domingo, 2 de maio de 2010

A Modernidade em questão

O operário aperta as peças que passam a sua frente alucinadamente, mal tem tempo para espantar uma mosca que atrapalha sua concentração, nem consegue ir ao banheiro, está sob constante supervisão, exige-se dele total dedicação e empenho. Há prazos a respeitar e encomendas a entregar. Há modelos e padrões que devem servir de exemplo para todos...

A paródia criada por Charles Chaplin em seus “Tempos Modernos” apresenta de forma criativa e engraçada uma das situações corriqueiras vividas por muitas pessoas depois do surgimento da Indústria e da concepção contemporânea de trabalho. Temos que produzir e consumir, para isso somos instados a todo o momento a uma rígida disciplina que chega a nos oprimir, que nos causa enormes dores de cabeça e nos condena a um stress sem fim...

Vários outros aspectos têm contribuído para um sem número de moléstias da modernidade:- O trânsito, as longas horas longe da família, a falta de tempo para dedicar-se a esportes ou outras atividades de lazer, a impossibilidade de alimentar-se com tranqüilidade e prazer, o distanciamento da religião, a dificuldade para continuar estudando,...

Há ainda acontecimentos de caráter geral, especificamente estruturais, relacionados à doutrinação realizada através da mídia, do estado, da escola, do trabalho, da família, da igreja e de todos os órgãos institucionalizados dentro da ordem capitalista, que impedem o homem de ser quem ele realmente é, de viver do jeito que realmente gostaria de viver, de trabalhar com prazer e satisfação...

São instrumentos implícitos a realidade em que nos encontramos inseridos. Estão consolidados como verdades jurídicas e culturais. Reiteram a todo o momento a necessidade da produtividade, da disciplina, da aceitação dos princípios régios que comandam as sociedades e acabam, de certa forma, homogeneizando os homens, tornando-os cada vez mais iguais, padronizados, repetitivos...

Há pouquíssimo espaço para criar, para respirar fundo e fugir dos estereótipos dominantes. Quem consegue vencer as barreiras impostas e questiona toda essa modernidade vira ícone da rebeldia, de uma valentia mitificada, da eterna utopia que alimenta a alma humana.

Para tratar desse assunto, depois de algumas discussões acerca das vantagens e desvantagens da modernidade, resolvemos em nossas aulas (com uma turma de 2º ano do Ensino Médio) abrir espaço para descobrir as pessoas, idéias e movimentos que tiveram coragem e sabedoria para colocar em xeque as fórmulas desse “admirável mundo novo” criado depois da “era das revoluções” (século XVIII, com as Revoluções Industrial, Americana e Francesa).

De nossas leituras emergiram homens e movimentos contestatórios dessa ordem alienante. Descobrimos que desde o século XVIII já existiam pessoas insatisfeitas em busca de alternativas que permitissem aos homens atingir a felicidade, a liberdade, à integridade e a dignidade que sempre buscaram e que a ordem burguesa havia prometido a eles sem cumprir...

A contestação apareceu nas páginas de Baudelaire, na proposta de revolução socialista de Marx, na psicanálise de Freud, no super-homem de Nietzsche, na Teoria da Relatividade de Einstein ou ainda na Seleção Natural das Espécies de Darwin. Descobrimos que a política podia ser discutida não apenas em parlamentos ou comícios, mas também na pesquisa científica, na literatura ou através de uma profunda análise histórica das sociedades e dos próprios seres humanos.

Percebemos que o Romantismo, o Modernismo, a Escola de Frankfurt ou Woodstock revitalizaram a humanidade presenteando-a com a possibilidade de sonhar, de criar, de burlar modelos e superar todo e qualquer totalitarismo.

E como fizemos essa imensa viagem pelo que se produziu de mais libertário no mundo pós-industrial?

Para começar lemos alguns textos introdutórios, através dos quais ficamos sabendo um pouco mais a respeito de cada um desses acontecimentos e personalidades. Tínhamos que descobrir quem eram, o que representavam, que produções realizaram, como enfrentaram as engrenagens que tantas vezes engoliram dezenas e dezenas de idealistas libertários.

Percebemos como ponto comum à capacidade de olhar criticamente para as coisas que acontecem a nosso redor e questionar essa ordem. Entendemos que para fazer isso são necessárias força e coragem, pois as cobranças e pancadas no sentido contrário são certezas sempre que assumimos posições fortes e desmistificadoras.

Vimos que todos os envolvidos sofreram perseguições e punições por suas opiniões e ações. Soubemos que foram incompreendidos por muitas pessoas (e continuam sendo até hoje). Descobrimos que para atingir seus objetivos essas pessoas se embasaram na cultura e na realidade, atingiram um nível elevado de maturidade em seus projetos e acreditaram sempre naquilo que estavam fazendo.

Lutaram contra a uniformização dos homens através da crescente influência da indústria cultural e da comunicação de massa (ficamos sabendo da existência de Adorno, Marcuse, Horkheimer e Walter Benjamin da Escola de Frankfurt). Questionaram a ordem institucionalizada se recusando a fazer a guerra ou a votar em favor de todo conservadorismo, consumismo e desigualdades da ordem capitalista (Os jovens e sua revolução através da música, do amor, do sexo e das drogas nos anos 1960).

Descobriram que não há verdades absolutas e que tudo é relativo, como nos ensinou o físico Albert Einstein. Perceberam que a arte pode ter várias formas, luzes, cores e representações, como pudemos ver com as obras de Pablo Picasso ou Salvador Dali. Defenderam a multiplicidade tão própria da espécie humana em contrapartida a homogeneização proposta e realizada pelo sistema, como na obra do radical Nietzsche.

Quiseram ver um mundo igual, em que ninguém se diferenciasse a partir de suas posses, de suas propriedades, como nas obras de Marx e Engels. Explicaram nossas origens sem se pautar em conceitos religiosos e sim na ciência, obra do cientista Charles Darwin. Buscaram compreender a humanidade a partir de seu inconsciente, a partir das pesquisas de Sigmund Freud.

E, de repente, todo esse conhecimento era alvo da pesquisa de uma juventude ávida por novos conhecimentos e em busca de respostas para as insatisfações do cotidiano moderno em que estão inseridos. Dessa curiosidade surgiram diagramas deslocados das folhas de sulfite para transparências e, dessas para a parede da sala de aula para que todos pudessem conhecer um pouco mais sobre o assunto.

De súbito nossa aula virou um espaço para a discussão da felicidade sacrificada pela correria, pelo stress, pela ausência, pelo desamor e pela falta de Deus. De que adianta tanta modernidade se cada vez mais nos vemos tão distantes da felicidade? Aonde iremos parar com tudo isso? O que queremos para nossas vidas?

Não podíamos celebrar melhor a memória e as idéias de todas essas pessoas e movimentos...

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