sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O risco de viver

Por que será que, muitas vezes, ao enfrentar o processo de viver nos deparamos com situações que alteram completamente nossas vidas?
Por que será que no plano do Destino não podemos ter uma vida só de alegrias e sucessos?
Como se estivéssemos inocentemente andando, observando as cenas à nossa volta, apreciando pequenos acontecimentos cotidianos, acessando nossas emoções enquanto a Vida se desvela, e aí de repente somos alcançados por um turbilhão, movimento rodopiante, intenso, bruto e dolorido, que nos faz sentir como se o chão tivesse sumido sob os nossos pés.
O que é isso?
Por que aconteceu comigo?
O que foi que eu fiz para receber essa prova?
Esquecemos que todos os acontecimentos têm em si dois pólos: o que traz alegria também traz tristezas; o que parece ser sucesso revela fracassos quando olhamos de outros lugares de observação; o que parece ser uma situação insuportável revela aspectos grandiosos da nossa essência.
Quando parece que estamos no fundo do poço, temos a oportunidade de criar um jardim fértil e exuberante dentro do lodo.
Momento interessante esse, quando passa o choque e começamos a fazer perguntas.
Perguntas para nós mesmos, para os outros, para a Vida.
Ontem à noite assistindo as competições do PAN, de repente vejo que houve uma interrupção da transmissão dos jogos na televisão.
Aos meus ouvidos chega uma voz que fala sobre um acidente de avião da TAM. Aos meus olhos chegam cenas impossíveis de reproduzir.
Na minha alma, frio.
Aquilo estava de fato acontecendo, mesmo que eu não quisesse.


Experiências complexas como esse acidente, envolvendo vidas em pleno desenvolvimento, trazendo modificações inesperadas e deixando marcas para serem transformadas, acontecem conosco muito mais vezes do que desejamos, travestidas de muitas outras roupagens.
O câncer é uma dessas experiências.
Embora o progresso nos tenha trazido um grande avanço na compreensão da doença e na evolução das terapêuticas, recursos técnicos e tecnológicos valiosos; exames, medicação e procedimentos que auxiliam de maneira significativa o tratamento e que nos fornecem a possibilidade de vislumbrar um futuro com qualidade de vida, o câncer ainda é considerado um evento que nos coloca em risco de vida.
É uma doença ainda hoje associada à dor, ao sofrimento e à morte.
Propõe tratamentos dolorosos, invasivos e muitas vezes mutiladores.
Mas ao mesmo tempo fortifica, amadurece, desperta a dimensão humana através da nossa vulnerabilidade e limitação.
Risco de vida.
Risco que chama a nossa atenção para o processo de viver.
Viver é mesmo um risco. Então o risco de vida já é inerente à vida.
Viver é arriscado.
É arriscar-se.
Precisamos assumir que a vida demanda enfrentar situações plenas de alegrias, felicidade, tristezas, dúvidas, medos, saúde, doenças e toda a gama de emoções, sentimentos e acontecimentos que caracterizam a existência humana.
O adoecer está sempre relacionado com perdas das possibilidades, liberdade e independência. Interrompe planos e trajetos, muda rotas de maneira abrupta; altera papéis sociais sem nenhum treino preparatório. Mas ao mesmo tempo é possível devido à doença, identificar forças originais, descobrir nossos recursos criativos, transformadores e plenos de força vital que podem impulsionar um recomeço.
Recomeçar é uma benção divina concedida a nós, humanos, pobres mortais.
Recomeços, reinícios de vida, são temas que encontramos frequentemente no mundo dos mitos, na mitologia universal.
Mitos são histórias dos deuses, forças motivadoras ou sistema de valores que funciona para a vida humana e para o Universo, os poderes do próprio corpo e da natureza.
Histórias que falam de uma realidade que transcende o poder de controle dos homens, que transmite uma mensagem sobre as forças divinas que podem ser invocadas em nosso auxílio, e que nos ajudam de maneira eficaz.
São pistas sobre as potencialidades espirituais da vida humana e incitam-nos a voltarmos para dentro de nós mesmos escarafunchando nosso precioso tesouro atrás de recursos potentes para enfrentarmos nossos desafios.

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