sábado, 10 de março de 2012

O NOVO PAPEL DA EDUCAÇÃO

Acreditamos que a Terceira Onda introduza uma posição inédita na cultura humana: por um lado, o professor é um elemento altamente estratégico e, por outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro caso, ele pode auxiliar os alunos a aprender a selecionar melhor as suas alternativas e recursos de acesso à informação. Em segundo lugar, o professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um elemento descartável.
Uma outra variável que não pode ser esquecida : tal como o professor o aluno precisará de reciclagens constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um alto nível técnico de formação e informação.
Isto introduz uma alteração significativa no quadro de professores. A atualização de conhecimentos torna-se um processo estratégico. Alguns serão facilmente dispensáveis; aqueles não se atualizam. Para os demais, haverá sempre um novo campo de trabalho a ser tecido e estruturado, a partir da própria demanda dos alunos.
Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola muda. Enquanto na Segunda Onda as informações básicas vinham através dela, na Terceira Onda os computadores parecem deter este lugar estratégico. A base de informações maiores não virá dos professores, mas dos próprios computadores que poderão ser acionados nos lares, nas bibliotecas ou na própria escola. O professor se tornará então um orientador de formas de estudo mais adaptadas às necessidades dos alunos. Assim, por exemplo, em vez de uma aula de história tradicional, um cd-room elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao aluno um contato mais aprofundado com a matéria. Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais importantes do evento histórico, outras informações complementares. Saber como se constituia a terra naquela época, como era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos saindo de uma história monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.
Cabe aos professores, se quiserem participar deste processo de transformação social, uma constante reciclagem. Para que eles não se tornem - como já ouvimos de muitos professores - o "lixo" descartável desta nova era. Um professor atualizado é aquele que tem olhos no futuro e a ação no presente, para não perder as possibilidades que o momento atual continuamente lhe apresenta. Porém, isto não é alguma coisa que o sistema educacional possa obrigar os professores a fazerem. A Informática é ainda uma opção, uma decisão do professor frente aos seus novos rumos de trabalho.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Risco das ilusões

Por Cristovam Buarque

Mais do que o usual, os economistas se dividem diante das alternativas a serem seguidas pela Grécia: uns defendem austeridade reduzindo gastos do setor público para reencontrar o equilíbrio fiscal e retomar o crescimento; outros defendem exatamente o contrário, mais gastos públicos como forma de incentivar o crescimento na economia, para depois elevar a receita e equilibrar as finanças.

Mas faltou unanimidade na percepção de que a crise poderia ter sido evitada se a economia não tivesse criado ilusões. A ilusão do Euro, que dava ao consumidor um poder de compra muito acima da real possibilidade da economia; a ilusão do dinheiro fácil, que vinha dos bancos para financiar gastos como se eles não fossem ser exigidos de volta com juros; e a ilusão criada pelo governo que se endividava para pagar gastos correntes, sem retorno produtivo. Durante alguns anos essas ilusões de riqueza funcionaram, escondendo a realidade de uma economia pobre, sem competitividade, nem investimentos.

Quem não lembra dos argentinos comprando o litoral catarinense, depois os espanhóis e portugueses comprando as praias do Nordeste. Todos esses países depois entraram em crises parecidas.

A discussão, portanto, não deve se resumir a se é preciso austeridade ou elevação de gastos públicos, mas se a austeridade que está vindo é tardia ou não, se não teria havido um caminho capaz de combinar austeridade nos gastos correntes com a elevação nos gastos em investimentos produtivos e sociais. Um keynesianismo produtivo e social, como vem sendo defendido há alguns anos.

Quando se descobre que uma economia está funcionando na base de ilusões, ela desmorona, como as famosas pirâmides financeiras, hoje chamadas de bolhas, que encantam ingênuos e até enriquecem os que às criaram, apropriando-se do dinheiro dos que vêm depois. Mas, a simples austeridade – demitindo servidores, parando obras, desarticulando escolas e hospitais – não vai dar o resultado que se espera. O custo social que ela cria é insustentável moral e politicamente, e provavelmente não resistirá além das próximas eleições de abril, na Grécia. Entre políticos responsáveis e insensíveis à miséria, e os demagogos que prometem ilusões, os eleitores votarão pela ilusão. E a crise política agravará ainda mais a situação, até o dia em que a própria democracia desmorone e um regime autoritário, embora dentro de certo marco legal, imporá as saídas necessárias.

Para evitar este dilema maldito, entre a ilusão insustentável e o custo social inaceitável, as saídas deverão combinar austeridade – suspendendo gastos supérfluos, taxando rendas elevadas, reduzindo consumo desnecessário -, ao mesmo tempo mantendo empregos, ainda que reduzindo salários elevados e jornada de trabalho, mantendo os serviços públicos, reorientando gastos públicos para investimento, inclusive na educação, ciência e tecnologia para criar competitividade. Ao lado disso, seria necessária uma "moratória consentida" de pelo menos parte da dívida pelos credores e a redução interna de preços como uma forma de desvalorização sem sair do Euro.

Esta visão de Austeridade-com-Investimentos pode ser uma lição para o Brasil. Todos os países hoje em crise passaram por períodos com a mesma euforia ilusória. Se eles tivessem, no momento certo, eliminado as ilusões e feito as devidas correções de rumo, não estariam na crise da qual a Grécia é apenas o símbolo pelo tamanho de sua tragédia. Estamos passando por ilusões assemelhadas: moeda supervalorizada, Estado perdulário, financiamentos alavancados superficialmente, rendas elevadas para uma minoria, consumo aquecido, baixa poupança e investimentos, substanciais compras de bens e serviços importados que desindustrializam o país.

Os países em crise não aprenderam com as crises anteriores, como a Argentina há dez anos, e apresentam quadro ilusório parecido: euforia da moeda vinculada ao Dólar, como a Grécia fez ao entrar no Euro; gastos elevados com Copa do Mundo em Buenos Aires e as Olimpíadas em Atenas. Não podemos deixar de enxergar que uma parte de nossa economia está sob efeito de ilusões, na linha do que diz o texto “A economia está bem, mas não vai bem", que pode ser acessada no endereço eletrônico http://bit.ly/wVUR0j. Precisamos fazer hoje os ajustes que a Grécia e a Argentina não fizeram no momento certo, quando preferiram o risco das ilusões.

*Cristovam Buarque é professor da UnB e senador do PDT-DF

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mundo melhor para quem?

Por Cláudia Werneck

Quem sabe no II Fórum Social Mundial pessoas com deficiências diversas tenham desaparecido da face terrestre. Como esta é uma proposta absurda, sugiro à comissão organizadora do Encontro trabalhar desde já para que indivíduos cegos, surdos, com deficiências física, motora e mental possam participar e se beneficiar dele. Só assim o II Fórum Social Mundial será um local de congraçamento universal de gerações humanas.
Estive no I Fórum Social, em Porto Alegre, participando de uma oficina. Por dois dias circulei pelo Centro de Eventos da PUC do Rio Grande do Sul, passeei pelos stands, conversei com integrantes do Fórum e organizadores constatando, mais uma vez, o quanto ainda estamos distantes de ultrapassar a fase de "respeitar os deficientes", passando finalmente a tomar decisões e adotar práticas para incluí-los no nosso dia a dia.
Neste I Fórum, pessoas surdas ficaram impossibilitadas de acompanhar conferências e se expressar nas oficinas. Não foram contratados intérpretes da língua brasileira de sinais, nem da língua espanhola de sinais, nem da língua inglesa de sinais, por exemplo. Quanto aos cadeirantes, havia vasos sanitários adaptados, sim, mas após usá-los os usuários não tinham como lavar as mãos sem ajuda, porque as pias dos banheiros (pelo menos dos que entrei) eram apoiadas em armários que impediam a aproximação das cadeiras. Notei ainda a ausência da programação em braile para que jovens e adultos cegos pudessem escolher e acompanhar os eixos temáticos.
Enfrentar o desafio da acessibilidade deve ser uma preocupação da comissão organizadora do próximo Fórum por, no mínimo, cinco razões: a) Vi o interesse público pela proposta do Fórum; b) É necessário que cada vez mais pessoas dispostas a se doar por um mundo melhor estejam reunidas em 2002; b) É básico garantir a todas as condições humanas - e não apenas a algumas - o acesso às reflexões propostas pelo Fórum; c) É coerente que num encontro onde se brada por inclusão social, fiquemos atentos às necessidades do próximo, de qualquer próximo, não necessariamente dos próximos sob risco social (só assim ficaremos à vontade para argumentar com os opositores do Fórum); d) É hora de cumprirmos as Leis que penalizam instituições ou indivíduos que impeçam o acesso e a permanência de cidadãos com deficiência nos ambientes públicos. A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, explicita a responsabilidade do poder público em relação à pessoa com deficiência e dispõe sobre a criminalização do preconceito, com pena de 1 a 4 anos de reclusão.
Não se muda mentalidade por força da lei. Mas, se punidos, os organizadores do Fórum não estariam sozinhos. Inexistem no mundo celas suficientes para conter tanta gente, tamanha é a freqüência com que violamos, diariamente, os direitos de humanos com deficiências e doenças crônicas. Eu mesma, que desde 1992 milito e escrevo artigos e livros sobre sociedade inclusiva e inclusão de grupos vulneráveis na sociedade, participando de movimentos nacionais e internacionais defensores do tema, talvez fosse a primeira a ser encarcerada.
Há uns 15 dias surpreendi-me com o tamanho da minha incoerência. Pego meus cartões de visita e o que leio? Nome, endereço, telefone, profissão, e-mail, tudo escrito apenas em português! Informações ininteligíveis para quem é cego ou tem visão subnormal. Bem, já providenciei cartões de visita em braile que também terão meus dados em letras maiores, para quem não chega a ser cego mas não enxerga bem. Desnecessário? Deixemos a idade avançar e talvez entendamos melhor o que significa acordar e dormir em um mundo inadequado às nossas necessidades básicas.
É absurdo propor inclusão social sem exercitar a inclusão humana. Insistindo em pular esta etapa, que nos remete a reflexões da ética do indivíduo para com sua própria espécie, reflexões estas consideradas menores por grande parte dos sociólogos, filósofos, jornalistas, educadores, governantes - brasileiros e não-brasileiros - etc, jamais construiremos um mundo melhor. Ir ao banheiro com conforto e ter sua intimidade preservada neste momento pode ser tão revolucionário quanto ter voz nas plenárias.
Faço aqui uma chamada para que entidades do Terceiro Setor, como o Instituto Pró-Sociedade Inclusiva, do qual faço parte, e que se coloca à disposição do Fórum Social Mundial, neste momento, mobilizem-se para colaborar com a organização do próximo Fórum no que diz respeito a acessibilidade de participantes com comprometimentos humanos diversos.


Claudia Werneck é reconhecida como "Jornalista Amiga da Criança" pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância e autora do livro "Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu TODOS?"

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A globalização e seus efeitos

A globalização trouxe principalmente os progressos (desejáveis) nos meios de comunicação, a melhor circulação de pessoas, de mercadorias, de capitais e opções para todos.Todos se beneficiam com a globalização, entretanto o beneficio não é igual para todos. Quanto maior a estruturação da sociedade maior o benefício, quanto menor for a estruturação maior “prejuízo”. Como conseqüência encontramos as desigualdades sociais cada vez mais visíveis.
Para minimizar precisamos de uma estruturação social, política, econômica e financeira, o que encontramos como variável interveniente é a velocidade da globalização frente ao desenvolvimento dos setores citados em cada estrutura social.
A globalização não é uma opção de sociedade, é inevitável, é imposta pela própria evolução de mundo, precisamos ter uma visão um pouco mais ampliada para poder entendê-la.
Poucos conseguem perceber as influências da globalização em todos os níveis de nossas vidas: pessoal, familiar, na cidade/estado ou país. Neste novo contexto sócio-econômico-cultural, a informação passa a ter um papel central, constituindo-se atualmente no maior poder de inter-relação existente, tendo inclusive, suplantado o poder econômico e tecnológico.
O poder da informação se faz através de livros, revistas, jornais especializados, TV a cabo em escala mundial e internet - a qual se quadruplicou em um ano e continua crescendo. A informação duplicando-se, em progressão geométrica, a cada 3 a 5 anos, logo se constituirá em um universo esmagador.
A capacidade de saber onde, como, com quem e a forma mais rápida de adquirir informações, analisá-las e aplicá-las adequadamente será o grande diferencial competitivo.
A globalização não vem trazer soluções para os problemas do mundo, contudo podemos ter a esperança de que alguns problemas sejam resolvidos que é muito diferente de esperar por algo mágico, onipotente e onisciente.
A globalização não se propõe a nada, é apenas uma “fatalidade” que deve ser pensada e compreendida para não sermos pegos de surpresa pelas forças de desestruturação. A própria desestruturação pode ser um fator de progresso, para repensarmos a realidade, mas também de violência e sofrimento humano.
Precisamos estar atentos para não achar que a melhor maneira de enfrentar a globalização seja a unificação, a perda de culturas regionais próprias de cada lugar, como a dissolução das características individuais e particulares, ficaríamos sem nossa história, cultura e identidade! Isto é muito sério. Desta forma a humanidade, em sua história já passou por diversas revoluções e sempre se beneficiou dos seus progressos, o que sabemos é que alguns grupos humanos se beneficiaram mais do que outros.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O que deveria ser a Pedagogia hoje

É preciso refletir sobre o que pode e deve ser a Pedagogia hoje : deve ser, por certo, a ciência que organiza ações, reflexões e pesquisas na direção das principais demandas educacionais brasileiras contemporâneas, com vistas à:

- qualificação da formação de docentes como um projeto político-emancipatório;
- organização do campo de conhecimento sobre a educação, na ótica do pedagógico;
- articulação científica da teoria educacional com prática educativa;
- transformação dos espaços potenciais educacionais em espaços educativos/formadores;
- qualificação do exercício da prática educativa na intencionalidade de diminuir práticas alienantes, injustas e excludentes encaminhando a sociedade para processos humanizatórios , formativos e emancipatórios.

Quando me refiro à formação do cientista educacional, estou me referindo à formação de um profissional :

- com capacidade de mediar um projeto político-educacional em consonância com os pressupostos da sociedade e as demandas presentes na práxis educativa;
- capacitado a ampliar a esfera do educativo dentro das possibilidades educacionais : que organize espaços e ações para pedagogizar o educacional latente na sociedade;
- capaz de organizar, supervisionar e avaliar processos institucionais de forma a transformar a prática educativa mecânica, alienada e técnica, em práxis educativa, comprometida social e politicamente;
- capaz de responsabilizar-se na organização e direção de projetos de formação inicial e contínua dos educadores da sociedade, docentes e não docentes;
- que transforme saberes da prática educativa em saberes pedagógicos, cientificizando o artesanal/intuitivo do fazer da prática em saberes pedagógicos;
- que organize processos de pesquisa de cunho formativo-emancipatório de forma a estruturar as inovações educativas pressentidas como necessárias, a partir das demandas emanadas da práxis;
- que atue como gestor/pesquisador/coordenador de diversos projetos educativos, dentro e fora da escola: pressupondo sua atuação em atividades de lazer comunitário; em espaços pedagógicos nos hospitais e presídios; na formação de pessoas dentro das empresas; que saiba organizar processos de formação de educadores de ONGs; que possa assessorar atividades pedagógicas nos diversos meios de comunicação como TV, rádio, internet, quadrinhos, revistas, editoras, tornando mais pedagógicas campanhas sociais educativas sobre violência, drogas, aids, dengue; que esteja habilitado à criação e elaboração de brinquedos, materiais de auto estudo, programas de educação à distância; que organize, avalie e desenvolva pesquisas educacionais em diversos contextos sociais; que planeje projetos culturais e afins;
- que na escola, seja o mediador de processos administrativos e pedagógicos, quer na gestão, supervisão, orientação, acompanhamento e avaliação de projeto político pedagógico da unidade escolar, bem como estabelecendo e articulando as vinculações da escola com a comunidade e sociedade.
- que seja o organizador privilegiado do campo de conhecimento da Pedagogia e interlocutor preferencial nas articulações e construções coletivas com ciências afins;
- profissional empenhado na busca de respostas à construção de práticas educativas inovadoras que cumpram seu papel social na humanização dos cidadãos;
- integrador dos demais espaços educativos com o espaço escolar na busca de uma nova lógica educacional capaz de reconduzir a representação de ensino como transmissão de informação para concepções que priorizem a articulação dialética entre ser, saber e construir novas configurações de existência;
- profissional enfim, envolvido com a construção da profissionalidade docente, na busca de condições políticas e institucionais favorecedoras de novas e significativas relações sociais desejadas pelo coletivo.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Como virar a página?

Se não colocar a educação de cabeça para baixo, o Brasil não passará para a primeira divisão da economia mundial
Nely Caixetaí
Revista Brasil em Exame Setembro de 1997
Se é tão fundamental para a competitividade das empresas brasileiras e do país, como nação, contar com uma força de trabalho mais educada, por que não começar a virar o jogo desde já? Para passar à primeira divisão da econômica mundial, algumas lições precisam ser colocadas em prática. Uma delas é garantir uma moeda estável. Mas a estabilidade econômica que hoje experimentamos não irá nos levar muito longe se não for acompanhada de um esforço de toda a sociedade para enfrentar o quadro desastroso em que se encontra hoje a educação no país. Dados do último censo escolar mostram que 2,7 milhões de crianças brasileiras, entre 7 e 14 anos, estão fora da escola. Que tipo de função, se é que há alguma, essas crianças estarão aptas a desempenhar quando atingir a vida adulta?
A abertura econômica, que jogou o país na competição globalizada, serviu para escancarar nossas deficiências diante dos concorrentes estrangeiros. De uma hora para outra, os brasileiros passaram a consumir uma gama variada de produtos melhores e mais baratos, produzidos lá fora por trabalhadores com um grau de instrução bem mais elevado. As estatísticas a esse respeito são cruéis para o nosso lado. A escolaridade média dos 71 milhões de brasileiros que compõem a população economicamente ativa é de 3,8 anos, um dos níveis mais baixos do mundo, comparável aos do Haiti e de Honduras. Na Argentina, a média é de 8,7 anos, no Paraguai, 9 anos, e na Coréia do Sul, I I anos. Sempre que cita esses dados, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, diz que deveriam envergonhar e humilhar as elites do país. Deveriam mesmo.
O que nunca faltou no Brasil foi discurso, alguns com pensamentos de ponta, sobre a melhor maneira de enfrentar o problema da educação brasileira. A educadora Rose Neubauer, secretária da Educação do estado de São Paulo, é uma crítica impiedosa dos modismos que sempre cercaram a questão. "Nunca houve no país um projeto sério em favor da educação", afirma Rose. Enquanto isso, lá fora, a consciência de que era preciso investir pesadamente no ensino básico disseminou-se, desde o século passado, por muitos países, como os Estados Unidos, o Japão e algumas naçõe européias. "Os países que investiram volume considerável de recursos para educar suas populações são aqueles que obtiveram maior desenvolvimento econômico", diz o americano Gary Becker, prêmio Nobel de Economia de 1992. A tarefa à nossa frente é colossal. Não basta conseguir taxas de alfabetização semelhantes às dos países industrializados. É preciso garantir também um ensino de boa qualidade. A partir de um ensino básico bem-feito é que as nossas crianças irão adquirir as ferramentas necessárias para enfrentar o mundo do trabalho, cada vez mais exigente e competitivo. É nesse período escolar que elas recebem as noções básicas e fundamentais que irão carregar para o resto da vida, em termos de conhecimento da língua pátria, uma ou outra estrangeira, literatura, história, matemática, geografia e ciências. Assentam-se aí as bases para o pensamento racional e lógico. Sem isso, elas ficarão à margem dessa nova sociedade da informação e da tecnologia, que exige cidadãos preparados para acompanhar a rápida evolução do conhecimento. "Essa nova etapa do capitalismo entrega ao sistema educacional uma imensa responsabilidade", diz o ministro da Educação, Paulo Renato Souza.
Não é por outra razão que a questão do ensino virou tema candente em todo o mundo. A boa notícia no Brasil é que começa a tomar corpo na sociedade a consciência de que a educação é uma ferramenta estratégica para o crescimento sustentado que o país deseja alcançar. O fato é que muitos empresários passaram a sentir na própria carne o que é ter mão-de-obra despreparada, destituída dos conhecimentos mais elementares da educação básica. Para muitos deles, a questão passou a ser de sobrevivência.
Eles descobriram que muitos de seus funcionários eram analfabetos funcionais, incapazes de manejar a nova tecnologia disponível na empresa. O chão de fábrica passa por uma revolução. Um ferramenteiro hoje tem de ter conhecimento de desenho mecânico e noções de engenharia para projetar no computador os moldes das peças a ser produzidas em série. Para o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, da Universidade de São Paulo, o analfabeto do futuro não será aquele que não sabe ler nem escrever, mas sim alguém incapaz de interagir com máquinas inteligentes e participar de um processo no qual é preciso tomar iniciativas. "Quem não tiver essas habilidades vai ficar excluído", diz Gianetti.
Também o trabalhador rural tem de se adaptar aos novos tempos. Antigamente, o pai ameaçava o filho que não queria ir para a escola, dizendo que se ele não estudasse iria para a roça. Hoje, nem essa alternativa lhe resta. Para aumentar a produtividade, começa a ser introduzida no país a chamada agricultura de precisão. O grupo Algar, de Uberlândia, em Minas Gerais, passou a usar instrumentos de última geração em suas fazendas cultivadas com soja e milho. Sensores instalados nas plantações e o sistema de monitoramento por satélite ajudam os agrônomos a mapear a produtividade em cada metro quadrado da área plantada. A deficiência de fertilizantes ou a ocorrência de praga são detectadas, e as providências tomadas rapidamente.
Para lidar com esse tipo de agricultura, o trabalhador rural precisa saber bem mais do que ler e escrever. Em Paracatu. município do cerrado mineiro, as crianças da zona rural passaram a receber um tratamento muito diferente da costumeira negligência com que vêm sendo relegadas séculos a fio. Há apenas cinco anos, de 2 600 crianças em idade escolar, apenas 300 freqüentavam escolas. Hoje, o número subiu para 2 300 alunos (quase 90% do total), graças a uma série de iniciativas tomadas pela prefeitura para incentivar a educação no campo. O programa, batizado de Educar Plantando, compreende oito escolas-pólos, com cursos da 5ª à 8ª série, e 44 escolas multisseriadas, do pré-primário à 4ª série. Todas as manhãs, 13 Kombis e 12 ônibus contratados pela prefeitura recolhem os alunos na porta de casa para levá-los à aula.
No início, foi preciso convencer os pais a mandar seus filhos para a escola. Eles não queriam perder a ajuda dada pelas crianças no trabalho familiar. A solução encontrada pela prefeitura de Paracatu foi integrá-los ao projeto. São os pais dos alunos que fornecem a carne, ovos, leite, frutas e legumes usados na merenda escolar. Desde o lançamento do programa os índices de evasão caíram para mais da metade. Está em cerca de 5,6%, contra 8,8% na área urbana. A Fundação Banco do Brasil, que passou a apoiar o programa. está estendendo a iniciativa para mais de 60 municípios em todo o país.
Está claro que, num mundo moderno, a produtividade está associada diretamente à qualificação do trabalhador. Não é possível atingir prosperidade sem investimento em capital humano. Em seu livro Human Capital, Becker cita o inglês Alfred Marshall, para quem a essência do desenvolvimento residia no emprego das potencialidades das pessoas. Muitos dos problemas que Marshall viu na Inglaterra do fim do século - mau aproveitamento dos recursos humanos e desperdício na escola gerado por um alto grau de repetência e evasão ainda são os nossos problemas.
Por causa da repetência, os brasileiros levam em média cerca de 11,2 anos para concluir as oito séries do ensino obrigatório. No Nordeste, 80% dos alunos matriculados na escola fundamental têm idade superior à faixa etária correspondente à série em que estudam. O resultado é um alto nível de evasão escolar - cerca de 4% no ensino fundamental. Desestimuladas pelos maus resultados e pressionadas pelos pais a ajudar no sustento da casa, muitas crianças abandonam definitivamente os estudos. Sempre se jogou sobre as costas dos alunos a culpa pelo fracasso escolar. Quando tantas crianças abandonam os estudos, é claro que os verdadeiros responsáveis estão em outro lugar. Os dados do último censo escolar revelaram, porém, uma tendência alentadora. Apesar de alto, o número de alunos que deixam a escola está em queda. Isso pode ser atestado pelo crescimento das matrículas no ensino médio (o antigo segundo grau), que aumentaram 52,2% entre 1991 e 1996.
O governo, empresários e estudiosos do problema estão convencidos de que as oito séries do nível fundamental constituem a melhor base para qualquer aspirante a uma vaga no mercado de trabalho. O que afinal aconteceu para que houvesse essa guinada tão radical? O fato é que num mundo de fronteiras abertas, onde o acesso ao capital e aos fatores de produção foram internacionalizados, o que faz a diferença atualmente é a qualidade da mão-de-obra nacional. Na dúvida entre investir neste ou naquele país, ganhará o que for capaz de oferecer uma força de trabalho mais bem preparada. É isso o que os especialistas chamam de worker effect, o que, em última instância, garantirá a competitividade internacional dos produtos a ser produzidos.
Os índices de produtividade do trabalhador brasileiro tiveram um salto espetacular desde o início do Plano Real, mas ainda estão muito longe daqueles que vêm sendo obtidos pelos seus pares na Coréia, onde a escola fundamental foi universalizada e a educação é cultuada como um bem valioso. Por isso, nada soa mais ultrapassado hoje do que aquela qualificação excludente do passado, em que os filhos das classes menos favorecidas substituíam a formação acadêmica pelos cursos profissionalizantes oferecidos no local de trabalho. Tal modelo ajudou a perpetuar uma casta de brasileiros de segunda categoria, mantendo, geração após geração, as desigualdades sociais de seus grupos. Enquanto isso, o ensino acadêmico era garantido aos filhos das classes médias e mais abastadas, que acabavam ficando com as vagas nas universidades e, mais tarde, com os cargos de comando nas empresas e fora delas.
Não se pode menosprezar o fato de que, além de contribuir ara formar continentes de mão-de-obra capazes de atrair para o parque industrial brasileiro as chamadas indústrias de ponta, a educação também terá seu papel na consolidação do mercado brasileiro. Como afirma o economista carioca Sérgio Werlang, cada ano adicional de estudo acrescenta ao trabalhador brasileiro um aumento anual de renda em tomo de 16%. Mais renda, mais consumo.
Quanto maior a base acadêmica, maior a chance de um trabalhador integrar-se às novas exigências do trabalho e expandir suas habilidades, mediante cursos de reciclagem constantes. É assim que irá garantir sua empregabilidade, uma dessas palavras feias que os consultores e técnicos inventam de vez em quando, mas que significa apenas a capacidade do trabalhador de tornar seus préstimos úteis para alguma empresa. "A principal política de emprego é a política educacional", diz o ministro do Trabalho, Paulo Paiva.
Dados do Ministério do Trabalho indicam que o contingente de pessoas analfabetas ou subescolarizadas empregadas hoje nos diversos setores da economia é superior a 10 milhões. Uma série de iniciativas está em curso para enfrentar o problema. A Confederação Nacional da Indústria, CNI, através do Sesi, anunciou recentemente uma meta ambiciosa: alfabetizar e elevar a escolaridade de 3,6 milhões de trabalhadores acima de 14 anos, empregados na indústria, no setor de comunicações e na pesca. O programa pretende fazer com que 2,6 milhões de trabalhadores concluam a 8ª série do ensino fundamental num período de seis anos.
Empresas como a Black & Decker, Volkswagen, Honda e Natura estão investindo na educação básica de seus funcionários. Muitas empresas, como a Natura, só admitem funcionários que tenham o segundo grau completo. A política começou a ser implantada há cerca de três anos, quando muitos deles, com baixa escolaridade, começaram a ter dificuldades para absorver os novos conceitos de qualidade total que estavam sendo introduzidos na empresa. O recurso foi firmar um convênio com uma escola pública da vizinhança para que voltassem a estudar. Hoje, 78% dos funcionários da Natura já atendem àquela exigência. "Precisamos de pessoas que saibam tirar conteúdo de um texto e entendam nossos treinamentos operacionais", afirma o diretor de recursos humanos e qualidade total da Natura, Femando Porchat.
Para fazer essa revolução do giz, - caderno e compasso (sem falar da calculadora eletrônica e do computador) é preciso que a sociedade se mobilize. Há muito se sabe que um dos nós da educação brasileira é a prioridade dada pelo governo ao ensino universitário em detrimento do ensino básico. A questão sobre se a universidade pública deve ou não ser paga é um vespeiro no qual o governo não pretende meter a mão, ao menos por enquanto. "Esse não é um tema central neste momento", diz o ministro Paulo Renato. Para ele, as atenções devem ser centradas na reforma universitária que se encontra em discussão no Congresso. Sua esperança é que por meio dessa reforma, que pretende dar maior autonomia administrativa e financeira às universidades federais, elas possam melhorar seu desempenho, inclusive baixando os custos - hoje tão altos - por aluno matriculado.
O outro nó é a altíssima taxa de repetência, que atinge cerca de 30% dos alunos matriculados no ensino fundamental. O resultado é uma massa de estudantes com auto-estima baixa e desmotivados, que acabam abandonando para sempre os bancos escolares. Os números da evasão escolar são espantosos. De cada grupo de 100 alunos matriculados no ensino fundamental, apenas 35 concluem a 8ª série. O que o governo está fazendo para solucionar o problema da repetência? "Estamos centrando nossos esforços na melhoria da qualidade do ensino", diz o ministro Paulo Renato.
Uma série de ações está em curso. A principal delas foi a promulgação, no ano passado, da Emenda Constitucional n.º 14, que estabelece o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. A partir de 1998, 60% dos recursos que estados e municípios têm de reservar, obrigatoriamente, para a educação, vão ser canalizados para o ensino fundamental. Esses recursos serão redistribuídos aos municípios e estados de acordo com o número de alunos matriculados nas respectivas redes. Isso significa que, para ter acesso às verbas, prefeitos e governadores precisarão investir nas escolas da 111 à 8a série. O investimento em cada aluno será de 300 dólares por ano, o mesmo valor do salário mínimo que passará a ser pago aos professores de todo o país por 20 horas de aula semanais. Começa-se a corrigir, assim, a vexatória situação que faz muitos professores, em algumas partes do país, receberem salários de 30 reais por mês.
Para melhorar a qualificação dos mestres, o governo lançou no ano passado o programa TV Escola. Cerca de 45 000 escolas do país já contam com equipamento para recepção e gravação dos cursos de aperfeiçoamento oferecidos aos professores. A intenção do governo é que, em cinco anos, todos eles tenham pelo menos o segundo grau completo. Hoje, apenas 47% deles estão nessa situação. Também no ano passado foi criado o programa de Aceleração de Aprendizagem, voltado para alunos com mais de dois anos de repetência. Lançado inicialmente nos estados de Minas Gerais, do Maranhão e de São Paulo, a iniciativa tem colhido bons resultados. O Ceará é outro estado que tem priorizado o combate à repetência e à evasão escolares. Ali, agentes comunitários visitam as áreas mais pobres do estado para convencer os pais a mandarem seus filhos novamente para a escola Essa e outras iniciativas fizeram com que a matrícula nas escolas cearenses do ensino fundamental tivesse um aumento de 25% do ano passado para cá.
Há várias outras iniciativas adotadas pelo governo federal para melhorar o nível de ensino. O MEC implantou, por exemplo, um sistema de avaliação do livro didático, para orientar a escolha dos professores. Este ano foram distribuídos, no início e não no meio do ano letivo, como acontecia tradicionalmente, um total de 110 milhões de livros didáticos, o que significa um aumento de 83% sobre 1996.
Outra novidade diz respeito aos novos parâmetros curriculares que estão sendo estabelecidos para o ensino fundamental. Já a partir do próximo ano, as disciplinas clássicas, como português, ciências sociais e matemática, vão ser permeadas, nas escolas da 14 à 4& série, por temas como saúde, pluralidade cultural, ética da cidadania e meio ambiente. No próximo mês, o presidente Femando Henrique Cardoso vai divulgar as bases do programa Nenhuma Criança fora da Escola, que tem por fim apoiar os estados e os municípios a expandirem o número de suas matrículas e eliminar o déficit no atendimento já a partir do ano letivo de 1998.
Em meio a todos os dados desalentadores da educação brasileira, uma boa notícia. De 1991 a 1995, o número de alunos que concluíram o ensino fundamental cresceu 61,9%. No mesmo período, o número daqueles que terminaram o ensino médio foi 45,9% maior.
Tudo isso mostra que alguma coisa está sendo feita para desatar o nó do ensino no Brasil. Não se trata evidentemente, de uma tarefa que se possa executar da noite para o dia, mas é preciso correr. Outros países, com sistemas educacionais mais funcionais do que o nosso, estão discutindo os seus erros e procurando corrigi-los, sob pena de serem punidos mais adiante. É possível, sim, resolver o problema da educação no Brasil. Talvez seja uma tarefa para apenas uma geração. Convém desmitificar as dificuldades à frente. Houve um tempo em que quase chegamos a perder a confiança em nossa capacidade de ter uma moeda estável. Hoje, a inflação está aí com índices de apenas um dígito - uma miragem não faz tanto tempo assim. Se toda a sociedade quiser, não vai ser diferente com a educação. Só com uma profunda reforma do ensino, que resgate a cidadania de sua enorme parcela de excluídos, é que o Brasil vai poder, finalmente, deixar a segunda divisão dos países e marcar, quem sabe, um gol de placa no século XXI.