domingo, 7 de novembro de 2010

A Beleza da Diversidade

Maria Amélia Vampré Xavier

Há alguns anos, na época de Natal e Ano Novo, fui solicitada a escrever um artigo sobre a diversidade humana, para ser publicado em um jornal, de grande circulação no país.

Enquanto mãe de Ricardo que tendo deficiências múltiplas tem enfrentado muitos obstáculos na vida, com as naturais repercussões dessas frustrações no grupo familiar, acho que é meu dever escrever sempre sobre as dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência mental/intelectual num país como o nosso que só recentemente começou a encarar com seriedade as dificuldades de vida desse expressivo segmento da população – cerca de 24 milhões de brasileiros, que têm direito a todo o equipamento social para sua melhor qualidade de vida, como ocorre nos chamados países do Primeiro Mundo nos quais nos espelhamos e a que desejamos tanto pertencer!...

O artigo que escrevi, e que foi publicado também na revista Mensagem da Federação Nacional das APAEs, é uma reflexão de mãe sobre o impacto na família de um filho com limitações graves, o que em nosso caso mudou todo o curso de nossas vidas.

Há no mundo todo a tendência crescente de submeter mulheres grávidas a testes que possam detectar eventuais malformações ou síndromes variadas, estando implícita a idéia de que, no caso de serem positivos os resultados do teste, a sociedade estará melhor servida, a família protegida, com a interrupção dessa gravidez.

Mãe que sou de um moço (hoje com 48 anos de idade), com múltiplas deficiências, pode parecer incrível a muitos que eu defenda com todo o empenho o direito à vida de qualquer ser humano, pois nesta sociedade atual, tecnológica, rígida, científica, na qual os homens se matam por migalhas, reconhecer o direito à vida de uma pessoa com deficiências é um absurdo inominável.

Sociedades científicas de países industrializados, em vez de se preocuparem em melhorar a vida de suas populações, dando-lhes dimensão e valor, perseguem a portas fechadas a utopia de uma raça superior, em que não haja imperfeições, com cérebros de grande porte escolhidos rigorosamente, numa clara exclusão da beleza da vida que reside exatamente na diversidade das criaturas.

Quantas pessoas de QIs elevadíssimos existem que ocupam as mentes privilegiadas em atos terroristas, colocando bombas em metrôs, quantos jovens de nível universitário cometem crimes hediondos, sem nenhum sentido,sob efeito de drogas poderosas?
Será que essas pessoas, por serem intelectualmente muito bem dotadas, têm mais valor do que outras como meu filho, que tem sim limitações intelectuais, mas tem um coração muito generoso, amável, responsável, incapaz de atos menos dignos?

Os médicos que aconselham as gestantes sob seus cuidados têm o dever de informar aos pais o resultado do teste quando positivo, mas não podem de modo algum influenciá-los a interromper uma gravidez, pois é a capacidade de luta de qualquer ser humano, seus conceitos religiosos, que irão nortear suas atitudes.

Conheço inúmeros casais que se arrependeram muito de terem abortado o filho por nascer, reconhecendo-se covardes por não aceitar os desígnios de Deus, o que lhes causou sofrimentos imensos e por toda a vida!

Num país como o Brasil, em que educação e saúde são privilégios dos mais afortunados, a questão atinge um segmento pequeno de mulheres gestantes, as de classe média e alta, pois a grande maioria das mulheres grávidas de nosso país dá à luz com a ajuda de curiosas, abandonadas em pleno trabalho de parto a mãos inábeis nas imensas regiões de nosso país.

Nestas condições devemos enfrentar a vida com coragem, assumindo encargos muitas vezes penosos.

Em meu caso, a vida de Ricardo, meu filho, representou grande crescimento para minha família, pois através dele, das preocupações com ele, tivemos todos em casa de aprender a conviver com as diferenças, adaptando-nos a elas, respeitando-as, pois o que vale é o amor que temos por nosso filho e irmão, aparentemente – só aparentemente – menos dotado.

As deficiências de Ricardo são claras para todos, que se dirá dos abismos de marginalidade e violência, que moram em cada um de nós,ditos normais?

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