quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mundo melhor para quem?

Por Cláudia Werneck

Quem sabe no II Fórum Social Mundial pessoas com deficiências diversas tenham desaparecido da face terrestre. Como esta é uma proposta absurda, sugiro à comissão organizadora do Encontro trabalhar desde já para que indivíduos cegos, surdos, com deficiências física, motora e mental possam participar e se beneficiar dele. Só assim o II Fórum Social Mundial será um local de congraçamento universal de gerações humanas.
Estive no I Fórum Social, em Porto Alegre, participando de uma oficina. Por dois dias circulei pelo Centro de Eventos da PUC do Rio Grande do Sul, passeei pelos stands, conversei com integrantes do Fórum e organizadores constatando, mais uma vez, o quanto ainda estamos distantes de ultrapassar a fase de "respeitar os deficientes", passando finalmente a tomar decisões e adotar práticas para incluí-los no nosso dia a dia.
Neste I Fórum, pessoas surdas ficaram impossibilitadas de acompanhar conferências e se expressar nas oficinas. Não foram contratados intérpretes da língua brasileira de sinais, nem da língua espanhola de sinais, nem da língua inglesa de sinais, por exemplo. Quanto aos cadeirantes, havia vasos sanitários adaptados, sim, mas após usá-los os usuários não tinham como lavar as mãos sem ajuda, porque as pias dos banheiros (pelo menos dos que entrei) eram apoiadas em armários que impediam a aproximação das cadeiras. Notei ainda a ausência da programação em braile para que jovens e adultos cegos pudessem escolher e acompanhar os eixos temáticos.
Enfrentar o desafio da acessibilidade deve ser uma preocupação da comissão organizadora do próximo Fórum por, no mínimo, cinco razões: a) Vi o interesse público pela proposta do Fórum; b) É necessário que cada vez mais pessoas dispostas a se doar por um mundo melhor estejam reunidas em 2002; b) É básico garantir a todas as condições humanas - e não apenas a algumas - o acesso às reflexões propostas pelo Fórum; c) É coerente que num encontro onde se brada por inclusão social, fiquemos atentos às necessidades do próximo, de qualquer próximo, não necessariamente dos próximos sob risco social (só assim ficaremos à vontade para argumentar com os opositores do Fórum); d) É hora de cumprirmos as Leis que penalizam instituições ou indivíduos que impeçam o acesso e a permanência de cidadãos com deficiência nos ambientes públicos. A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, explicita a responsabilidade do poder público em relação à pessoa com deficiência e dispõe sobre a criminalização do preconceito, com pena de 1 a 4 anos de reclusão.
Não se muda mentalidade por força da lei. Mas, se punidos, os organizadores do Fórum não estariam sozinhos. Inexistem no mundo celas suficientes para conter tanta gente, tamanha é a freqüência com que violamos, diariamente, os direitos de humanos com deficiências e doenças crônicas. Eu mesma, que desde 1992 milito e escrevo artigos e livros sobre sociedade inclusiva e inclusão de grupos vulneráveis na sociedade, participando de movimentos nacionais e internacionais defensores do tema, talvez fosse a primeira a ser encarcerada.
Há uns 15 dias surpreendi-me com o tamanho da minha incoerência. Pego meus cartões de visita e o que leio? Nome, endereço, telefone, profissão, e-mail, tudo escrito apenas em português! Informações ininteligíveis para quem é cego ou tem visão subnormal. Bem, já providenciei cartões de visita em braile que também terão meus dados em letras maiores, para quem não chega a ser cego mas não enxerga bem. Desnecessário? Deixemos a idade avançar e talvez entendamos melhor o que significa acordar e dormir em um mundo inadequado às nossas necessidades básicas.
É absurdo propor inclusão social sem exercitar a inclusão humana. Insistindo em pular esta etapa, que nos remete a reflexões da ética do indivíduo para com sua própria espécie, reflexões estas consideradas menores por grande parte dos sociólogos, filósofos, jornalistas, educadores, governantes - brasileiros e não-brasileiros - etc, jamais construiremos um mundo melhor. Ir ao banheiro com conforto e ter sua intimidade preservada neste momento pode ser tão revolucionário quanto ter voz nas plenárias.
Faço aqui uma chamada para que entidades do Terceiro Setor, como o Instituto Pró-Sociedade Inclusiva, do qual faço parte, e que se coloca à disposição do Fórum Social Mundial, neste momento, mobilizem-se para colaborar com a organização do próximo Fórum no que diz respeito a acessibilidade de participantes com comprometimentos humanos diversos.


Claudia Werneck é reconhecida como "Jornalista Amiga da Criança" pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância e autora do livro "Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu TODOS?"

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