quarta-feira, 7 de junho de 2017

A FORMA DE FALAR (LINGUAGEM), TAMBÉM É UMA FORMA DE EXCLUSÃO E DE PODER!

É ingenuidade achar que a linguagem existe para facilitar o entendimento e a comunicação, e que qualquer desvio desse caminho solar deve ser classificado como erro, ruído, falha. A LINGUAGEM É UMA FORMA DE PODER.
A linguagem tem seu lado iluminado e seu lado escuro. É feita para explicar e confundir, revelar e esconder, promover a compreensão e desnortear, incluir e excluir. Às vezes, faz tudo isso na mesma frase.
Nem tudo o que habita as regiões trevosas é ruim ou mal-intencionado. Acreditar nisso seria –mais uma vez– ingênuo, por pressupor a possibilidade de uma linguagem toda reta e franca.
É na escuridão ou na penumbra que nascem os textos sagrados, as fórmulas encantatórias, a criptografia, grande parte da literatura, as gírias e a língua cifrada dos amantes. Infelizmente, também vem de lá a vasta legião dos embromadores.
"Como Escrever Bem" (Três Estrelas), o clássico manual de escrita do americano William Zinsser, faz uma defesa intransigente da clareza do texto. A certa altura, volta sua artilharia para o lero-lero da política.
"Permanecem os motivos para sérias preocupações, e a situação continua muito séria. E, quanto mais ela continuar a ser séria, mais motivos haverá para estarmos seriamente preocupados", disse em 1984, sobre a crise política na Polônia, o então secretário de Defesa dos EUA, Caspar Weinberger.
Se incluísse a política brasileira em sua pesquisa, Zinsser teria tido tempo –morreu em maio de 2015– de se deliciar com esta joia incomparável da arca de Dilma Rousseff: "Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder".
O discurso político que, por ensaboamento ou desarticulação, tece uma capa de palavras em torno do seu vazio é só uma das modalidades de abuso da boa-fé pública que a linguagem possibilita.
Outra é o eufemismo descarado que transforma o fechamento da fábrica em "descontinuação da unidade de produção" e vítimas civis de bombardeios em "danos colaterais".
Há ainda o jargão cascudo dos especialistas, com seus hermetismos arquitetados para excluir da conversa a maior parte da humanidade. E muitas vezes, como ocorre no trololó acadêmico mais opaco, também para disfarçar seu núcleo feito de coisa nenhuma.
Nada disso é contingente, falha infeliz num projeto de comunicação. Trata-se de um sistema que usa como instrumento de poder a distribuição antidemocrática do conhecimento e da compreensão. E que defende seu direito à embromação de forma aguerrida.
Uma notícia da semana passada ilustra bem o parágrafo anterior. O economista-chefe do Banco Mundial, Paul Romer, foi afastado do comando do departamento de pesquisa da instituição por pressão dos subordinados.
Romer liderava uma cruzada para tornar mais clara a linguagem do banco. Nas palavras de Andrew Mayeda, o repórter da agência Bloomberg que deu a notícia, ele estava "frustrado com o estilo denso e enrolado de muitos dos relatórios do departamento" e pressionava seus subordinados a "escrever com mais clareza, usando a voz ativa para serem mais diretos".
Não sei se Romer era leitor de Zinsser, mas combatia o mesmo bom combate que o autor de "Como Escrever Bem". Perdeu, mas a luta continua.

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