Há muitos anos, o escritor português Augusto Abelaira (1926-2003)
classificou toda a literatura do mundo em apenas duas famílias: "Grandes
Esperanças" e "Ilusões Perdidas". A brincadeira com as obras-primas de
Dickens e Balzac poderia ser estendida ao temperamento dos escritores,
os soturnos e os solares.
Como classificar e coçar é só começar, e a ficção -o nome já o diz- não é
uma ciência, pensei em separar os escritores em função de como eles
veem o mundo que pretendem "revelar". As aspas se explicam adiante.
A primeira vertente seria a conspiratória. Segundo ela, somos
naturalmente seres negativos que se dirigem à morte. Infelizmente, não
há nada que se possa fazer a respeito porque a natureza é soberana e a
subjetividade, uma mentira. Pela escrita, fomos arrancados do aqui e
agora do mundo natural, ao qual não podemos voltar.
Assim, escrever será sempre um processo insidioso de ocultação, e são
impressionantes os meios de que dispõe a escrita para nos enganar,
criando fantasmas paralelos e arbitrários que asfixiam o real tentando
simular um impossível retorno à suposta paz primitiva.
É falsa portanto a distinção entre ficção e não ficção -tudo é ficção;
ou, pior, tudo é uma mentira, e a penosa ética da escrita seria torná-la
límpida, trazer a mentira à luz do sol, denunciando perpetuamente o
fracasso, que, queiramos ou não, se volta sobre si mesmo. Não há escape
ou segurança, exceto no próprio ato de escrever, que é, necessariamente,
um ato de desespero.
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