Sob o comando do tucano Duarte Nogueira, a prefeitura
de Ribeirão Preto, no interior paulista, apresentou em julho um projeto
para contratar aulas avulsas de professores por meio de um aplicativo de
celular, com o objetivo de suprir as ausências de docentes da rede
municipal.
No “Uber da Educação”, como a proposta foi apelidada, o
profissional não teria vínculo empregatício. Após receber a chamada,
ele teria 30 minutos para responder se aceita a tarefa e uma hora para
chegar à escola.
Com cerca de 5 mil habitantes, a cidade catarinense de
Angelina, na Grande Florianópolis, também inovou, com a criação de uma
espécie de leilão reverso para a contratação de professores. Em abril, a prefeitura publicou o Pregão nº 018/2017, baseado em uma licitação de “menor preço global”.
O edital partia de um pagamento máximo de 1.200
reais para uma jornada de 20 horas semanais, mas atrelava sua definição a
um leilão que deveria ser feito com o envio de propostas salariais a
menores custos. O processo só não foi adiante porque foi interpelado
pelo Ministério Público de Contas do Estado.
Há tempos os professores da educação básica convivem com a
precarização das relações de trabalho, um problema que deve
aprofundar-se com a nova Lei de Terceirização e a reforma trabalhista
sancionada por Temer. Diante do cenário, não chega a surpreender a
iniciativa do Grupo Anhanguera, de buscar atrair novos estudantes para
cursos de formação pedagógica com a promessa de uma fonte complementar
de rendimentos.
“Torne-se professor e aumente a sua renda”, dizia a
peça publicitária, com Luciano Huck de garoto-propaganda. Após a
repercussão negativa da campanha nas redes sociais, a instituição de
ensino superior pediu desculpas pela “mensagem equivocada sobre a função
e importância do professor”.
A precariedade cobra um elevado preço dos
profissionais. Em 34 anos de carreira, esta é a primeira vez que Maria
Fátima Maia da Silva, 50 anos, se vê longe das salas de aula. Por
recomendação médica, ela está afastada há dois meses em consequência de
estresse acumulado ao lecionar em sete escolas do Paraná.
A peregrinação pelas unidades da rede estadual começou em fevereiro, quando o governo de Beto Richa (PSDB) reduziu as horas-atividade dos docentes, passando de 7 para 5, em uma carga horária de 20 horas/aulas semanais.
Até a decisão, Maia da Silva trabalhava em uma única
escola de Curitiba, com uma jornada de 40 horas semanais, 20 horas
dedicadas a aulas de Biologia e o tempo restante para ministrar a
disciplina de Ciências. Após a medida, a professora teve as horas de
trabalho reduzidas para 13 e viu-se forçada a procurar por outras
instituições para compor o tempo de cada matéria.
“Na parte da manhã, passei a trabalhar em duas
escolas. Para cumprir as 20 horas restantes, peguei mais cinco escolas
para lecionar à noite, cumprindo por dia da semana uma carga de quatro
horas em cada uma delas”, conta a professora.
Além da jornada exaustiva em diferentes salas de aula,
pesava o tempo de deslocamento até cada um dos endereços. Entre idas e
vindas, a professora chegava a passar quatro horas no transporte
público. A rotina foi interrompida em junho, quando a estafa a afastou
do trabalho.
Na avaliação da vice-presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marlei Fernandes de
Carvalho, o caso desrespeita a Lei Federal nº 11.738/2008, que instituiu
o piso salarial dos profissionais do magistério público da educação
básica. Os professores deveriam ter assegurados dois terços da carga
horária para a interação com os estudantes.
“O terço restante é reservado para o planejamento”,
explica Carvalho. “Com a redução das horas, descarta-se esse tempo de
trabalho fora da sala de aula, o que deve fazer com que muitos
professores sacrifiquem o seu tempo livre, de descanso, para cumprir
todas as demandas da escola.”
Presidente da CNTE, Heleno Araújo também se preocupa com os
impactos da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos
por 20 anos. “Com menos recursos para a educação, temos prejudicadas as
metas 15 a 18 do Plano Nacional de Educação, que preveem a valorização docente.”
Hoje, muitos professores atuam como temporários na
rede pública, ou seja, não fazem parte do quadro efetivo. Em Mato
Grosso, por exemplo, 60% dos docentes estão contratados nesse regime,
mas são igualmente expressivos os porcentuais em Santa Catarina (57%),
Mato Grosso do Sul (50%), Minas Gerais (48%), Pernambuco (44%) e São
Paulo (34%).
“Pela Constituição, o ingresso no serviço público deve
ser feito exclusivamente por meio de concurso”, observa Araújo. Como os
temporários não podem criar vínculo com as redes de ensino, esses
profissionais precisam alternar tempo de aula com tempo de afastamento.
De acordo com a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp),
Maria Izabel Azevedo Noronha, os professores temporários eram obrigados
a cumprir uma quarentena para voltar a lecionar na rede paulista.
“Na greve de 2015, conseguimos assegurar a contratação
de quatro anos sem quebra de contrato”, lembra. Benefícios como o
quinquênio ou a sexta parte, gratificações por tempo de trabalho, só
foram adquiridos para a categoria há três anos.
No contexto de liberação das terceirizações, teme-se
que os concursos públicos deixem de ser realizados. Os professores
efetivos dariam lugar a prestadores de serviços. Outra ameaça é a
entrega da administração das escolas para organizações sociais.
A ação não seria novidade. No ano passado, o estado de
Goiás publicou um edital chamando entidades a assumirem a gestão
escolar. Contrários à proposta, estudantes ocuparam 28 escolas
estaduais. O edital foi suspenso pela Justiça goiana.
Resposta da prefeitura de Ribeirão Preto
Em nota enviada à CartaCapital, a prefeitura de Ribeirão
Preto afirma que "não existe projeto 'Uber da Educação' em andamento no
município".
"A proposta que se encontra em fase de elaboração
denomina-se “Professor Substituto” e visa a solucionar a grave situação
de ausências de professores em sala de aula, motivadas por faltas ou
licença saúde, em período inferior a 30 dias. As faltas acima de 30 dias
são resolvidas com nova atribuição de aulas a outro professor.
A proposta é que o professor substituto seja aprovado
por processo seletivo e receba atribuição de aulas por conjunto de
escolas, formado por duas ou três unidades. O contato com o profissional
para chamá-lo até a unidade escolar poderá ocorrer com a utilização de
tecnologias hoje disponíveis, o que agregará agilidade ao processo.
Quanto
à relação empregatícia, o projeto é objeto de análise por parte da
Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos. Portanto, não há nenhuma
solução definitiva a respeito do assunto."
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/professor-uber-a-precarizacao-do-trabalho-invade-as-salas-de-aula
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