– Irmãos, continuemos hoje em nosso comentário acerca do
bom ânimo. Não me creiam separado de vocês por virtudes que
não possuo. A palavra fácil e bem posta é, muita vez, dever espinhoso em nossa boca, constrangendo-nos à reflexão e à disciplina.
Também sou aqui um companheiro à espera da volta. A prisão
redentora da carne acena-nos ao regresso. É que o propósito da
vida trabalha em nós e conosco, através de todos os meios, para
guiar-nos à perfeição. Cerceando-lhe os impulsos, agimos em
sentido contrário à Lei, criando aflição e sofrimento em nós mesmos. No plano físico, muitos de nós supúnhamos que a morte
seria ponto final aos nossos problemas, enquanto outros muitos se
acreditavam privilegiados da Infinita Bondade, por haverem
abraçado atitudes de superfície, nos templos religiosos. A viagem
do sepulcro, no entanto, ensinou-nos uma lição grande e nova – a
de que nos achamos indissoluvelmente ligados às nossas próprias
obras. Nossos atos tecem asas de libertação ou algemas de cativeiro, para a nossa vitória ou nossa perda. A ninguém devemos o
destino senão a nós próprios. Entretanto, se é verdade que nos
vemos hoje sob as ruínas de nossas realizações deploráveis, não
estamos sem esperança. Se a sabedoria de nosso Pai Celeste não
prescinde da justiça para evidenciar-se, essa mesma justiça não se
revela sem amor. Se somos vítimas de nós mesmos, somos igualmente beneficiários da Tolerância Divina, que nos descerra os
santuários da vida para que saibamos expiar e solver, restaurar e
ressarcir. Na retaguarda, aniquilávamos o tempo, instilando nos
outros sentimentos e pensamentos que não desejávamos para nós,
quando não estabelecíamos pela crueldade e pelo orgulho vasta
sementeira de ódio e perseguição. Com semelhantes atitudes,
porém, levantamos em nosso prejuízo a desarmonia e o sofrimento, que nos sitiam a existência, quais inexoráveis fantasmas. O
pretérito fala em nós com gritos de credor exigente, amontoando sobre as nossas cabeças os frutos amargos da plantação que fizemos... Daí, os desajustes e enfermidades que nos assaltam a mente, desarticulando-nos os veículos de manifestação. Admitíamos
que a transição do sepulcro fosse lavagem miraculosa, liberando-nos o Espírito, mas ressuscitamos no corpo sutil de agora com os
males que alimentamos em nosso ser. Nossas ligações com a
retaguarda, por essa razão, continuam vivas. Laços de afetividade
mal dirigida e cadeias de aversão aprisionam-nos, ainda, a companheiros encarnados e desencarnados, muitos deles em desequilíbrios mais graves e constringentes que os nossos. Nutrindo
propósitos de regeneração e melhoria, somos hoje criaturas despertando entre o Inferno e a Terra, que se afinam tão entranhadamente um com o outro, como nós e nossos feitos. Achamo-nos
imbuídos do sonho de renovação e paz, aspirando à imersão na
Vida Superior, entretanto, quem poderia adquirir respeitabilidade
sem quitar-se com a Lei? Ninguém avança para a frente sem pagar
as dívidas que contraiu. Como trilhar o caminho dos anjos, de pés
amarrados ao carreiro dos homens, que nos acusam as faltas,
compelindo-nos a memória ao mergulho nas sombras?!...
Druso fez ligeira pausa e, depois de significativo gesto, como
que indicando a torturada paisagem exterior, prosseguiu em tom
comovente:
– Em derredor do nosso pouso de trabalho e esperança, alongam-se flagelos infernais... Quantas almas petrificadas na rebelião
e na indisciplina aí se desmandam no aviltamento de si mesmas?
O Céu representa uma conquista, sem ser uma imposição. A Lei
Divina, alicerçada na justiça indefectível, funciona com igualdade
para todos. Por esse motivo, nossa consciência reflete a treva ou a
luz de nossas criações individuais. A luz, aclarando-nos a visão,
descortina-nos a estrada. A treva, enceguecendo-nos, agrilhoa-nos
ao cárcere de nossos erros. O Espírito em harmonia com os Desígnios Superiores descortina o horizonte próximo e caminha, corajoso e sereno, para diante, a fim de superá-lo; no entanto,
aquele que abusa da vontade e da razão, quebrando a corrente das
bênçãos divinas, modela a sombra em torno de si mesmo, insulando-se em pesadelos aflitivos, incapaz de seguir à frente. Definindo, assim, a posição que nos é peculiar, somos almas entre a
luz das aspirações sublimes e o nevoeiro dos débitos escabrosos,
para quem a reencarnação, como recomeço de aprendizado, é
concessão da Bondade Excelsa que nos cabe aproveitar, no resgate imprescindível. Em verdade, por muito tempo ainda sofreremos
os efeitos das ligações com os nossos cúmplices e associados de
intemperança e desregramento, mas, dispondo de novas oportunidades de trabalho no campo físico, é possível refazer o destino,
solvendo escuros compromissos, e, sobretudo, promovendo novas
sementeiras de afeição e dignidade, esclarecimento e ascensão.
Sujeitando-nos às disposições das leis que prevalecem na esfera
carnal, teremos a felicidade de reencontrar velhos inimigos, sob o
véu de temporário esquecimento, facilitando-se-nos, assim, a
reaproximação preciosa. Dependerá, desse modo, de nós mesmos,
convertê-los em amigos e companheiros, de vez que, padecendo-lhes a incompreensão e a antipatia, com humildade e amor, sublimaremos nossos sentimentos e pensamentos, plasmando novos
valores de vida eterna em nossas almas. (...)
Francisco Cândido Xavier – Ação e Reação – pelo Espírito André Luiz