionar - lembrando o velho e imaginando o futuro."
Esse elemento de escolha ajuda a explicar outro quebra-cabeça: por que precisamos de machos? Se apenas metade de suas crias - as filhas - vão de fato procriar, porque a evolução se preocupou com filhos?
A solução de Darwin para o "mistério do macho" foi sugerir que a seleção natural não seja a única pressão evolutiva em ação no sexo. Haveria algo que Darwin chamou de seleção sexual: a preferência de um sexo por certas características em indivíduos do outro sexo.
Estudo publicado em 2015 descobriu que competir para reproduzir é vital para machos, e escolher entre esses machos em competição é vital para fêmeas. Seleção sexual pela existência de dois sexos mantém a população saudável e a protege contra extinção.
céuImage copyrightVIVIEN MARY CUMMING
Image captionMudanças nos padrões climáticos afetam a evolução das espécies
Também ajuda a manter variação genética positiva numa população. Quando compete com rivais e atrai parceiros na luta pela reprodução, um indivíduo precisa ser bom na maioria das coisas, então a seleção sexual fornece um filtro importante e efetivo para manter e aprimorar a saúde genética da população.
Os achados contribuem para explicar o motivo pelo qual o sexo continua a ser um mecanismo dominante para procriação e dita quem consegue reproduzir seus genes nas gerações seguintes.

Pioneiros no sexo

O sexo é uma força evolutiva poderosa e disseminada, mas quando essa prática evoluiu e quais criaturas foram as primeiras a adotá-la?
A maioria das pessoas racionais aceita a teoria da evolução, segundo a qual humanos se desenvolveram de um ancestral comum que dividimos com macacos, que evoluíram de organismos ainda mais primitivos. Esses pensamentos remontam a 1871, quando Darwin publicou A Origem do Homem e a Seleção Sexual.
solImage copyrightVIVIEN MARY CUMMING
Image captionA Terra pimitiva era um ambiente muito mais hostil do que hoje
A evolução do sexo como o conhecemos pode remeter a um passado mais distante do que nossos ancestrais primatas. Vai até um peixe primitivo denominado Microbrachius dicki.
"Microbrachius" significa "pequenos braços", mas cientistas descobriram a utilidade dessas estruturas apenas recentemente. Eles possuem pequenas ventosas, e análises dos fosseis mostraram que as fêmeas tinham pequenas estruturas que se associavam a esses braços, como velcro. Os braços, portanto, estavam envolvidos em alguma forma de reprodução sexual.
Não qualquer forma. Esses peixes foram os vertebrados mais antigos que se reproduziam por fertilização interna, como os humanos. Também foram as primeiras espécies a mostrar o que biólogos chamam de dimorfismo sexual: machos e fêmeas são diferentes nesse sentido.
A maioria dos peixes hoje se reproduz lançando ovos e esperma fora do corpo. Pesquisadores não sabem ao certo por que o M. dicki desenvolveu um sistema interno de fertilização, mas o fato é que isso pavimentou o caminho para a forma mais comum de reprodução sexual.
Para entender a origem real da reprodução sexual, no entanto, é preciso voltar ainda mais no tempo.
Sabemos que todos os organismos que se reproduzem sexualmente derivaram de um ancestral comum, então é uma questão de analisar as pistas reunidas em um fóssil para saber quando e onde esse ancestral viveu.
abelhasImage copyrightVIVIEN CUMMING
Image captionQual é a história real de pássaros e abelhas?
Em rochas na região ártica do Canadá estão as pistas que cientistas buscam. Essas rochas foram depositadas há 1,2 bilhão de anos e contêm fósseis que nos contam da primeira reprodução sexual.
Um fóssil chamado Bangiomorpha pubescens é um organismo multicelular que se reproduzia sexualmente, a ocorrência mais antiga encontrada em um fóssil. B. pubescens não era um peixe nem um animal. Era um tipo de alga vermelha, marinha - uma alga marinha foi, portanto, o primeiro organismo a fazer sexo.
Evidências de que esses fósseis se reproduziam sexualmente estão na descoberta de que os esporos ou células reprodutivas que os geraram vinham em duas formas - macho e fêmea. Hoje sabemos que algas vermelhas não possuem esperma que nadam. Apostam em correntes para transportar suas células reprodutivas, e vêm fazendo isso nos últimos milhões de anos.
Algas vermelhas são um dos maiores e mais antigos grupos de algas, com cerca de 5 mil a 6 mil espécies de algas marinhas multicelulares, entre elas algumas conhecidas.
São um grupo muito diverso, que permaneceu parecido durante 1,2 bilhão de anos. Essa longevidade significa que podem ser descritos como "fósseis vivos" - são uma lembrança do passado e de nossas origens.
O ambiente hostil e em constante mudança em que o B. pubescens viveu pode ter motivado o sexo a evoluir.
Galen Halverson, da Universidade McGill, no Canadá, explica: "Em relação ao clima, parece que fósseis de Bangiomorpha pubescens apareceram na mesma época em que um equilíbrio de milhões de anos no ambiente chegava ao fim. Houve grandes perturbações nos ciclos de carbono e oxigênio naquele momento, sugerindo mudanças ambientais significativas."
Naquele momento, o sexo foi fundamental para o sucesso e a evolução subsequente de organismos multicelulares.
Esses fósseis, portanto, marcam avanços significativos na evolução da vida.
"As conexões entre reprodução sexual, multicelularidade, oxigenação e o ciclo global do carbono permanecem nebulosas, mas é difícil não supor que esses eventos estejam intimamente ligados", afirma Halverson.
Estudar essas rochas para entender o tipo de ambiente que permitiu a evolução do sexo e, por consequência, a origem da multicelularidade em nosso planeta ajuda a entender nosso passado e de onde viemos, mas também o potencial de evolução da vida em outros planetas.
É estranho imaginar que algas tenham sido o "motor" dessa "revolução" sexual, mas tais desenvolvimentos evolutivos, há 1,2 bilhão de anos, pavimentaram de fato o caminho para a vida na Terra como a conhecemos.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/vert-earth-37173711?ocid=socialflow_twitter

domingo, 14 de agosto de 2016

A era de ouro da liberdade está em risco

Nunca como atualmente, foi tão fácil e tão barato para tantas pessoas manifestar suas opiniões a grandes comunidades; mas, ao mesmo tempo, em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, por métodos antigos e modernos, contrariar o gosto ou o interesse de poderosos talvez nunca tenha sido tão perigoso
o século 21 tem sido um período de grandes ameaças à liberdade de expressão e de imprensa, embora ele também seja a época em que mais oportunidades foram abertas para que qualquer indivíduo, mesmo sem recursos materiais, possa manifestar suas opiniões publicamente.
Até 25 anos atrás, quem quisesse transmitir seus pontos de vista para grandes grupos de pessoas precisava de capital, ou político ou econômico, para ter acesso à imprensa, ao radio e à TV.
Com a internet, multiplicaram-se sites, blogs e mídias sociais em que não é necessário dinheiro nem prestígio para disseminar, às vezes para multidões, os pensamentos que se deseje.
Mas também aumentam as formas de censurar, reprimir, intimidar os que transmitem conteúdo que desagrade a poderosos.
As fórmulas vão desde as mais antigas, como o exercício do poder do Estado contra os que se opõem aos seus detentores, como se tem observado na Rússia, China, Turquia ou, perto de nós, na Venezuela e em Cuba.
Nada de novo nesses casos, exceto a maior sofisticação tecnológica para o exercício da censura, como se nota, por exemplo, na China, onde o governo consegue impedir o uso até mesmo de corriqueiros instrumentos de busca na internet.
Uma variante do poder do Estado contra a imprensa aparece quando o chefe de um deles aciona outro para castigar alguém que o aborreça, como fez o turco Recep Tayyip Ordegan, que obteve da democrática Alemanha sanções contra um humorista que o irritou com suas críticas em palcos alemães.
O extremismo religioso tem exercido sua intolerância da maneira mais radical e covarde contra aqueles de quem seus praticantes divergem ou consideram blasfemos, como no atentado contra oCharlie Hebdo na França, na execução de correspondentes pelo ISIS (ou Estado Islâmico) no Iraque e nos assassinatos de jornalistas por grupos terroristas islâmicos na Síria e na Líbia.
O narcotráfico e o crime organizado continuam a ameaçar, ferir e matar jornalistas em vários países, como o México, frequentemente com a conivência da omissão ou dos aparatos de segurança do Estado.
Nos Estados Unidos avolumam-se episódios preocupantes. O blog Gawker foi à falência depois de perder ação judicial movida por uma celebridade da TV que alegou ter tido sua privacidade violada e que foi financiada com milhões por um empresário do Vale do Silício interessado em vingar-se do veículo, que anos antes revelara sua homossexualidade.
O Facebook está tendo de se defender de políticos conservadores que o acusam de ser tendencioso na seleção de suas “principais histórias”, embora elas sejam escolhidas por ferramentas estatísticas.
E o pior ainda pode estar por vir nos Estados Unidos se Donald Trump se eleger presidente: como candidato, ele já vem restringindo o acesso de veículos de que não gosta a seus eventos e constrangendo sistematicamente com ofensas jornalistas de quem discorda.
No Brasil, más notícias também proliferam. Delegados da Polícia Federal que participam da Operação Lava Jato processam o jornalista Marcelo Auler porque não gostaram do teor de alguns comentários em seu blog, os quais querem retirar do ar, e mais: tentam proibi-lo de veicular textos “com conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo”.
Juízes e promotores do Paraná movem ações em diversas cidades contra repórteres do jornalGazeta do Povo que revelaram fatos verdadeiros sobre seus salários. Os processos simultâneos obrigam os jornalistas e a empresa que edita o diário a deslocamentos custosos e desgastantes, em claro ato intimidatório.
Esses fatos demonstram como é frágil o atual estado da liberdade de expressão e de imprensa no mundo, o que traz preocupações graves sobre o futuro da democracia.

Texto reproduzido da edição abril/maio/junho da Revista de Jornalismo ESPM