quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O barril e a esmola

Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos —uma das características da estatuária grega. Pela forma é que se penetrava na alma das estátuas, não pelos olhos.
Perguntaram a Diógenes porque pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.
É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha para dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais poder.
A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das calçadas.
Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios.
Pupilas vazadas que nada olham. Ou que olham errado —como no caso de Maria Antonieta, que sugeriu ao povo comer brioches à falta de pão.
Não sei por que lembrei o cinismo sábio de Diógenes e o cinismo burro de Maria Antonieta. Acho que têm a ver com um tipo de cinismo que nem é sábio nem burro. É apenas um cinismo que só não é inútil porque é cruel.