domingo, 30 de dezembro de 2018

Somos o nosso maior inimigo



Somos lançados em um meio cuja educação é precária em relação ao conhecimento que Spinoza nos propõe. Conhecemos o mundo a partir de valores de figuras de autoridade, pouco nos ensinaram a experimentar e reconhecer as causas daquilo que nos acontece, muito nos ensinaram a julgar e acusar. A cultura e a educação dominantes são altamente castradoras, o homem predominante no ocidente é profundamente interiorizado, crente em livre-arbítrio e, atualmente, tolamente espiritualizado com as caricaturas de uma liberdade neoliberal que o cega diante da própria servidão. Resta que aquilo que chamamos de Eu ou Ego também se constituiu, dominantemente, como um repositório de fantasmas e superstições, repleto, na maioria das vezes, de castração e táticas de má-fé para (re)agir diante das angústias e infelicidades. E é desse lugar interiorizado que o homem trava terríveis batalhas contra si mesmo, às vezes por uma vida inteira.


"(…) a educação sempre foi, no seu modo dominante de ser, uma máquina de adestramento reativo e não uma máquina de adestramento que poria a vida em condições de criar as próprias condições de experimentação da existência. FUGANTI, L. Educação para potência."


Spinoza cita Adão como exemplo de um homem que desconhece as causas – o ignorante (aqui sem a conotação pejorativa). Este teria interpretado o Não comerás do fruto… como um interdito moral. O encontro do seu corpo com o corpo da maçã seria um mau encontro devido a indigestão, envenenamento, intoxicação, decomposição, etc., mas por ignorar as causas Adão interpreta o interdito sob a categoria do Mal. Por ignorância muitos maus encontros são acusados nas categorias do negativo – ao invés de compreender, acusamos e nos encurralamos cada vez mais como sujeitos interiorizados, pois toda acusação pressupõe uma vida marcada por um sentimento de vingança. Acusar a vida e o outro pelos nossos maus encontros pressupõe afetos do ressentimento, “E nenhuma chama nos devora tão rapidamente quanto os afetos do ressentimento.” NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Eis aí o homem como o maior inimigo de si mesmo.

Nós não temos sido muito diferentes de Adão. Muitas das nossas ações e comportamentos que nos diminuem, por assim dizer, nossos fracassos, temores, constrangimentos de viver, etc., são externalizados no “Mal” do outro e do mundo a partir de um sujeito interiorizado ignorante das causas. Mas quando o outro não pode ser usado como causa o homem se empenha em atribuir causas internas como justificativas para a sua própria infelicidade. Em ambos os casos ele permanece na ignorância das causas. Importante ressaltar que nos nossos tempos os diagnósticos de doença mental podem ocupar esse lugar de legitimação de uma causa externa para construir narrativas da própria infelicidade, mas essa dimensão não exclui a internalização do fracasso e da infelicidade diante de uma sociedade de dever à felicidade e ao sucesso, apesar de tais narrativas encontrarem ressonâncias a partir de um social psiquiatrizado, a culpabilização de si também aumenta

Assim como acusamos o outro e a vida pelas nossas infelicidades, também nos rotulamos facilmente de ansiosos, impulsivos, tímidos, depressivos, irascíveis, amargurados, apáticos, etc. Quando não estamos à altura daquilo que nos acontece e damos causas internas – em geral sentimentos negativos – como justificativas, além de nos fecharmos à compreensão, ficamos à mercê de uma série de censuras e julgamentos, empenhamo-nos em verdadeiros ataques ao “eu” – o Euzinho interno… ele próprio que costuma ser um golpeador do corpo, separando-nos daquilo que nos acontece – o estado internalizado em nós.


Enfim, produzindo modos de existir e perceber as coisas, daí o servilismo se confunde com liberdade e livre-arbítrio, assim como o conhecimento, também internalizado, reduzido como capacidade de julgar através de categorias de valores binários e, sobretudo, em função da economia, não passa de uma ignorância – Spinoza não nos deixa se enganar a respeito desse tipo de conhecimento.


"Uma criancinha acredita apetecer, livremente, o leite; um menino furioso, a vingança; e o intimidado, a fuga. Um homem embriagado também acredita que é pela livre decisão de sua mente que fala aquilo sobre o qual, mais tarde, já sóbrio, preferiria ter calado. Igualmente (…) muitos outros (…) acreditam que assim se expressam por uma livre decisão da mente, quando, na verdade, não são capazes de conter o impulso que os leva a falar. Assim, a própria experiência ensina, não menos claramente que a razão, que os homens se julgam livres apenas porque são conscientes de suas ações, mas desconhecem as causas pelas quais são determinados. SPINOZA, B. Ética, parte III, prop 2 esc."

Conhecer a causa daquilo que nos acontece nos potencializa para buscar compreendes mais efetivas junto às interações com o mundo. Romper com esse sujeito interiorizado que foi produzido, costumeiramente, como sendo causa daquilo que nos acontece e, sobretudo, perceber o devido lugar que grandes estruturas – e não meramente os indivíduos – como o estado, o capital, a religião, a linguagem, e tantas outras, ocupam, com a nossa cumplicidade (ver O ego é cúmplice), nos processos de subjetivação e produção de vida, é fundamental para nos afastar de tanta ignorância e servidão. Para tanto, prezamos por uma compreensão que vai em busca de cartografar os nossos trajetos, perceber as modificações, as nuances de alegria e tristeza, os aumentos e as diminuições da nossa potência de agir e de pensar. Nietzsche fazia muito bem isso, em seus trajetos procurava avaliar os efeitos do ambiente, do clima, da alimentação, de uma música, da temperatura etc., sobre a sua potência de agir e pensar.


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domingo, 2 de dezembro de 2018

Há folgados conscientes e inconscientes


Há folgados conscientes e inconscientes. Existe uma folga “normal” do indivíduo que nem pensa mais no seu gesto, apenas não vê o outro. Sua tranquilidade em se considerar o único ser humano do planeta é quase natural. O segundo tipo é plenamente convencido de que ser folgado é boa estratégia e quem se aproveita mais fica mais feliz. O primeiro tipo passa à frente da fila sem olhar para ninguém, o segundo olha nos olhos e ignora a ordem de chegada. 
Quando estou generoso com a humanidade à qual pertenço com alguma relutância, suponho que exista um déficit de atenção do espaço alheio, um defeito de fábrica, uma miopia específica qualquer. O folgado do primeiro tipo poderia ser uma espécie de deficiente: ele realmente não vê nada. Nos dias não tomados pela compaixão, enfatizo o ódio sobre o segundo tipo: invasor, agressivo, inimigo da civilização e que deve sofrer os rigores do desprezo e da punição com tenazes ardentes.
Os folgados falam aos borbotões em celulares, conversam em cinemas, jogam papéis no chão, pedem favores exorbitantes, eructam, bufam, empurram, perfumam-se em excesso, transformam o som do carro em trio elétrico, estacionam na calçada ou na vaga de idoso desde os dezenove anos e, acima de tudo, entendem a população em geral como pessoas a seu serviço e nascidas para seu prazer. 
A percepção do todo, de que existem mais pessoas além de mim, é fundamental. Acima de tudo, a necessidade de vigorar o princípio diplomático: o reino da minha liberdade absoluta chega soberano apenas até a fronteira do país alheio. Entre as duas monarquias absolutas, entre mim e o outro, existe uma área republicana, neutra, regida pelo bom senso e pela regra de ouro da etiqueta: respeito. 
A percepção do outro como um ser com direitos é uma educação. Começa com o costume que os pais sempre fizeram: cobram da criança o obrigado ao receber o presente. A primeira etapa é treino mesmo: tornar automático o emprego das quatro frases-amuleto contra a folga futura: por favor, com licença, desculpe-me e muito obrigado. Após o processo educativo, tende a existir uma consciência mais sutil de vida em grupo. Começa em coisas pequenas: enumerando pessoas e se incluindo na lista apenas ao fim.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O barril e a esmola

Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos —uma das características da estatuária grega. Pela forma é que se penetrava na alma das estátuas, não pelos olhos.
Perguntaram a Diógenes porque pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.
É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha para dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais poder.
A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das calçadas.
Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios.
Pupilas vazadas que nada olham. Ou que olham errado —como no caso de Maria Antonieta, que sugeriu ao povo comer brioches à falta de pão.
Não sei por que lembrei o cinismo sábio de Diógenes e o cinismo burro de Maria Antonieta. Acho que têm a ver com um tipo de cinismo que nem é sábio nem burro. É apenas um cinismo que só não é inútil porque é cruel.

sábado, 6 de outubro de 2018

Salários altos, prestígio, apoio ao estudo: as lições dos países que tratam bem seus professores


No Vietnã, um professor é perguntado nos primeiros dias de trabalho sobre as metas que deseja alcançar na carreira. Quer trabalhar na linha de frente com as crianças e adolescentes? Almeja um cargo de gestão? Ou gosta mesmo de pesquisar e desenvolver técnicas e metodologias de ensino? A partir disso, professor e diretor da escola atuam em conjunto para estruturar a carreira de acordo essas preferências.
No Japão, bônus salariais, a possibilidade de acelerar promoções e a ideia de desafio tornam atrativo dar aulas nas escolas mais pobres do país. Na Estônia, a forte evolução salarial nos últimos anos e a autonomia para aplicar métodos criativos de ensino fazem da carreira de professor uma das mais cobiçadas.
Na Coreia do Sul, o alto status social dos professores combina estabilidade, bons salários e rigorosos requisitos de admissibilidade na carreira. Já na Finlândia, o salário não é dos mais altos quando comparado à média das demais profissões; mas o prestígio, sim.
O que esses cinco países têm em comum?
A contratação de professores é seletiva, a profissão é valorizada e, mais importante, a carreira é estimulante, o que atrai bons profissionais para as salas de aula. E esse foco na qualidade dos professores se reverteu em bons resultados no influente ranking Pisa, organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que avalia o desempenho de jovens de 15 anos em ciências, matemática e leitura em 75 países.
"A qualidade da educação de um país nunca será maior que a qualidade dos seus professores", definiu em entrevista à BBC News Brasil Andreas Schleicher, o idealizador do Pisa e diretor da área de educação da OCDE. E, para ter bons professores, é preciso atrair as pessoas mais talentosas para a profissão, oferecendo uma carreira desafiadora, além de boas condições de trabalho, diz Schleicher.
Nesses quesitos, o Brasil está longe de ser exemplo. Numa pesquisa da OCDE com 100 mil professores do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos), o Brasil aparece no topo de um ranking de violência em escolas.
Soma-se a isso o fato de a profissão de professor não ter prestígio social, salários abaixo da média da OCDE, ausência de uma carreira bem estruturada e de um período mínimo de experiência prática em salas de aulas como parte da formação. Todos esses fatores puxam para baixo a qualidade da educação no Brasil, que ficou entre os 10 países com piores resultados no Pisa de 2015.
Mas o que o nosso País pode aprender com a experiências das nações que melhor tratam os seus professores?
A OCDE examinou as políticas para professores de 19 países que, além de irem bem no Pisa, revelam resultados equânimes, ou seja, não apresentam grande disparidade na qualidade do ensino para alunos ricos e pobres. Entre essas nações estão Japão, Cingapura, Estônia, Finlândia, China e Alemanha.
Embora cada uma adote modelos diferentes, alguns fatores em comum foram identificados e podem servir de inspiração:

Testes de admissão rigorosos e 'recrutamento' dos melhores alunos

Jovens fazendo provaDireito de imagemMONKEYBUSINESSIMAGES/GETTY IMAGES
Image captionCláudia Costin, da FGV, diz que aumentar os critérios de seleção para professores é passo essencial para reforçar o prestígio da carreira
Todos os países com melhor desempenho no Pisa adotam critérios rigorosos na formação e contratação de professores, segundo o estudo Políticas Efetivas para Professores, da OCDE.
Na Coreia do Sul e na China, interessados em dar aulas no ensino básico precisam passar por dois testes altamente competitivos - um para ingressar no curso de formação de professor e outro depois de formado, para ser autorizado a integrar o sistema de ensino.
Na Alemanha, a preparação para se tornar professor de ensino básico dura entre seis e sete anos- compreende um mestrado e, pelo menos, um ano de experiência prática em sala de aula. Além disso, os candidatos precisam passar por um processo de certificação nacional que ateste que cumprem os requisitos.
Já em Cingapura, os melhores alunos do ensino médio são "recrutados" para se tornarem professores, por meio de condições atrativas de estudo e trabalho, como a oferta de uma generosa bolsa mensal durante o período de treinamento.
A seletividade é essencial na construção de prestígio em torno da profissão de professor, diz a professora Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
"Na Finlândia, é dificílimo ser professor e é muito concorrido, mesmo pagando menos que profissões de mesma escolaridade, embora claro que num patamar salarial bem acima do Brasil", exemplificou Costin, que é ex-diretora do departamento de educação do Banco Mundial.
"No Brasil, deveria ser fixada uma nota mínima no Enem para entrar para os cursos de licenciatura e pedagogia, e ter um processo nacional de certificação de professores, que pode ser uma prova de avaliação docente", defendeu.

Experiência prática como parte da formação

O diretor de educação da OCDE, Andreas Schleicher, destaca que os países bem sucedidos no Pisa adotam um sistemas de formação de professores que exigem um período mínimo de experiência prática em sala de aula, sob supervisão e com constante feedback.
"É importante garantir que uma parte considerável do treinamento se dê nas salas de aula das escolas, não apenas nas universidades. As salas de aula são os locais onde os professores adquirem boa parte da técnica e da qualificação. A maioria dos países com boas políticas públicas para o magistério têm um equilíbrio entre formação teórica e prática", afirmou ele à BBC News Brasil.
professora em sala de aulaDireito de imagemSKYNESHER/GETTY IMAGES
Image captionNa Alemanha, período de treinamento prático em sala de aula chega a durar dois anos
O período de treinamento prático varia entre os países com as maiores notas no Pisa - vai de 20 dias no Japão a alguns meses no Reino Unido, Austrália e Noruega, para um ou dois anos inteiros na Alemanha.
Costin destaca que, no Brasil, experiência prática não costuma integrar o currículo obrigatório dos cursos de licenciatura e pedagogia.
"A formação que eles recebem na universidade não prepara para uma carreira como professor. Os cursos de licenciatura e a faculdade de educação são excessivamente centrados na teoria. São divorciados da prática na sala de aula", avalia.

Especialização na área de ensino

Outro fator comum entre a maioria dos países que vai bem no Pisa é o alto número de professores com especializações nas áreas que lecionam ou a oferta, após a contratação, de cursos e workshops para garantir o aprendizado continuado dos profissionais.
No Brasil, só 29% dos professores de ciências no Brasil têm especialização na área, segundo a OCDE.
Em países como Finlândia, Austrália, Coreia do Sul e Alemanha, que estão entre os que apresentaram os melhores resultados do Pisa na área de ciências, a proporção de professores especializados nessa disciplina nas escolas públicas ultrapassa 80%.
"A primeira coisa que você, como aluno, percebe é se o seu professor realmente domina a matéria que ele está ensinando, então, claramente é uma vantagem ter um profissional com especialização na área que ele leciona", diz Schleicher.
aula de ciênciaDireito de imagemSOLSTOCK/GETTY IMAGES
Image captionNo Brasil, só 29% dos professores de ciência têm formação na área. Em países como Finlândia e Alemanha, o percentual ultrapassa 80%
Segundo Cláudia Costin, a falta de qualificação dos professores dificulta que os alunos desenvolvam uma capacidade de "reflexão científica". Ou seja, que aprendam a lógica por trás das lições e possam aplicar o conhecimento de forma crítica, em vez de apenas replicar conteúdo memorizado.
"Para poder ensinar num nível mais profundo, ensinar a pensar cientificamente, o professor precisa ter conhecimento da didática da disciplina. Ele não consegue ensinar a pensar cientificamente só seguindo o livro didático, mesmo que seja um material estruturado que dê a receita do bolo", diz.

Plano de carreira e bons salários

A OCDE diz que, em geral, os países com melhor desempenho no Pisa pagam aos professores salário maior que a renda per capita, sendo que alguns oferecem remunerações extremamente competitivas, como Coreia do Sul, Alemanha e Hong Kong (China).
No Brasil, o piso salarial dos professores é, atualmente, R$ 2.455. "Salário é uma questão essencial. A remuneração vem aumentando no Brasil, mas muito menos que a de profissões de igual escolaridade. Isso explica em parte a baixa atratividade da carreira para o futuro professor", diz Costin.
Mas Schleicher ressalta que alguns países que vão mal no Pisa também oferecem bons salários e que nações como a Finlândia, onde professores ganham menos que a média de outras profissões de mesma escolaridade, vão excepcionalmente bem em qualidade de ensino.
Isso significa, segundo ele, que um fator ainda mais importante que salário é tornar a profissão de professor uma carreira estimulante, com possibilidade de progressão baseada em resultados.
alunosDireito de imagemPICASA/AGÊNCIA BRASIL
Image captionNo Brasil, professores são contratados para cumprir poucas horas semanais e não encontram planos de carreira estimulantes. Esse é um dos fatores que tornam a profissão pouco atrativa
"Por um lado, podemos dizer que o Brasil tornou dar aulas um pouco mais atrativo financeiramente nos últimos anos, já que os salários aumentaram um pouco. Mas o Brasil não fez o suficiente para tornar a carreira de professor intelectualmente atrativa", disse.
"Você quer que as pessoas mais talentosas e competentes da sociedade se tornem professores. É o que aprendemos da Finlândia. Lá, os salários de professores não são fantásticos, mas todos querem se tornar professores, porque é considerado uma carreira incrível."
Costin concorda que não existe uma carreira estuturada para os professores de escolas públicas no Brasil. Ela destaca que os profissionais que lecionam no ensino básico costumam ser contratados em concursos públicos para cumprirem carga horária de 16 ou 20 horas. Portanto, ganham pouco e a acabam tendo que acumular empregos ou funções em escolas diferentes.
"Os professores não são contratados para uma carga horária semanal de 40 horas. Com isso, ele não cria uma identidade com um grupo de professores e com as crianças, não tem tempo de conviver com os estudantes e ter uma relação significativa com eles."

Desafios e educação continuada

Outro fator em comum entre os países com melhor desempenho no Pisa é a ampla oferta, aos professores, de cursos que garantam um aprendizado contínuo, além de autonomia para desenvolver e testar novos métodos de ensino.
De acordo com a OCDE, na Austrália, Reino Unido, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Cingapura, é comum o acesso frequente a workshops para grupos de professores e oferta de coaching, para que os profissionais tenham contato com novas metodologias e saibam identificar as próprias preferências na carreira.
Além disso, na maioria dos países com notas altas no Pisa, a progressão na profissão está diretamente associada ao tamanho do desafio que o profissional aceita assumir e aos resultados que ele obtém.
Sala de aulaDireito de imagemSOLSTOCK/GETTY IMAGES
Image captionOutro fator comum entre os países com melhor desempenho no Pisa é a ampla oferta, aos professores, de cursos que garantam um aprendizado contínuo
No Japão, por exemplo, é exigido que os professores troquem de escola periodicamente, para garantir um equilíbrio entre novatos e profissionais experientes nas escolas localizadas em áreas mais pobres do país.
E há incentivos aos professores para que assumam turmas com alunos em "desvantagem social e econômica", como antecipação de promoções para cargos de gestão e a possibilidade de escolher a próxima escola onde quer trabalhar.
No Brasil, prevalece a progressão salarial por tempo de serviço e, em geral, faltam incentivos para que professores assumam projetos complexos e desafios.

E qual a orientação da OCDE para o Brasil?

Andreas Schleicher avalia que a melhor forma de dar um salto de qualidade na educação é melhorar as condições de trabalho dos professores, para garantir profissionais dedicados e mais bem qualificados.
Se o dinheiro que o Brasil tiver para investir for "pouco", é preciso fazer escolhas estratégicas - entre ter salas com menos alunos e pagar mais por um bom professor, Schleicher recomenda investir no profissional mais qualificado.
As pesquisas da OCDE revelam que os resultados dos alunos são mais afetados pela qualificação e tempo de experiência do professor do que pelo tamanho das salas de aula.
Claudia CostimDireito de imagemFGV
Image captionCláudia Costin recomenda ampliar carga horária em contratos de professores, aumentar seletividade, por meio de certificação nacional, e melhorar salários
"Se o Brasil não tiver, no momento, muito dinheiro para investir em educação, é preciso refletir mais sobre como investir da maneira mais produtiva. E isso significa, por exemplo, priorizar a qualidade do professor em detrimento de reduzir o número de alunos por profissional", avalia.
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45680063?ocid=socialflow_twitter

Salário mínimo pago ao professor no Brasil é um dos piores do mundo


O Brasil é o que paga pior seus professores do ensino fundamental ao médio entre 40 países ou sub-regiões, membros ou parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o estudo "Education at a glance", divulgado nesta terça-feira, quando considerado o salário inicial anual de cada etapa, os professores brasileiros ficam em último em quase todas, exceto na educação infantil.

A pesquisa, publicada anualmente pela OCDE, analisou o cenário educacional em 46 países ou regiões, mas, no caso dos salários de professor, apenas 40 disponibilizaram dados. O relatório leva em consideração os valores pagos por instituições públicas. De acordo com o relatório, o Brasil paga salário mínimo de US$ 13.971 por ano para seus professores. O país tem um piso salarial para toda a educação básica e, diferentemente de outras nações, não há variação de uma etapa para outra.

Nos primeiros anos do ensino fundamental, o salário mínimo anual brasileiro fica bem abaixo do montante de US$ 70.192 pago em Luxemburgo, país com melhores rendimentos. Os professores brasileiros também ganham menos que docentes de países vizinhos como o Chile, onde eles recebem inicialmente US$ 23.429 por ano. O país também fica atrás da média dos países da OCDE (incluindo a Lituânia, que entrou recentemente no grupo), que registra salário anual inicial de US$ 31.919.

No segundo segmento do fundamental, o Brasil continua com o salário inicial anual de US$13.971 na última posição, enquanto a média da OCDE sobe para US$ 33.126. No ensino médio, os países da OCDE pagam em média US$ 34.534 por ano, e o Brasil segue com o mesmo salário inicial anual.

Em outro cenário, a pesquisa também compilou os valores salariais após 15 anos de serviço, mas não há dados do Brasil para essa especificação. Em relação ao cenário do país, a OCDE destaca que não levou em conta bônus ou subsídios dados aos professores e ressalta que os valores podem variar dependendo das qualificações, do tipo de instituição e das regiões do país. Em alguns casos, como o de Luxemburgo, o valor inicial inclui contribuições de seguridade social e pensão pagas pelos empregadores. Ainda assim, o estudo destaca que os valores mínimos iniciais mostram a situação dos professores do país.

— O dado sobre salário mínimo não reflete exatamente a realidade do salário que os professores recebem, mas dá uma ideia da atratividade da carreira. E no Brasil ele é muito mais baixo que em outros países da América Latina — explicou Camila de Moraes, analista de Educação da OCDE.

O documento chama a atenção para o fato de que "a remuneração e as condições de trabalho são importantes para atrair, desenvolver e reter professores qualificados". Quando considerada a média salarial e não o salário mínimo, considerando bônus e subsídios, os valores aumentam um pouco, mas ainda assim o Brasil é o pior:

"O salário médio (anual) para professores de 25 a 64 anos no Brasil passa de US$ 22 mil na educação infantil para US$ 24.100 no ensino médio. Em comparação, a média da OCDE varia de US$ 36.900 a US$ 45.900. Esses valores também mostram que os salários no Brasil tendem a variar menos nos níveis de educação do que nos países da OCDE, onde os professores do ensino médio ganham em média cerca de 25% a mais que professores da educação infantil."

Para a especialista em educação e ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, a falta de atratividade na carreira prejudica diretamente a qualidade do setor no país.

— É um conjunto de fatores que vão precarizando a educação e impactam diretamente na sua qualidade. Quando há baixos salários, poucas pessoas se interessam pela profissão e muitas delas não têm a formação adequada e não investem nela. Isso vai virando uma bola de neve. A maioria dos professores é dedicada, mas falta condições — opina.

Segundo ela, o cenário seria diferente se o país se dispusesse a cumprir o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a valorização do professor.

— O PNE coloca a valorização do professor para garantir a atratividade, mas por conta da crise o valor do salário não está subindo como deveria. No Brasil, constatamos os problemas, mas não resolvemos. Precisamos de um governo que tenha como foco a educação e que leve em conta o professor e o cumprimento do plano, caso contrário, teremos um apagão de professores. E os professores que temos terão dificuldade de trabalhar — critica.

A própria legislação brasileira, muitas vezes, representa um entrave para o cumprimento do piso salarial dos professores. Mônica Gardelli Franco, diretora-executiva do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), destaca que o país precisar reavaliar alguns mecanismos:

— A valorização docente não acontece apenas pelo rendimento. Ele é importante, mas a gente também deve considerar a formação do professor e condições adequadas para ele desempenhar seu trabalho. O Brasil precisa investir nas três frentes — diz Franco. — Em relação ao rendimento, um dos principais obstáculos para alguns municípios é a lei de responsabilidade fiscal, que estabelece que ele não pode gastar em folha mais que recebeu na arrecadação. A responsabilidade fiscal estabelece um limite principalmente com gasto em folha e esse é um obstáculo que temos. É preciso algum mecanismo legal que proteja o gestor que pague o piso de professor.

MATRÍCULAS NO ENSINO MÉDIO

Os problemas do ensino médio brasileiro não se restringem aos salários dos professores. O estudo mostra que, considerando a população adulta do país, entre 25 e 64 anos, mais da metade dos brasileiros não completaram o ensino médio. O índice é mais que o dobro da média registrada pelos países da OCDE.

A baixa nas matrículas do ensino médio ajuda a puxar para baixo o percentual da população matriculada em algum nível de escolarização. No Brasil, apenas 69% dos jovens de 15 a 19 anos estão matriculados na escola, enquanto a média da OCDE é de 85%. Dos 20 aos 24 anos, 29% possuem matrícula no país, já a méida é de 42%.

A pesquisa destaca, no entanto, que houve um progresso significativo em relação a 2007. O índice de jovens adultos, de 25 a 34 anos, que atingiram o ensino médio passou de 47% naquele ano para 64% em 2015. Nesse cenário, o Brasil registrou um dos maiores aumentos entre todos os países analisados, ainda que o crescimento não seja suficiente para atingir a média da OCDE de 85% da população dessa faixa etária a atingir a etapa.

Salário dos professores brasileiros está entre os piores do mundo


Dados da OCDE (Organização para a Cooperação Desenvolvimento Econômico) mostram que os salários dos professores brasileiros são extremamente baixos quando comparados a países desenvolvidos. Divulgados nesta terça-feira (9), os valores fazem parte do estudo Education at a Glance 2014,  que mapeia dados sobre a educação nos 34 países membros da organização e 10 parceiros, incluindo o Brasil.
De acordo com o estudo, um professor em início de carreira que dá aula para o ensino fundamental em instituições públicas recebe, em média, 10.375 dólares por ano no Brasil. Em Luxemburgo, o país com o maior salário para docentes, ele recebe 66.085 dólares. Entre os países membros da OCDE, a média salarial do professor é de 29.411 dólares. Quase três vezes mais que o salário brasileiro.
Até mesmo em países da América Latina como Chile e México, os professores recebem um salário consideravelmente maior que o brasileiro, 17.770 e 15.556 dólares respectivamente. Entre os países mapeados pela pesquisa, o Brasil só fica à frente da Indonésia, onde os professores recebem cerca de 1.560 dólares por ano. Os valores são de 2012, com dólares ajustados pela paridade do poder de compra (PPC).

domingo, 9 de setembro de 2018

Formação do educador

Sonho com uma escola em que se cultivem pelo menos três coisas.
Primeiro, a sabedoria de viver juntos: o olhar manso, a paciência de ouvir, o prazer em cooperar. A sabedoria de viver juntos é a base de tudo o mais.
Segundo, a arte de pensar, porque é a partir dela que se constroem todos os saberes. Pensar é saber o que fazer com as informações. Informação sem pensamento é coisa morta. A arte de pensar tem a ver com um permanente espantar-se diante do assombro do mundo, fazer perguntas diante do desconhecido, não ter medo de errar, porque os saberes se encontram sempre depois de muitos erros.
Terceiro, o prazer de ler. Jamais o hábito da leitura, porque o hábito pertence ao mundo dos deveres, dos automatismos: cortar as unhas, escovar os dentes, rezar de noite. Não hábito, mas leitura amorosa. Na leitura amorosa entramos em mundos desconhecidos e isso nos faz mais ricos interiormente. Quem aprendeu a amar os livros tem a chave do conhecimento.
Mas essa escola não se constrói por meio de leis e parafernália tecnológica. De que vale uma cozinha dotada das panelas mais modernas se o cozinheiro não sabe cozinhar? É o cozinheiro que faz a comida boa mesmo em panela velha. O cozinheiro está para a comida boa da mesma forma como o educador está para o prazer de pensar e aprender. Sem o educador o sonho da escola não se realiza.
A questão crucial da educação, portanto, é a formação do educador. “Como educar os educadores?”
Imagine que você quer ensinar a voar. Na imaginação tudo é possível. Os mestres do voo são os pássaros. Aí você aprisiona um pássaro numa gaiola e pede que ele o ensine a voar. Pássaros engaiolados não podem ensinar o voo. Por mais que eles expliquem a teoria do voo, só ensinarão gaiolas.
Marshal McLuhan disse que a mensagem, aquilo que se comunica efetivamente, não é o seu conteúdo consciente, mas o pacote em que a mensagem é transmitida.  “O meio é a mensagem.” Se o meio para se aprender o voo dos pássaros é a gaiola, o que se aprende não é o voo, é a gaiola.
Tenho a suspeita, entretanto, que se pretende formar educadores em gaiolas idênticas àquelas que desejamos destruir. Aplicando-se essa metáfora à educação podemos dizer que a mensagem que educa não são os conteúdos curriculares, a teoria que se ensina nas aulas, educação libertária etc. A mensagem verdadeira, aquilo que se aprende, é o “embrulho” em que esses conteúdos curriculares são supostamente ensinados.
Os alunos se assentam em carteiras. Professores dão aulas. Os alunos anotam. Tudo de acordo com a “grade curricular”. “Grade” = “gaiola”. Essa expressão revela a qualidade do “espaço” educacional em que vivem os aprendizes de educador.
O tempo do pensamento também está submetido às grades do relógio. Toca a campainha. É hora de pensar “psicologia”. Toca a campainha. É hora de parar de pensar “psicologia”. É hora de pensar “método”…
Os futuros educadores fazem provas e escrevem papers pelos quais receberão notas que lhes permitirão tirar o diploma que atesta que eles aprenderam os saberes que fazem um educador.
Desejamos quebrar as gaiolas para que os aprendizes aprendam a arte do voo. Mas, para que isso aconteça, é preciso que as escolas que preparam educadores sejam a própria experiência do voo.


CARLOS HEITOR CONY

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Desafio da nossa época é lidar com a abundância

A abundância, quem diria, se tornou um problema. A humanidade passou milênios tentando sobreviver à fome, ao desabrigo e à escassez: hoje precisa aprender a lidar com o excesso.

Temos alimentos demais, bugigangas demais, roupas, carros, embalagens, papéis, remédios, drogas, livros, filmes, eletrônicos e diversões demais. Ainda estamos aprendendo a viver no meio de tantas coisas.

É uma delícia de problema, é claro. Até o século 18, a teoria malthusiana fazia sentido. O crescimento da população levava à escassez de comida e assim à diminuição da poluição. Crises de fome ceifavam multidões todos os séculos.

A Revolução Industrial nos fez escapar dessa armadilha. Produzindo mais com menos esforço, operamos um milagre: a população explodiu e a riqueza também. A fome, até então uma condição natural da humanidade, se tornou uma anomalia. Luxos que antes eram reservados a reis ou milionários (chás ou janelas com vidros e cortinas, por exemplo) entraram na casa de trabalhadores comuns.  

É claro que boa parte do mundo ainda enfrenta a fome e a escassez. Mas não é por falta de conhecimento que isso acontece. Pelo contrário, o caminho da prosperidade já está mais ou menos mapeado e pavimentado.

A abundância é um tipo de problema chique, que todo mundo gostaria de ter. Como o da grã-fina que está cansada de passar as férias em Paris. Mas ainda assim é um problema.

Muitas más notícias que os jornais publicam hoje são produtos da abundância: o trânsito, a obesidade, a poluição, o lixo, o tempo que crianças gastam em frente a telas. Não só crianças, mas os adultos —que em média tocam 2600 vezes no celular por dia.   
As pessoas parecem meio perdidas entre tanto conforto e atrações que desviam a atenção. Se perdem em realizações imediatas de consumo, sem foco e força de vontade para perseguir grandes desejos ou objetivos mais ousados.

Se o problema já é grave hoje, imagine no futuro. O autocontrole será cada vez mais necessário. Nossos filhos e netos terão que aprender desde cedo a se controlar diante do excesso de comida, de drogas, de opções de vida e de diversão.

O mundo capitalista já resolveu o problema da escassez: precisa agora de uma educação para a abundância.
Leandro Narloch
Jornalista, mestre em filosofia e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

EDUCAR PARA QUÊ?


“Não há saber mais ou saber menos. Há saberes diferentes”, constatou Paulo Freire já nos primeiros olhares lançados para um novo educar: Educar para a vida. Formar para a vida é o grande desafio. O dever de ensinar é um imperativo do Estado, da família, da religião e de todos aqueles que se preocupam com um mundo melhor, com um futuro melhor. Tudo passa pela educação, nada é feito sem a educação, não há objetivos sem a educação.
Desde os primeiros passos da civilização, o pedagogo não era aquele que dava o conhecimento, mas que conduzia a ele, que direcionava, ajudava nos primeiros passos. Passos esses que podem levar por diversos caminhos e vocações: advogado, médico, engenheiro, professor, artista, músico, dentista, militar... Não importa o que, mas como, e o “como” passa pelo educar, passa pelo educador. Educar é base, é o alicerce e não um adereço. A educação sem compromisso com a vida é criminosa, a educação que não se propõe à diversidade e às diferenças é violenta, a educação que não acolhe é excludente, e a exclusão é desumana.
O jovem é o futuro do amanhã, é o amanhã acontecendo, se formando. Ele precisa ser conduzido, preparado. Para isso há muitos métodos e teorias, muitas técnicas e sistemas, mas que não atingem lugar algum se não bem aplicados, se não comprometidos com a vida. A teoria é vazia e a ação é hipócrita se não há o conhecimento das causas maiores e das reais necessidades.

O desafio maior é como educar. Educar é vocação. Educar é exigente. Educar é amar. Não é fácil educar, é muitas vezes desgastante, angustiante, desmotivador. Toda educação passa ela dificuldade, e muitas delas nós já conhecemos, está na mídia quase que constantemente: violência, drogas, indisciplina, sexo, falta de recursos. Lamentavelmente os problemas são reais e não há como fechar os olhos como se não existissem. Devem ser assumidos, pautados, e principalmente, sanados. Nada se resolve com discursos ou com mágica, mas com trabalho coletivo, mas com papéis assumidos. Os frutos compensam, com certeza. Dizia Aristóteles: “A EDUCAÇÃO TEM RAÍZES AMARGAS, MAS SEUS FRUTOS SÃO DOCES”.

domingo, 22 de abril de 2018

A MESMA TECNOLOGIA QUE PROMOVE INCLUSÃO, PODE TAMBÉM EXCLUIR!

É difícil pensar em uma imagem que suscite maior sentimento de inclusão do que a de mulheres e homens de diferentes gerações, níveis sociais e nacionalidades conectados via internet ao redor do mundo.
E a velocidade com que a tecnologia tem permitido nossa aproximação —via redes sociais— e criado facilidades com o avanço da robótica, da inteligência artificial e da biotecnologia pode até criar a impressão de que caminhamos para essa realidade dos sonhos. 
O desconcertante, porém, é concluir que quem pesquisa o tema tem alertado para o risco contrário: o de que a tão badalada nova onda de progresso tecnológico acentue nossas exclusões e desigualdades.
Esse é um dos recados mais veementes do livro “Aplicando a quarta revolução industrial”, de Klaus Schwab e Nicholas Davis, recémtraduzido para o português. 
A desigualdade de gênero é um dos muitos casos que os autores analisam. O problema começa com acesso. 
A Web Foundation revelou em 2015 que, embora os adultos de ambos os gêneros, em nove países em desenvolvimento pesquisados, tivessem grande chance de possuir um celular, a probabilidade de as mulheres terem de acesso à Internet era 50% menor. 
Menor renda ajuda a explicar, em grande medida, esse número. Em alguns países, barreiras culturais também são parte da questão.
No Brasil, dados mostram que o acesso à internet entre os gêneros é equilibrado —embora ainda baixo para todos. Mas isso não significa que estamos longe dos demais riscos de exclusão feminina no embalo da quarta revolução industrial, que se materializam de outras formas.
Uma delas é via distribuição ocupacional. Como ressaltam Schwab e Davis, as mulheres representam menos de 30% dos empregados em pesquisa científica e ocupam menos de 25% dos postos em tecnologia da informação em países desenvolvidos. A chance de uma mulher empreender na área tecnologia é substancialmente menor do que a de um homem. Em países em desenvolvimento como o Brasil, o cenário tende a ser pior.
O problema, apontam Schwab e Davis, é que o “viés de qualificações” atual parece favorecer justamente profissões em que a participação feminina permanece baixa. Já as funções que tendem a desaparecer – com o avanço da automação e da inteligência artificial —são os rotineiros, administrativos, repetitivos. Ou seja, ocupações onde a presença feminina ainda é grande.
As preocupações referentes às mulheres —no que tange a acesso e a profissões— também se aplicam, talvez em maior intensidade, aos mais pobres, muitos deles ainda não tocados por benefícios das revoluções industriais anteriores, como o saneamento básico.
E um relatório divulgado nesta semana pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) joga luz em outra questão pouco discutida: a vulnerabilidade dos jovens em meio ao frenético progresso tecnológico.
Essa colocação pode causar estranhamento se a pensarmos sob a ótica do acesso, já que a conectividade de adolescentes e jovens é maior do que a de adultos e idosos.
O problema, diz a OCDE, é o aspecto ocupacional. As profissões repetitivas e administrativas —as mesmas onde há muitas mulheres e pobres— também costumam ser a porta de entrada dos jovens para o mercado de trabalho. 
Essas preocupações não eliminam os ganhos potenciais da quarta revolução industrial sobre a produtividade, a saúde pública, a segurança, a educação. Mas representam riscos cada vez mais reais que podem fazer com que esses benefícios sejam distribuídos de maneira extremamente desigual. Por isso, merecem atenção maior e urgente de governantes, empresários e sociedade civil.

FONTE: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ericafraga/2018/04/tecnologia-pode-aumentar-a-exclusao-de-pobres-mulheres-e-ate-jovens.shtml

domingo, 25 de março de 2018

PILARES DA EDUCAÇÃO

A quase totalidade das mesas existentes no mercado possui quatro pernas. A mesa do professor, a que fica na cozinha e as mesas metálicas que enfeiam calçadas, são exemplos que garantem essa certeza. O sereno e necessário equilíbrio ao apoio de uma boa mesa serve de metáfora para ensinar que a Educação que prepara o aluno planetário dos tempos de agora também se equilibram em quatro pilares, que tais como pernas de mesa, garantem sustentação. Escola que é escola de verdade e aula que não finge ser aula precisa assim ensinar o aluno a “aprender”, ajuda-lo a “saber fazer” (competência), despertar seu “sentimento de grupo e solidariedade” e, finalmente, buscar ajuda-lo a “ser”.

Mas, nem todos os apoios materiais necessitam de quatro pernas. Existem raras mesas, mas frequentes tripés que sustentam câmeras e ainda outras geringonças que vivem muito bem com três pés. E se os quatro pés de uma mesa representam inequívocos pilares para a escola que precisamos o exemplo de objetos apoiados em três pernas também constitui metáfora para se pensar em condições essenciais a uma escola pública, para sucesso de seus alunos em exames do IDEB ou do ENEM. Nesse caso, esses apoios sempre se fazem presente em redes de ensino que, mesmo em lugares pobres, apresentam resultados excelentes, caracterizando “ilhas de exceção” no oceano da mediocridade escolar brasileira. E quais são esses pilares? Parece não haver dúvida que esse sucesso tem sempre a certeza de um ou uma excelente “Secretário ou Secretária de Educação”, “diretores de unidades escolares” dedicados, empenhados, estudiosos e corajosos e “funcionários administrativos” que não sendo professores, são preparados para serem verdadeiros educadores.

Continuando a analogia entre apoios e a educação, chegam-se aos dois pés, comuns na maior parte dos bancos dos jardins. De forma igual ao exemplo da mesa e do tripé, os apoios são essenciais e a falta de um implica em fracasso e tombo literal. Em educação o que mais se parecem aos bancos de dois imprescindíveis pés é sempre o feliz binômio “aluno” e “família”. Escolas com alunos entusiasmados e familiares plenamente envolvidos a essa escola e impulsores desse entusiasmo. Tal como na mesa, no tripé e no banco a presença isolada de apenas um dificulta a aprendizagem e afasta sucesso perene. Como se percebe, chegam-se agora a objetos que se apoiam em pé único, verdadeira coluna e essencial sustentáculo e ainda assim para esses apoios a metáfora é plausível. Se não há sustentação para mesa de cozinha de três pernas ou menos, se também não há para seguros tripés com apenas duas pernas e nem mesmo para banco de jardim de perna única, não há e não pode existir educação, escola e futuro sem a coluna essencial e insubstituível. O “professor”, aqui e ali, é sempre o sustentáculo dos sonhos de amanhã.

Por Celso Antunes


fonte: http://www.celsoantunes.com.br/pilares-da-educacao/