quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Que 2021 nos salve de 2020

 Que 2021 nos salve de 2020

Num ano que nos privou dos encontros, das risadas na mesa de bar e sobretudo dos abraços, além de ter levado milhares de vidas, o início de 2021 é, mais do que nunca, um aceno da esperança. Na retrospectiva da pandemia, cada brasileiro expiou uma dor e abraçou de longe a dor do outro, carrega para a virada um sonho. Um sonho de dias mais solares e menos isolados. Se despedir do ano que passou é deixar para trás uma verdadeira quarentena de afetos.

Mais do que uma revolução na rotina, adultos em home office ou desempregados, jovens fora da sala de aula, ficarão para sempre tatuados na memória os medos, a ansiedade, a solidão gigante do quarto de quem teve Covid e a tristeza sem tamanho por cada morte, próximo ou não, que não foi possível evitar.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

A BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS

Esgotamento. Essa é a palavra que descreve o estado de muitos de nós nesta época, mas em particular de estudantes e de seus pais em relação aos trabalhos escolares em tempos de pandemia. Eles estão à beira de um ataque de nervos e da exaustão física e mental, e um dos motivos que tem contribuído muito para isso são os estudos remotos. Sabemos que um grande número de alunos brasileiros ficaram sem aprendizagem neste período de escolas fechadas por falta de condições de acesso virtual. E não foram apenas os alunos das escolas públicas, não.

Os alunos que conseguiram realizar o estudo remoto nem sempre tiveram aprendizagem, é bom lembrar. Por quê? Pela idade não compatível com estudos a distância, por aulas remotas muito longas, por falta de preparo da escola e dos alunos, pela ausência de um período de adaptação, principalmente dos alunos, ou pela simples transposição do ensino presencial ao remoto. Isso não funciona.

O problema é que, independentemente de todas essas dificuldades e características do tempo de exceção que vivemos, a pressão para o bom rendimento escolar continua a existir. E essa pressão segue um caminho, que é mais ou menos o seguinte: a escola se sente pressionada pelos pais a mostrar sua competência e cobra dos professores que eles realizem um ensino que resulte em aprendizagem; os professores dão conta como podem desse trabalho, mas mesmo testemunhando dificuldades de muitos alunos com o ensino remoto cobram dos pais que acompanhem e façam seus filhos realizarem todas as tarefas solicitadas; e os pais, cobrados pela escola, tentam cumprir um papel que nem é deles. Resultado? O esgotamento ao qual me referi logo no início do texto.

Todas as vezes em que falo que não é papel dos pais garantir que seu filho realize os trabalhos solicitados pela escola sou bastante questionada, por isso convido você a uma breve reflexão a esse respeito. Os alunos não vão para a escola, necessariamente, porque querem aprender. Vão porque é obrigatório, certo? Já a escola quer que seus alunos aprendam e utiliza todos os recursos que tem disponíveis.

Os professores querem ensinar, mas nem sempre seus alunos querem aprender. Há aí um conflito que precisa ser trabalhado pela escola com seus alunos. Conflito é bom porque faz crescer, e sempre que existe qualquer situação que envolva mais de uma pessoa é inevitável que ele apareça. Administrar os conflitos que surgem entre escola e alunos é um grande passo de ensino e de aprendizagem.

Tomemos um recurso muito usado pelas escolas como estratégia para o aprendizado: o trabalho para ser feito fora da escola. Tarefa de casa, como muitos chamam. O que cabe à família? Ajudar o filho a se organizar no tempo e no espaço para que ele cumpra a sua responsabilidade. Atenção: a responsabilidade é do aluno, não dos pais dele.

Vamos tomar um exemplo que ocorre com muita frequência: os pais lembram ao filho da lição que ele deve fazer, organizam um local, tiram as distrações dele e, mesmo assim, o filho não a faz. Vai para a escola sem o dever cumprido, e um recado aos pais é enviado.

Notem que o aluno, ao não fazer a lição dada pela escola, ele inaugura um conflito entre ele a escola. Conflito esse que deveria ser administrado lá, entre os envolvidos: escola e alunos. Quando a escola deriva aos pais a busca de solução para esse conflito, ela continua com o mesmo conflito. É isso que atrapalha a aprendizagem: problemas que não são resolvidos seguem prejudicando o ambiente de aprendizagem escolar. Vamos reconhecer: há muitas famílias que não colaboram com os estudos dos filhos ou porque não conseguem, ou porque não ligam. Agora, vamos pensar: que culpa tem o aluno da família que tem? Vamos, na escola, trabalhar com quem está conosco nos estudos escolares: os alunos!

segunda-feira, 1 de junho de 2020

PELO COMPORTAMENTO DO BRASILEIRO, FICA CLARO QUE VAMOS MUDAR PARA PIOR

Se antes os analistas de tendências diziam que o futuro seria compartilhado, com a pandemia o futuro será isolado. O “cohousing”, nome pomposo para pensão ou república estudantil, será solo-housing ou, no máximo, “casado-com-filhos-housing”, se algum casamento sobreviver à quarentena.
A indústria da moda terá de se reinventar. Para que gastar milhares de reais em peças de roupa se não saímos de casa? Os itens básicos da quarentena são pijamas, conjuntos de plush e camisetas das eleições de 1989.
Lingerie também ficará em baixa, já que, no isolamento, ninguém usa sutiã nem transa. A nova pornografia será assistir ao canal Off, já que ver pessoas viajando e praticando esportes em lugares exóticos será um fetiche proibido.
O mercado estético entrará em decadência. Para que aplicar botox e preenchimento no rosto, se podemos usar os filtros do Instagram? A dermatologista Ligia Kogos terá que se contentar em empurrar cloroquina a seus pacientes, pois nem espinha precisará espremer.
Os regimes milagrosos também perderão o sentido. Qual o motivo de fazer dieta, se estamos todos gordos? Saem as dietas paleolítica, mediterrânea e de South Beach —mesmo porque ninguém vai para Miami tão cedo. Entra a dieta pandêmica, que constitui basicamente de pedidos por delivery, barras de chocolate e salgadinhos Torcida.
As blogueiras e instagrammers também vão entrar em extinção. Qual é o sentido de alguém mostrar o look do dia para quem usa o mesmo look todo dia? Ou ver Gabriela Pugliesi falando “obrigada, coronavírus”, enquanto faz uma festa? Melhor assistir às lives do Atila Iamarino falando que vamos todos morrer.
É certo que vamos mudar com a pandemia. Mas, observando o comportamento do brasileiro nos últimos tempos, fica claro que não vai ser para melhor. Razões não faltam para consumir álcool como se não houvesse amanhã.

sábado, 16 de maio de 2020

ESPORTE E ENSINO A DISTÂNCIA PRECISAM SE PROVAR MAIS HUMANOS

Em tempos de isolamento e distanciamento social, a capacidade de adaptação humana está sendo testada no seu limite. Muitos de nós experimentamos uma espécie de prisão domiciliar, com direito a trabalho remoto, com todas as exigências do presencial.
Adaptamos espaços para viver, comer, trabalhar, nos exercitar e, com isso, tentamos levar a vida para que ela não nos leve.

Ser professor nestes tempos exige muito mais do que ter conhecimento. Catapultados da sala de aula para ambientes virtuais, passamos a mesclar nossa capacidade de comunicação acadêmica com retoques cênicos e plasticidade tecnológica. A educação precisou se reinventar a toque de caixa e ainda não encontrou a luz no fim do túnel.
Mas, o mais importante é que, mesmo na escuridão, continua a caminhar. Se nos falta a visão em tempos de trevas, nos resta ainda a audição, a fala, o tato e o olfato. E com isso seguimos.
Ou seja, em tempos de crise, mais do que nunca, é preciso reinventar.

Atividades historicamente construídas como presenciais deixaram de acontecer nos últimos meses. Escolas e universidades buscaram se adaptar, não apenas para cumprir seus currículos, mas porque se mostraram indispensáveis à sanidade de estudantes e seus familiares. Isso está dando um trabalho danado para quem efetivamente pensa a educação como algo que vai para além da simples divulgação de conteúdo.

No campo esportivo, a cena é um pouco mais complexa. A exibição de uma competição depende de todo um conjunto de ações anteriores (treinos individuais e coletivos, preparação física, cuidados com o corpo) que ainda não puderam ser substituídas por atividades a distância. Sem contar a importância do público que transforma a competição em um espetáculo.

Ou seja, nem a educação, nem o esporte, serão os mesmos ao final da pandemia.
Algumas ligas, mundo afora, começam a anunciar o retorno às atividades, com distanciamento, sem público. Tenho lá minhas dúvidas se isso poderia ser chamado de esporte. O que tenho absoluta certeza é que o negócio esportivo começa a se mexer, sabe-se lá em que direção.
O argumento parece o mesmo que deseja colocar em atividade outros setores da sociedade que deveriam estar quietos neste momento, até que as coisas cheguem a um patamar mínimo de normalidade.

Os negócios começam a voltar, mas ainda não é possível dizer que o esporte voltou. Atletas permanecem em suas casas, adaptando treinos e a vida a uma condição nunca antes imaginada. Nunca é demais afirmar a necessidade de preservar a vida antes dos negócios.
Campeonatos seguem, porém, sem os encontros presenciais em estádios e ginásios, como aconteceu nos últimos tempos. Competições com ligas de diferentes níveis conseguem atrair dos usuários especialistas aos mais novatos. Isso faz reacender a discussão sobre tornar olímpico ou não os eSports.
Se antes da pandemia essa era uma questão já descartada das discussões olímpicas, ela agora volta à mesa de negociações com todos os afagos de um flerte.
Mas, como em todos os namoros onde falta paixão e sobra interesses, é possível que, uma vez mais, entre tapas e beijos, a relação não avance para além de intenções.
Ensino e esporte colocam à prova as relações humanas. Eles envolvem comunicação, interação e, acima de tudo, afeto. Portanto, ensino a distância e esporte a distância podem ser modalidades natas de um período de isolamento, mas terão que se provar humanos o suficiente para sobreviverem a mais do que um mês na berlinda.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Sexualidade e a escola

Uma família almoçava alegremente, conversando o tempo todo. Estavam à mesa o pai, a mãe e dois filhos adolescentes: uma garota de 13 anos mais ou menos e um jovem de uns 17. Logo deu para perceber que os pais não eram mais casados, mas faziam questão de almoçar com os filhos aos finais de semana.
A garota estava entusiasmada porque passara uns dias das férias com a família de uma amiga em uma casa de praia e contava, não sem provocar os pais, como eram os costumes daquele grupo e a relação com a filha, da mesma idade que ela. “Os pais dela a deixam fazer isso, aquilo.” Foi o início de frase mais comum que a ouvi dizer.
Enquanto ela contava suas histórias, o irmão parecia incomodado, talvez pela atenção dos pais toda focada na garota. Vez ou outra ele até tentou interromper, mas os pais não lhe deram atenção. Assim que a menina terminou as novidades, ele passou a falar de suas conquistas com as garotas. Talvez tenha exagerado, mas o fato é que contabilizou inúmeras meninas com quem tinha ficado, beijado, assediado com êxito.
A mãe reagiu de imediato. Com o dedo em riste, disse com firmeza, mas sem braveza, a seguinte frase ao filho: “Nossos filhos, se quiserem beijar, ou até mesmo transar com alguém, que namorem, entendeu?”. Com essa pequena – mas contundente – frase, aquela mãe deu aos filhos uma lição de educação sexual familiar. Se o jovem seguiria o que ela disse, já é outra história e não importa, mas ele estava ciente do pensamento familiar a respeito de comportamentos relativos ao sexo.
A expressão “educação sexual” costuma assustar muita gente. Tanto que há quem diga que ela não deve ocorrer na escola. Deve. Isso porque a educação sexual familiar transmite a moral daquele grupo específico. Já a educação sexual na escola transmite, com base no conhecimento sistematizado, valores, tradições, costumes, leis em vigor no país, diferenças em relação a outros países, comportamentos aceitos e não aceitos pela sociedade, aponta preconceitos e estereótipos que envolvem a sexualidade. São abordagens bem diferentes e ambas importantes para a formação dos mais novos.
Vejamos um exemplo: uma família que professa alguma religião que tem como princípio que o relacionamento sexual só deve ocorrer após o casamento apontará tal princípio aos filhos. É direito da família ter seus valores religiosos e transmitir isso aos filhos.
Na escola, entretanto, isso não deve ocorrer porque uma das funções da instituição escolar é formar seus alunos para a autonomia, ou seja, para que saibam fazer boas escolhas quando tiverem maturidade, e boas escolhas são as escolhas bem informadas. Cabe, portanto, à escola passar todo o conhecimento humano construído e acumulado a respeito da sexualidade para que seus alunos sejam bem informados.
Educação sexual não trata de sexo, mas da sexualidade, tema muito mais amplo porque envolve todo tipo de comportamento relativo ao sexo. Saúde sexual, autocuidado, respeito a si, ao outro e à sociedade, responsabilidade, valores e moral social são temas, por exemplo, da educação sexual. Sabia que algumas doenças sexualmente transmissíveis estão crescendo entre os jovens justamente porque não temos um bom trabalho de educação sexual nas escolas? Não queremos nosso jovens infectados com vírus e bactérias que provocam essas doenças por falta de informação qualificada e de formação, queremos?
Não podemos nem devemos cercear a formação dos mais novos em virtude de nossos valores, de nossos conceitos e preconceitos, de nossa visão de mundo. Eles poderão ser bem melhores do que nós na construção do nosso futuro!

Rosely Sayão, O Estado de S.Paulo
12 de janeiro de 2020 | 02h00