segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A leitura como aventura e paixão

O professor nunca deve proibir um livro. Mesmo que a obra seja ruim ou inadequada, a missão do educador é fazer o aluno entender os motivos disso

O romance de Ray Brad-bury, Fahrenheit 451, publicado em 1953, fala-nos de um futuro em que opiniões pessoais e o pensamento crítico são considerados coisas perigosas e no qual todos os livros são proibidos e queimados: o número 451 do título refere-se à temperatura (em graus Fahrenheit) na qual o papel pega fogo. Trata-se, obviamente de ficção, mas houve momentos em que essa ficção expressou a realidade. A censura acompanhou como um sombrio espectro boa parte da história da humanidade. O próprio termo “censor”, que é latino, data do século quinto antes de Cristo, quando o Império Romano delegou a funcionários a tarefa de moldar o caráter das pessoas. Mas não só em Roma acontecia isso; na Grécia clássica, em 399 a.C., o filósofo Sócrates foi condenado à morte por difundir entre jovens ideias consideradas perigosas. Desde então, não foram poucos os regimes totalitários que prenderam ou mataram aqueles que ousavam contestá-los.

A partir da invenção da imprensa, por Johannes Gutenberg, no século XV, o livro impresso passou a ser um alvo preferencial nesse processo. Já em 1559, a Igreja estabelecia o Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros que os fiéis não podiam ler, e que teve mais de 20 edições, antes de ser definitivamente suprimida em 1966. As autoridades civis exerciam poder semelhante; em 1563, o rei Carlos IX, da França, baixou decreto estabelecendo que nenhuma obra podia ser impressa sem permissão do rei. Nos séculos que se seguiram, e sob várias formas e pretextos, livros foram proibidos e até queimados, como aconteceu na Alemanha nazista. Os motivos, ou pretextos, eram de várias ordens: morais, políticos, militares. Nos Estados Unidos, em vários lugares e por várias instituições, foram censurados livros como Chapeuzinho Vermelho (numa das versões a menina oferece vinho para a sua avó), Alice no País das Maravilhas (os animais falam com linguagem humana), a coleção Harry Potter (supostamente promove bruxaria). Numa época, direções de escolas no Rio Grande do Sul proibiram os livros de Erico Verissimo, porque achavam ser imorais.

No Brasil, tivemos um período de censura severa, quando do regime autoritário (1964-1985). As razões apresentadas não raro beiravam o ridículo; numa exposição de “material subversivo” apreendido em Porto Alegre, havia um livro com a seguinte legenda: “Obra esquerdista em chinês”. Era uma Bíblia em hebraico. Mais recentemente, e nas escolas, surgiram problemas com livros que narravam cenas de sexo e de violência, às vezes selecionados por técnicos da área educacional. Por outro lado, sabemos que a disseminação da pornografia e da violência é cada vez mais frequente. E isso sem falar na questão do politicamente correto, que procura evitar palavras ou expressões potencialmente ofensivas a grupos étnicos ou religiosos, ou a opções sexuais. Pergunta: o que devem fazer os pais e educadores diante dessa situação?

Creio que uma expressão consagrada pela saúde pública aqui se aplica perfeitamente: é melhor prevenir do que remediar. E isso por uma simples razão: é tão grande o volume de informações atualmente disseminadas, não só por livros, mas também pela internet, por vídeos, pela própria tevê, que é impossível evitar o acesso de crianças e jovens a esse material. O melhor é prepará-los para que possam identificar os potenciais riscos que estão ocorrendo. Mas há um aspecto adicional. Esses riscos não são como os do fumo ou das drogas, substâncias sempre nocivas, e que, em qualquer dose, envenenam o organismo. O material veiculado pelos meios de comunicação pode se transformar numa fonte de aprendizado. É como vacinar uma pessoa: ela é inoculada com germes inativos e seu organismo preparará anticorpos que vão defender essa pessoa de doenças. Isso exige um estreitamento dos laços entre pais e professores, de um lado, e os jovens de outro. No caso da tevê, por exemplo, é muito bom que o pai ou a mãe sente ao lado da criança e converse com ela sobre o que aparece na tela. Também é muito bom que os pais leiam para os filhos quando esses ainda são pequenos. Isso, além de introduzir a criança ao mundo dos livros, representará um vínculo emocional que persistirá por toda a vida. O menino e a menina associarão o livro à imagem protetora do pai ou da mãe.

Em relação à escola, vale o mesmo raciocínio. Quando um jovem me pergunta que livros deve ler, respondo: “Em primeiro lugar, aqueles que os professores indicam; eles conhecem o assunto, eles têm condições de fazer boas recomendações”. Mas nunca digo que o jovem não deve ler tal ou qual obra, tal ou qual autor. Meu aprendizado como leitor passou por livros que depois considerei tolos ou ruins. Mas isso foi útil para que eu pudesse aprender a formar o meu juízo crítico. Na leitura, a gente avança pelo método de tentativa e erro, de aproximações sucessivas.

Em resumo, proibir ou censurar, não. Recomendar, debater, ensinar, sim. Vivemos num mundo cheio de imperfeições e perigos, e o que podemos fazer com nossos filhos e alunos é ensiná-los a navegar por esse mar turbulento, em navios cujas velas são as páginas da grande literatura. Ler é aventura, ler é paixão.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O Universo Infantil, a Literatura e as Novelas Filosóficas

1. O universo infantil – a importância do lúdico

A imagem da criança é sempre um mundo de encantamento e mistério. Freqüentemente nos perguntamos: o que será que essas criaturinhas pensam? Será que verdadeiramente nos entendem? Será que as entendemos? Inúmeras vezes nos surpreendemos com as relações inusitadas que elas fazem.

Algumas dessas relações, consideramos manifestação de brilhantismo intelectual dos nossos pupilos e, outras, pura ingenuidade que nos faz rir durante meses ou anos. Muitas vezes, guardamos registradas na memória essas proezas para aborrecê-los quando adolescentes.

A intriga diante do universo infantil mobilizou pesquisadores e fez nascer teorias valiosas sobre o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança. Dentre essas pesquisas, não podemos negar as contribuições de Piaget ou Vygotsky no campo da psicologia cognitiva. E à psicanálise devemos inúmeras contribuições nos estudos sobre as relações entre a imaginação e a formação da identidade da criança.

Esses estudos permitiram aos educadores e à pedagogia reavaliar o uso dos recursos utilizados na escola, como os jogos, brincadeiras e as histórias infantis. Brincar e contar histórias ganharam novos significados que ultrapassam a idéia de deixar os pequenos intrigados e sossegadinhos por um bom período de tempo.

Constatamos que as brincadeiras e histórias desempenham um papel fundamental no desenvolvimento afetivo e cognitivo das crianças.

Os estudos sobre o jogo infantil possibilitam identificar a construção da função simbólica que se faz através da representação e permite destacar o pensamento da ação.

Segundo Vygotsky, na brincadeira os objetos perdem sua força determinadora sobre o comportamento da criança, pois a ação, numa situação imaginária, ensina a criança a dirigir seu comportamento não apenas pela situação que a afeta de imediato, mas pelo significado destas situações.

A brincadeira fornece um estágio de transição em direção à representação. A chave da função simbólica é a utilização dos objetos como signos e a possibilidade de executar com eles ações representativas.

Na brincadeira, o que é regra torna-se desejo e fonte de prazer, o que no futuro, segundo Vygotsky, constituirá o nível básico da ação e da moralidade.

O desenvolvimento da imaginação associa-se diretamente à aquisição da linguagem, que possibilita à criança imaginar um objeto que ela nunca viu antes, ou seja, a criança aprende a separar-se da ação real através de outra ação,desenvolvendo a vontade, a capacidade de fazer escolhas conscientes e operar com situações que levam ao pensamento abstrato. A ação na esfera imaginativa, numa situação de faz-de-conta, permite a criação da intenção voluntária, de planos de vida real e do que se quer ou se quer ser.

O contato com o lúdico, com o jogo, com o faz-de-conta, neste caso, ultrapassa a idéia de diversão e entretenimento e revela sua importância no desenvolvimento do pensar da criança.

Trabalhando com o Programa Filosofia para Crianças – Educação para o Pensar, não podemos negligenciar a importância do jogo simbólico no universo da criança, o que não significa condicionar as aulas de filosofia às brincadeiras, mas favorecer a transição do pensamento concreto ao abstrato, da imaginação à vontade consciente de suas intenções e implicações.

2. A literatura infantil e as novelas filosóficas

Dada a importância do jogo simbólico no desenvolvimento da criança, não podemos deixar de falar sobre a importância que a literatura infantil tem adquirido na educação.

Se tomarmos o uso e a função da narrativa no universo mítico entre os povos primitivos, devemos reconhecer que o homem se relaciona com o mundo que o cerca, antes pela emoção do que pela razão. No mito há uma tentativa de familiarizar-se com o desconhecido como forma de explicá-lo, ou melhor, acomodá-lo. Não há uma separação entre o natural e o sobrenatural, entre o real e o fictício, entre o eu e outro. Tudo se relaciona ao todo numa esfera de representação simbólica que reflete os anseios, os medos e desejos comuns à humanidade.

Frutos dessa consciência mítica, os contos maravilhosos, as fábulas, as lendas estavam longe ser literatura para crianças. Tratava-se de um conjunto de histórias derivadas das tradições de diversos povos, principalmente os orientais. Tais histórias estavam ligadas aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional, ao eterno conflito entre o eu e o outro, entre o bem e o mal, o vício e a virtude. A função simbólica destas formas de narrativa permitiu que povos diversos as reconhecessem como um valioso instrumento de persuasão moral ou de legitimação de valores e regras.

A descoberta da racionalidade científica afastou o homem adulto do elemento fantástico. A essa fase mágica, já permeada pela preocupação crítica com a realidade, correspondem às fábulas. Nestas, os animais representam os vícios e virtudes que caracterizam os homens. Compreende-se, então, porque essa literatura acabou se transformando em literatura infantil, embora tenhamos que admitir que as forças da fantasia, do sonho, da imaginação ainda nos fascinam e a indústria cultural sabe bem disso.

Podemos assim, de certa forma, afirmar que tanto na infância da humanidade como na infância propriamente dita, se manifesta uma consciência a-histórica, pois se compreende a vida no presente. Existe aí a diferença entre o viver uma coisa e conhecer uma coisa, entre a certeza imediata derivada da intuição e o conhecimento que resulta da experiência intelectual ou da técnica experimental.

Para comunicar a primeira são adequadas as comparações, os símbolos, as imagens; para as últimas são adequadas as leis, os conceitos, os esquemas. Assim torna-se fácil entender porque a literatura foi usada, desde suas origens, como instrumento de transmissão de valores, assim como é fácil compreender porque essa literatura foi adaptada para as crianças.

Se considerarmos que os valores e padrões sociais, culturais, políticos são essencialmente abstratos, temos que considerar que dificilmente seriam compreendidos por mentes propensas a conhecer através de emoções e experiências concretas. A linguagem literária é a linguagem da representação que pode concretizar o abstrato através de comparações, imagens, símbolos e alegorias. Desde o início da história da humanidade essa capacidade de representação tem sido a mediadora entre a capacidade de percepção intelectual e o amadurecimento da inteligência reflexiva.

Segundo os psicanalistas, o maravilhoso sempre foi e continua sendo um dos elementos mais importantes na literatura infantil. Há na estrutura dos contos de fadas elementos que revelam um maniqueísmo entre o bem e o mal, o belo e o feio, o poderoso e o fraco que facilita às crianças a compreensão de certos valores que regem nossa sociedade; todavia, cabe a cada sociedade decidir o que é bom ou mau, feio ou bonito, justo ou injusto. Ora, se efetivamente queremos considerar as crianças como agentes ativos e transformadores da sociedade, temos que pensar em formas de favorecer a reflexão sobre esses valores, aí a importância de se diferenciar os diversos gêneros da literatura infantil do que denominamos “novelas filosóficas” no Programa de Filosofia para Crianças.

Comecemos com a fábula: podemos dizer que é uma narrativa de natureza simbólica de uma situação vivida por animais, que alude a uma situação humana e tem por objetivo transmitir certa moralidade. Seus personagens são sempre símbolos, representam algo num contexto universal, como o leão símbolo de força ou a raposa símbolo de astúcia.

Afirma La Fontaine “Sirvo-me de animais para instruir os homens... Procuro tornar o vício ridículo por não poder atacá-lo com o braço de Hércules... Uma moral nua provoca tédio: O conto faz passar o preceito com ele, nessa espécie de fingimento é preciso instruir e agradar.”

A lenda é uma narrativa cujo argumento é tirado da tradição. Consiste num relato onde o maravilhoso e o imaginário superam o histórico.

Os contos maravilhosos caracterizam-se por personagens que possuem poderes sobrenaturais que, contrariando as leis, sofrem metamorfoses, defrontam-se com as forças do bem e mal, sofrem profecias que se cumprem, são beneficiadas com milagres; enfim, as narrativas decorrem do mundo da magia onde tudo escapa às limitações e contingências da vida humana e se resolve por meios sobrenaturais.

Os contos de fadas, de origem celta, falam-nos de heróis cujas aventuras estavam ligadas aos mistérios do além e visavam à realização do interior humano, daí a presença da fada, cujo nome vem do verbo latino “fatum” que significa destino. A fada exerce um fascínio especial entre as crianças, pois encarna a possibilidade de realização de sonhos ou desejos.

Os contos exemplares são narrativas breves muito freqüentes na literatura infantil. Registram situações retiradas do cotidiano e encerram uma moralidade, que se institui como exemplo de conduta. Trocam o fantástico pelo realismo.

Os contos jocosos são da mesma natureza que os contos exemplares: narrativas breves e centradas no cotidiano. Diferenciam-se apenas na comicidade, aproximam-se das anedotas, porém possuem uma intencionalidade crítica mais contundente.

Outra forma bastante explorada na literatura infantil são os chamados contos acumulativos. Pequenas histórias encadeadas, muito populares e divertidas, que podem apresentar um desafio à articulação da fala.As crianças geralmente os encaram como um jogo.

Aqui há uma seleção de apenas alguns elementos que compõem as principais formas da narrativa presentes na literatura infantil através de um recorte didático. No entanto, é preciso considerar que a obra é um todo e que essa análise só ganha sentido quando estamos empenhados em conhecer a essência e valor de cada gênero para os objetivos que queremos atingir. Não é possível negar a riqueza da literatura infantil e não considerar sua importância para a formação moral e a construção da identidade da criança. Não resta dúvida de que a literatura infantil não só pode, mas deve estar presente na escola.

Mas será que as principais formas de narrativa comuns na literatura infantil atenderiam aos objetivos do Programa de Filosofia para Crianças?

Poderíamos utilizar todo e qualquer texto narrativo para quaisquer objetivos?

A fim de responder essas questões, seria importante perguntar: com quais finalidades Matthew Lipman, criador do Programa de Filosofia para Crianças, utiliza as “novelas filosóficas” para iniciar as crianças no trabalho de investigação filosófica? Por quê novelas?

Há três formas básicas para o gênero narrativo: o conto, a novela e o romance. Abordarei apenas as características essenciais do conto e da novela, pois são os gêneros que nos interessam de imediato.

O conto, gênero mais utilizado na literatura infantil, corresponde a um fragmento de vida, a um momento significativo que permite ao leitor intuir o todo ao qual aquele fragmento pertence. Tudo no conto é condensado: a história se desenvolve em torno de uma única ação ou situação.

A novela é uma longa narrativa estruturada por várias pequenas narrativas. Essa estrutura permite uma visão de mundo mais complexa que não aponta para um centro principal; daí os diversos acontecimentos se apresentarem independentes e válidos em si. A compreensão do universo como algo heterogêneo e multiforme, onde coisas díspares acontecem ao acaso, corresponde a uma estrutura também heterogênea.

Ora, essa heterogeneidade e a diversidade de situações permitem ao leitor avaliar, comparar e buscar critérios para a solução de problemas ou para seus juízos, alargando o campo conceitual e valorativo.

Mas qual a relação entre a novela, enquanto gênero narrativo, e a filosofia?

Segundo Lipman, a filosofia deve estimular o uso de ferramentas que permitem a reflexão, tais como: o conhecimento dos princípios que sustentam nossas crenças e o reconhecimento dos limites desses princípios, a possibilidade de opor, comparar, aprofundar a investigação considerando múltiplas situações e pontos de vista.


Como fazer esse trabalho com crianças distantes do universo abstrato dos conceitos? Tornando a filosofia constante busca de significados na experiência concreta e cotidiana. O desafio é conciliar as regras da razão com a imaginação criadora de novos significados.

“Geralmente as crianças têm curiosidade sobre o mundo e essa curiosidade se satisfaz parcialmente com as informações factuais e explicações que lhes dêem sobre as causas ou propósitos das coisas. Mas às vezes as crianças querem mais. Querem interpretações simbólicas e não só interpretações literais.

Para isso voltam–se para os jogos, para os contos de fada, para o folclore... Por outro lado, a literatura infantil geralmente é escrita para crianças em vez de pelas crianças... Ao contar uma história devemos saber o que estamos fazendo. O conto de fadas é cativante e sedutor. Ele fascina os ouvintes e encanta desde as primeiras palavras “era uma vez”. Encontramos muito prazer na criatividade com que nos expressamos nessas histórias. Mas será que ao imaginar por elas não estamos privando as crianças da sua imaginação? Se os adultos devem escrever para crianças, deveriam fazê-lo só o necessário para liberar seus poderes literários e imaginativos” (Lipman, A filosofia na sala de aula, p. 59 e 60)

Há pistas aqui para pensarmos que as novelas filosóficas não são apenas algumas estorinhas que servem como pretexto para o diálogo entre crianças, mas sim textos que se abrem ao leitor enquanto reflexão e imaginação.

Nesse caso, não é qualquer forma de narrativa que serviria às finalidades do Programa de Filosofia para Crianças. A narrativa deve atender a uma multiplicidade de visões ou situações que permitam o diálogo entre a obra e o leitor e, posteriormente, entre os leitores que devem recriar e criar o seu pensar em uma comunidade investigativa. As interpretações simbólicas devem criar significados e os significados devem ser multiplicados e analisados pelas ferramentas da razão.

Isso não significa descartar a importância da imaginação no desenvolvimento da criança e torná-las pequenos gênios insuportáveis, mas oferecer uma obra aberta que permita às crianças pensar suas representações e criar soluções para os enigmas que aparecem através de um esforço racional que deve levar em conta a afetividade e o desejo.
Vejamos como isso acontece com a novela “Rebeca” de Ronald Reed: temos na novela elementos presentes no imaginário das crianças, oriundos dos contos de fadas: sapos e príncipes, elefantes que voam, transformações, magia, etc.

O formato da narrativa que pode encantar ou fazer rir, busca problematizar. Realidade e ficção são colocadas sob o prisma da investigação, não há de antemão o certo e o errado, o falso e o verdadeiro, o feio e o bonito. O narrador não só conta, mas pergunta. Chama os leitores ou ouvintes ao diálogo. Desconhece a solução, mas a busca. É essa busca que caracteriza a filosofia e é essa ânsia da busca que queremos incentivar nas crianças.

Por isso temos que escolher criteriosamente os meios para que possamos alcançar os fins que desejamos. O maniqueísmo presente nos contos de fada e a estrutura coesa dos contos infantis podem inserir nossas crianças no universo dos valores e da cultura, podem favorecer o senso estético pela riqueza ou unidade da obra, mas nem sempre são boas ferramentas de problematização e investigação.

Referências Bibliográficas

COELHO, Nelly Novaes. A Literatura infantil: história, teoria e análise. 4ª Edição, São Paulo, Quirom, 1987.

LIPMAN, Matthew. A Filosofia na sala de aula. São Paulo, Nova Alexandria, 1994.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos. L S Vygotsky: algumas idéias sobre o desenvolvimento e jogo infantil. In: Revista Idéias, FDE, 2ª Edição, 1994. Série Idéias, Vol II.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984.

Pensamento e Linguagem, São Paulo, Martins Fontes, 1993.

domingo, 21 de novembro de 2010

Inclusão Social e Vida Independente: o Papel da Tecnologia

"Se para a maioria das pessoas a tecnologia torna a vida mais fácil, para as pessoas com deficiência a tecnologia torna as coisas possíveis." Mary P. Radabaugh.

O que significa ter “vida independente” em uma sociedade produtiva e caracterizada, dentre outros atributos, como a “Sociedade da Informação”?Uma das respostas possíveis a esta pergunta tão abrangente é: levar uma vida com autonomia significa poder fazer escolhas em todas as esferas da vida, desde a roupa que quer vestir, a comida que deseja comer até exercer seu papel na sociedade. Segundo a concepção atual – denominada “modelo social da deficiência”- a incapacidade não está nas pessoas, mas, sim, decorre dos obstáculos existentes nos ambientes físico e humano que as rodeiam. A sociedade pode “deficientizar” mais ou menos uma pessoa, ao promover condições de acessibilidade – ou não.

A vida independente é viabilizada pela prestação de serviços e pela tecnologia assistiva, que pode significar a diferença entre dependência e independência, tão bem sintetizada por Mary P. Radabaugh, na citação inicial.

A tecnologia, no sentido mais amplo do termo, também alcança as pessoas com deficiência, tornando sua vida possível, independente, digna e cidadã, objetivos pelos quais todos lutamos.

Informação

Para que a tão sonhada vida independente seja realidade, um pré-requisito básico é ter acesso à informação, que pode ser definida como o conhecimento que dá forma a uma ação. Portanto, deve ser atualizada, completa e vir de fonte confiável.

Mas, apenas dispor de informações não basta: é preciso que elas circulem, gerando atitudes, estimulando tomadas de decisões e agregando outras informações. É o caráter dinâmico que a caracteriza.

As informações circulam nos mais variados suportes, que cada vez mais se entrelaçam: jornais, rádios, televisão, Internet, redes sociais, celular e outros, quase que “exigindo” de nós uma atualização constante, um constante aprender de novos termos, botões e teclas. “Interatividade” e “conectividade” são palavras “da hora”.

É preciso, portanto, saber produzir, armazenar e onde buscar o conhecimento, que cresce e se modifica a cada instante. Somos “bombardeados” por dados, informações e notícias, incessantemente. Como separar e identificar o que é necessário para nosso consumo? Como administrar de forma eficiente o conhecimento? Este bombardeio informacional exige o aprendizado de outro tipo de leitura, mais seletivo e exigente.

Aprender a administrar esta avalanche de conhecimentos não é uma tarefa fácil, como sabemos. Mas não é impossível.

Conhecimento: como gerenciá-lo?

Uma das chaves consiste em compartilhar, em criar mecanismos para divulgação e para estimular a troca. Aqui entra a Internet, que viabiliza canais de comunicação livres, fluidos e rápidos e sinaliza o fim de uma época, na qual o saber ocupava uma função privilegiada e restrita.

A segunda chave consiste em saber qual é o conhecimento a ser compartilhado. Acreditamos que deva ser priorizado aquele que atende às necessidades do usuário e que o auxilie a entender o mundo que o cerca, a sua realidade específica.

Aprender é algo que extrapola os limites espaciais da sala de aula e os limites temporais da formação educacional; torna-se atividade constante e, acima de tudo, prazerosa e instigante. Não mais fazemos isso em volta de uma fogueira, como antigamente, mas à frente da “telinha”, sozinhos ou em reuniões virtuais ou presenciais, com o suporte da Internet, cada vez mais interativa. Esse processo pressupõe uma profunda mudança nos nossos valores e atitudes.

Internet e TIC

A partir de meados da década de 90 a expansão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)1 acontece, acompanhando a popularização da Internet, que extrapola o ambiente acadêmico e se torna um local de circulação ágil de informação e de encontros virtuais.

Porém, a Internet inaugura, também, o conceito de "infoexclusão" ou de exclusão digital, que designa os que, por não terem acesso ao mundo virtual, se tornam "infoexcluídos", com graves repercussões em suas oportunidades de educação, de profissionalização, de cultura e de lazer. A exclusão pode se dar por limitações socioeconômicas, culturais, de faixa etária ou pela condição da deficiência.

Há muitas iniciativas que visam reduzir ou eliminar essas limitações, como desenvolvimento de aplicativos, de softwares e construção de sites seguindo os padrões de acessibilidade digital.

Universalizar acesso pressupõe democratização: é necessário possibilitar que os usuários atuem como Provedores Ativos dos conteúdos que circulam, com responsabilidade e senso de cidadania.

A produção da informação, seu transporte e o acesso a ela são aspectos que precisam ser considerados no desenvolvimento das TIC. A ausência de padrões de acessibilidade em um destes aspectos torna qualquer usuário, tenha ou não deficiência, incapacitado a produzir, divulgar ou absorver informação – condição fundamental para viver dignamente e compreender a sociedade atual, em que a informação constitui um Direito Humano.

É fundamental que a pessoa com deficiência, para exercer plenamente sua cidadania e estar inserida no mundo atual, aprenda a manejar as ferramentas computacionais adequadas à sua condição e possa navegar pela Internet, em ambiente amigável, sem se deparar com obstáculos no mundo virtual. Além disso, ela precisa saber identificar e selecionar as informações que lhe são necessárias em cada situação, assim como qualquer usuário. O cidadão é aquele que sabe optar. E pode fazê-lo porque tem acesso a conhecimentos.

Os direitos à Acessibilidade, à Informação, à Educação e outros estão garantidos pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que insere a Deficiência no patamar dos Direitos Humanos2. O Brasil ratificou esse documento com equivalência de emenda constitucional (Decreto legislativo 186/2008), o que significa um enorme avanço no sentido do pleno exercício da cidadania.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Diversidade sempre, desde a Educação Infantil

Preconceitos, rótulos, discriminação. É inevitável: desde muito cedo, os pequenos entram em contato com esses discursos negativos. Para que eles saibam lidar com a diferença com sensibilidade e equilíbrio, é preciso que tenham familiaridade com a diversidade - e não apenas em projetos com duração definida ou em datas comemorativas, como ainda é habitual em vários lugares. Outra recomendação importante é que a questão não seja tratada como um conteúdo específico (o que invalida propostas do tipo "bom, turminha, agora vamos todos entender por que é importante respeitar as diferenças").

Melhor que isso é abordar o tema de jeito natural, inserindo-o em práticas diárias, como brincadeiras, leitura e música (leia projeto institucional). "O convívio cotidiano é a forma mais eficaz de trabalhar comportamentos e atitudes", diz Daniela Alonso, psicopedagoga e selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.

Para conseguir isso, uma providência essencial é adquirir materiais didáticos que valorizem as diferentes raças, pessoas com deficiências físicas e mental e mostrem meninos e meninas em posição de igualdade. Ao comprar instrumentos musicais, contemple os de diversas culturas.

No caso de brinquedos como bonecas, já existem lojas que se preocupam especialmente em privilegiar a diversidade. A compra de livros pode ser mais difícil: uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas que analisou 33 obras de Língua Portuguesa só encontrou duas meninas não brancas nas ilustrações.

Entretanto, a busca criteriosa e a leitura prévia costumam resolver o problema. Se a turma já estiver em fase de alfabetização, o Guia Nacional de Livros Didáticos, do Ministério da Educação, é a melhor referência - ele garante que as obras recomendadas não contêm situações de discriminação.

Não se pode esquecer que os pequenos aprendem com o exemplo dos adultos. Pensando nisso, a direção da EMEI Aricanduva, em São Paulo, capacitou a equipe para lidar com a diversidade. Antes, só algumas professoras trabalhavam a questão, por meio de projetos específicos. Hoje a diversidade é contemplada em todo o currículo. "Um resultado prático é que, agora, crianças negras que se retratavam como brancas nos desenhos passaram a usar lápis marrom e preto", comemora a coordenadora Cleide Andrade Silva.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A Diferença Incidindo Sobre Nós

A Sociedade das Pessoas com Deficiência - Marco Antonio de Queiroz - MAQ

Meu nome é Marco Antonio de Queiroz, sou cego há 22 anos devido a uma retinopatia diabética que me retirou a visão aos 21 anos de idade.

Participei, desde que iniciei no mundo dos diferentes, de movimentos de cegos em luta por nossa emancipação social. Ensinei a meus iguais o que a minha profissão aprendida depois de cego permitia fazer: dei cursos de processamento de dados. Além disso, escrevi um livro denominado "Sopro no Corpo" onde, com o mesmo objetivo que minha página da web, a "Bengala Legal", procurei esclarecer dúvidas com relação à cegueira e a tudo que eu podia desmistificar com respeito aos "marginais sociais" dos quais nós cegos fazemos parte.

A idéia, a princípio, era a de produzir uma imagem de todos nós mais próxima de nossa existência real, na tentativa de reformular as fantasias que criam a nosso respeito.

Essa introdução foi feita somente para mostrar que tive preocupações com relação às nossas questões individuais e sociais e que, como vivi até os 21 anos, digamos, "do outro lado" que não o dos portadores de deficiência, possuo alguns parâmetros retirados de minha própria experiência de enxergar que me fazem ter uma percepção bem sedimentada a respeito da relação "deficiente versus sociedade" e vice-versa.

Desde minhas primeiras lutas em prol de nossos interesses que quando meus colegas diziam "a sociedade nos ignora, nos vê com indiferença, nos renega" ou falavam as palavras chave: "preconceito e discriminação" eu pensava em minha experiência anterior, a de enxergar, e tudo aquilo era confirmado. Realmente, no meio ambiente em que vivia, zona de elite de uma grande cidade brasileira, o Rio de Janeiro, raramente alguém mencionava ter tido algum contato com cegos e, da mesma forma, com qualquer outra deficiência.

Lembro-me vagamente de um colega do interior comentar sobre uma conhecida dele que tinha distrofia muscular progressiva (DMP) e fiz uma imagem tão feia da coisa que só me lembro de ter sentido pena, mas sem ter informação alguma que me enriquecesse, fora das fantasias, as idéias e conhecimento a respeito dessa deficiência.

Meu padrinho de casamento também mencionou, certa vez, ter tentado ler para um cego, mas que ficava muito constrangido porque ele sentia que cometia muitos "erros" sem querer, como o de dizer distraidamente frases comuns como "o dia está muito lindo" ou "o por do sol está emocionante!" ao cego para o qual lia.

Eu não sabia muito bem o que pensar a respeito, mas sempre era uma coisa distante, longe de minha realidade, convívio e preocupações. Portanto, como eu mesmo o fazia quando enxergava, depois de cego tinha a certeza que éramos ignorados pela sociedade e algumas vezes, quando isso não acontecia, o que surgia não era o conhecimento propriamente dito a respeito de um cego, mas especulações e sentimentos incômodos. Sendo assim, nossa reclamação a respeito da ignorância e desprezo social era válida e dentro de parâmetros de realidade bem vividos por mim mesmo, como cego ou enxergando.

Sempre tive uma noção que isso também era devido a alguma falta de iniciativa do próprio segmento de cegos, que não lutava por uma melhor divulgação de nossa existência, possibilidades e realizações. Alguma divulgação individual, muitas vezes misturada com uma idéia de superdotação do cego em questão, aparecia. O fato é que o conjunto de acontecimentos individuais e coletivos mudou, aos poucos, a imagem geral dos deficientes no Brasil. Como disse, há 22 anos portador de cegueira, passei por várias iniciativas sociais de mudar essa situação.

A sociedade ainda está muito aquém de ter ciência do que sabemos de nós mesmos, do que podemos fazer, de quais seriam, realmente, os limites de nossas possibilidades. Mas seria ridículo querermos que as pessoas, em geral, soubessem, visto que muitos de nós também não o sabem. O caminho é longo e difícil.

Muitas vezes ficamos tristes e rancorosos com coisas consideradas como sendo "do século passado" como quando algum gerente de banco não nos deixa abrir conta em sua agência, exigindo um responsável, não nós, que a valide. Aí saímos de nosso anestesiado cotidiano de desigualdade para penetrarmos em nossa realidade social em sua parte mais cruel, criando frustrações grupais e particulares, retomando todas as nossas forças na certeza da "ignorância social".

Bem, isso é um círculo vicioso. Eu só o fui compreender com mais profundidade quando entrei em uma lista de discussão na Internet onde se encontravam pessoas portadoras das mais diversas deficiências.

Não só nós cegos, como surdos, paralisados cerebrais, paraplégicos, tetraplégicos, soropositivos, hanseníacos, com osteogênese imperfecta, distrofia muscular progressiva, esclerose múltipla etc. Aos poucos fui sentindo: "Que loucura, como sou ignorante com relação às outras deficiências, como sou sociedade!", Fiquei me xingando de "sociedade"! (risos).

A questão por inteiro é que, sendo sociedade e deficientes simultaneamente, como reclamar do que nós mesmos praticamos como sociedade?

Ignoramos nossos colegas "diferentes", diferentes de nossa deficiência e do comum social, e reclamamos de nos ignorarem em nossa deficiência específica.

Um exemplo disso em nosso meio virtual é em home page de colegas de determinadas deficiências onde só existem links de endereços daquela mesma deficiência, fechando-se em "guetos de conhecimento e divulgação". Podemos expandir esse exemplo para muitos outros e penso estar na hora de mudarmos. Caso contrário, ficaremos sempre sós sentindo-nos discriminados pela sociedade e, como sociedade, ignorando outras minorias como nós mesmos.

Precisamos observar o todo para saber como nos localizar e não nos posicionarmos a favor de uma suposta igualdade. Somos diferentes e, assumindo isso, temos de brigar pelo direito de uma diferença digna, respeitada e produtiva.

Abraços do colega cego, diabético e transplantado renal brasileiro.

Relato exposto no I Congresso Virtual da Réd de Integración Especial
Argentina, 1/11/2000 a 1/12/2000
www.redespecialweb.org.

Este texto tem de ser compreendido dentro de sua época, ano 2000.

Apesar de lentamente, a relação sociedade & pessoas com deficiência, tem estado diferente.

Note-se que, no início do texto, eu me expresso como "sociedade versus deficiência”.

Pessoas com deficiência têm dado as caras, se mostrado, lutado cada vez mais por uma sociedade inclusiva. Por sua vez, apesar de não estarmos diante de tal sociedade, as pessoas em geral têm entrado em contato, se solidarizado, as portas estão, aos poucos, e com muita luta de todos, se abrindo.

Acredito em novos tempos para o futuro social, econômico e político das pessoas como eu em nossa sociedade, como também na informação, derrubando barreiras mesmo entre nós mesmos.

domingo, 7 de novembro de 2010

A Beleza da Diversidade

Maria Amélia Vampré Xavier

Há alguns anos, na época de Natal e Ano Novo, fui solicitada a escrever um artigo sobre a diversidade humana, para ser publicado em um jornal, de grande circulação no país.

Enquanto mãe de Ricardo que tendo deficiências múltiplas tem enfrentado muitos obstáculos na vida, com as naturais repercussões dessas frustrações no grupo familiar, acho que é meu dever escrever sempre sobre as dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência mental/intelectual num país como o nosso que só recentemente começou a encarar com seriedade as dificuldades de vida desse expressivo segmento da população – cerca de 24 milhões de brasileiros, que têm direito a todo o equipamento social para sua melhor qualidade de vida, como ocorre nos chamados países do Primeiro Mundo nos quais nos espelhamos e a que desejamos tanto pertencer!...

O artigo que escrevi, e que foi publicado também na revista Mensagem da Federação Nacional das APAEs, é uma reflexão de mãe sobre o impacto na família de um filho com limitações graves, o que em nosso caso mudou todo o curso de nossas vidas.

Há no mundo todo a tendência crescente de submeter mulheres grávidas a testes que possam detectar eventuais malformações ou síndromes variadas, estando implícita a idéia de que, no caso de serem positivos os resultados do teste, a sociedade estará melhor servida, a família protegida, com a interrupção dessa gravidez.

Mãe que sou de um moço (hoje com 48 anos de idade), com múltiplas deficiências, pode parecer incrível a muitos que eu defenda com todo o empenho o direito à vida de qualquer ser humano, pois nesta sociedade atual, tecnológica, rígida, científica, na qual os homens se matam por migalhas, reconhecer o direito à vida de uma pessoa com deficiências é um absurdo inominável.

Sociedades científicas de países industrializados, em vez de se preocuparem em melhorar a vida de suas populações, dando-lhes dimensão e valor, perseguem a portas fechadas a utopia de uma raça superior, em que não haja imperfeições, com cérebros de grande porte escolhidos rigorosamente, numa clara exclusão da beleza da vida que reside exatamente na diversidade das criaturas.

Quantas pessoas de QIs elevadíssimos existem que ocupam as mentes privilegiadas em atos terroristas, colocando bombas em metrôs, quantos jovens de nível universitário cometem crimes hediondos, sem nenhum sentido,sob efeito de drogas poderosas?
Será que essas pessoas, por serem intelectualmente muito bem dotadas, têm mais valor do que outras como meu filho, que tem sim limitações intelectuais, mas tem um coração muito generoso, amável, responsável, incapaz de atos menos dignos?

Os médicos que aconselham as gestantes sob seus cuidados têm o dever de informar aos pais o resultado do teste quando positivo, mas não podem de modo algum influenciá-los a interromper uma gravidez, pois é a capacidade de luta de qualquer ser humano, seus conceitos religiosos, que irão nortear suas atitudes.

Conheço inúmeros casais que se arrependeram muito de terem abortado o filho por nascer, reconhecendo-se covardes por não aceitar os desígnios de Deus, o que lhes causou sofrimentos imensos e por toda a vida!

Num país como o Brasil, em que educação e saúde são privilégios dos mais afortunados, a questão atinge um segmento pequeno de mulheres gestantes, as de classe média e alta, pois a grande maioria das mulheres grávidas de nosso país dá à luz com a ajuda de curiosas, abandonadas em pleno trabalho de parto a mãos inábeis nas imensas regiões de nosso país.

Nestas condições devemos enfrentar a vida com coragem, assumindo encargos muitas vezes penosos.

Em meu caso, a vida de Ricardo, meu filho, representou grande crescimento para minha família, pois através dele, das preocupações com ele, tivemos todos em casa de aprender a conviver com as diferenças, adaptando-nos a elas, respeitando-as, pois o que vale é o amor que temos por nosso filho e irmão, aparentemente – só aparentemente – menos dotado.

As deficiências de Ricardo são claras para todos, que se dirá dos abismos de marginalidade e violência, que moram em cada um de nós,ditos normais?

Monteiro Lobato merece ser censurado?

Como qualquer fábula, as de Monteiro Lobato (1882-1948) apresentam seres encantados, bichos falantes e situações inverossímeis. Foram escritas para despertar na criança o gosto pela leitura e fecundar a imaginação. Desde a década de 1920, as histórias do criador do Sítio do Picapau Amarelo têm sido adotadas nas escolas públicas de todo o país. Agora, o Conselho Nacional de Educação acolheu uma acusação de racismo contra uma dessas fábulas e pode bani-la das salas de aula por, de acordo com essa acusação, não “se coadunar com as políticas públicas para uma educação antirracista”. Ficar sem Monteiro Lobato é evidentemente ruim para as crianças – mas proibi-lo é pior ainda para o Brasil.

Quem levantou a questão foi Antonio Gomes da Costa Neto, servidor da Secretaria de Educação do Distrito Federal e mestrando na Universidade de Brasília (UnB) na área de relações internacionais. Ele fez uma denúncia à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial afirmando que o livro Caçadas de Pedrinho tem passagens que incitam o preconceito contra os negros. O caso foi encaminhado ao Conselho Nacional de Educação (CNE), do Ministério da Educação. Uma das passagens citadas por Costa Neto é a descrição da cena em que Tia Nastácia, personagem negra, sobe numa árvore “que nem uma macaca de carvão”. Outra, quando a boneca Emília, ao advertir sobre a gravidade de uma guerra das onças contra os moradores do Sítio do Picapau Amarelo, diz: “Não vai escapar ninguém – nem Tia Nastácia, que tem carne preta” (leia os trechos abaixo).

Para o ministro da Secretaria de Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araújo, o conteúdo de Lobato deve ser considerado “racista” e “perverso”. Ainda que não leve uma criança a desenvolver comportamentos racistas, diz Araújo, ele fere a autoestima dos negros. “Para nós, que temos orgulho em ter a pele negra e o cabelo crespo, é duro ler que uma negra subiu (numa árvore) que nem uma macaca”, diz. Mesmo assim, Araújo afirma ser contra o veto à obra de Lobato. “Podemos negar 380 anos de escravidão? Não. Por isso, o debate é saudável”, diz. “Ao mesmo tempo que as crianças conhecem a obra, percebem que a sociedade caminha em passos expressivos, combatendo o racismo e a discriminação.”

A impossibilidade de negar a história é um dos motivos que fazem a professora Nelly Novaes Coelho considerar a ideia do veto à obra de Lobato uma “tolice”. Estudiosa de autores dedicados ao público infantojuvenil, ela diz que literatura tem como uma de suas funções explorar a realidade. “A história brasileira tem a escravidão por base. Isso levou a um preconceito muito fundo e não se pode passar a borracha nisso nem colocar dentro de um armário e fechá-lo.”

O Ministério da Educação anunciou que vai pedir ao CNE que reveja o parecer. Reduzir a obra de Monteiro Lobato ao que ela possa conter de racista – e, por isso, proibi-la – é incorrer em vários erros. O primeiro (e mais evidente) é supor que os jovens leitores são desprovidos de qualquer senso crítico e levarão ao pé da letra o que foi escrito, como se o efeito das palavras sobre seu caráter fosse definitivo. “Estão subestimando as crianças”, diz o psicanalista Mario Corso, autor de Fadas no divã. “Se ela se tornar mesmo racista, não será por causa da literatura, mas por causa dos pais ou do ambiente.”

Um segundo erro é rotular uma obra de arte e deixar escapar a complexa relação de seu autor com as ideias de seu tempo. Alguns dos maiores escritores do século XX, como o poeta americano Ezra Pound ou o romancista francês Louis-Ferdinand Céline, foram simpatizantes das ideias mais abjetas a respeito da superioridade racial europeia. Nem por isso suas obras deixam de ter um valor literário inestimável, seja ao inovar na forma, seja ao perscrutar a mente do homem moderno.