domingo, 22 de setembro de 2013

Como o professor vê a Educação

O ponto de partida para comprender a atuação do docente em sala de aula é a opinião sobre suas próprias práticas educativas. Os docentes das escolas públicas urbanas do Brasil consideram-se preparados para dar boas aulas, opinião predominante em 64% dos entrevistados. Mas apenas a metade deles considera que a formação inicial trouxe subsídios suficientes para a sua atuação como docente. É interessante observar que os homens sentem-se menos preparados do que as mulheres, talvez pela predominância dos egressos de licenciaturas, que têm preparação menos específica para as questões diretamente vinculadas ao âmbito pedagógico. O mesmo ocorre em relação à educação continuada. Cursos de extensão e atualização, embora sejam considerados positivos para a formação, têm aprovação de apenas 51% dos professores que participaram do estudo, no que diz respeito da adequação à realidade em sala de aula. Do depoimento de um grande número de professores pode-se depreender que, embora se sintam preparados em relação ao conteúdo das disciplinas, os educadores manifestam dificuldade no momento de ensinar, não conseguindo, muitas vezes, conquistar a atenção do aluno, o que remete às estratégias pedagógicas e às opções metodológicas. Mais uma vez, observa-se uma maior satisfação com a própria qualificação entre aqueles que se dedicam à Educação Infantil, condição que diminui gradativamente até chegar aos professores do Ensino Médio. Diferenças também se notam quando se observam as opiniões por faixa etária: com o passar dos anos, a experiência adquirida em sala de aula contribui para que o professor esteja mais confortável com seu desempenho. Os professores descrevem um cotidiano no qual sua atuação não se resume apenas ao campo da didática, mas engloba um espectro mais amplo, no qual está incluído o enfrentamento de questões ligadas à convivência, ao comportamento e à formação de atitudes e valores. A falta de disciplina dos alunos surge como uma das maiores queixas desses profissionais da educação, sendo apontada, espontaneamente, por 46% dos entrevistados como o principal desafio em sala de aula. Para o professor, o aluno está desmotivado, demonstrando pouco interesse em aprender (34%). Esses números são mais significativos entre os que lecionam no segundo ciclo do Ensino Fundamental: 43% dos entrevistados apontam para a disciplina como um obstáculo ao trabalho educativo. A falta de apoio e interesse da família é, do ponto de vista de 31% dos professores, um fator determinante para o agravamento desse quadro. Pais que têm pouco tempo para os filhos e baixo envolvimento com a educação destes estão, para os professores dos principais centros urbanos brasileiros, entre os principais fatores que explicam o baixo rendimento dos alunos. Se a indisciplina pode ser avaliada como uma atitude até certo ponto natural para as crianças e, especialmente, os adolescentes, torna-se um problema grave quando associada à violência. A agressão a colegas e professores é diagnosticada como rotineira por 14% dos entrevistados – 18% no caso do Ensino Fundamental II. Embora em menor proporção do que se imagina, dada a alta repercussão que os episódios de violência acabam tendo na mídia, não se pode ignorar a presença de questões ligadas à violência doméstica e ao envolvimento com drogas. Pais com problemas de alcoolismo (5%), comércio de drogas na escola (5%), crianças envolvidas com criminalidade (5%) ou que sofrem agressão (3%) e abuso sexual (2%) são algumas das tragédias da cena brasileira que devem ser enfrentadas pelos professores. É claro que a problemática da violência e dos conflitos traz para a escola e para os professores uma série de elementos novos, certamente não contemplados no programa dos cursos de formação de professores. É preciso observar que os problemas enfrentados pelos professores não se limitam ao relacionamento com os alunos. Há problemas estruturais claros, como a falta de equipamentos (para 18% dos entrevistados), salas superlotadas (16%), além de instalações deficientes (18%) ou mal conservadas (12%). E há lacunas também no suporte ao trabalho pedagógico, como a falta de materiais (para 19% dos professores ouvidos); a necessidade de aulas de reforço, que garantam o aprendizado de alunos com menor nível de conhecimento (12%) e mesmo a falta de conhecimento didático (5%), que aparecem como elementos importantes. Pode-se imaginar que um ambiente pouco propício para o desenvolvimento de uma cultura que promova conhecimento e o estímulo a aprendizagens significativas faça apenas com que aumente a propensão ao desrespeito, à indisciplina e, num extremo, à violência. A pesquisa buscou conhecer, também, um pouco mais a diversidade de instrumentos que o professor utiliza para oferecer aos alunos caminhos mais ricos de aprendizagem. Os dados mostram que livros, revistas, internet e música são instrumentos bastante utilizados no planejamento das aulas. Como seria razoável supor, a internet (57%) e a música (47%) são mais utilizadas por professores jovens, enquanto os de maior faixa etária dão preferência a instrumentos mais tradicionais: livros paradidáticos, jornais e revistas. De modo geral, os professores utilizam, em média, quatro fontes diferentes no planejamento de suas aulas. Quanto aos recursos disponíveis para as aulas, os livros (68%), aparelhos de DVD (54%), televisores (52%) e aparelhos de videocassete (48%) são os mais citados. A título de curiosidade vale citar que o tradicional giz não é mais utilizado por quase metade dos professores das principais capitais brasileiras. Em que pese o esforço de informatização da escola, o computador ainda não é uma realidade na grande maioria das escolas públicas urbanas, ao menos no que se refere aos equipamentos de uso do professor. Apenas 21% deles contam com esse recurso. Até porque recursos fundamentais e prosaicos representam graves carências para boa parte dos entrevistados: uma boa lousa, boa iluminação, livros didáticos, paradidáticos e literários ainda não estão disponíveis em um número significativo de escolas. Outros recursos de apoio são demandados pelos professores. As saídas culturais são bastante citadas, com 21% de menções espontâneas. Filmes, jogos, enciclopédias e rádios também são requisitados por esses professores. Embora não se possa fazer generalizações, é possível dizer que os professores contam com uma razoável variedade de recursos didáticos. Por outro lado, é importante destacar que nem sempre o material didático enviado pelo governo chega no prazo prometido. Em torno de 25% dos entrevistados reportaram atraso na chegada dos insumos de apoio ao trabalho pedagógico. As informações da mídia são utilizadas por 92% dos professores como material de apoio em suas aulas. Como principais fontes, surgem jornais, revistas, televisão, internet, rádio e filmes, nesta ordem. A realização de debates e trabalhos em grupo e a análise e interpretação de textos são alguns dos formatos mais corriqueiros. Reportagens sobre violência, política, esportes e outras atualidades, bem como matérias sobre saúde e meio ambiente, além de propagandas, estão entre os principais temas mencionados. Enquanto 89% dos professores consideram que o ideal seriam classes com, no máximo, 30 alunos, a realidade se mostra bastante diferente: 74% dos entrevistados declaram que suas salas superam esse limite. Mais uma vez, é importante destacar as diferenças entre as diversas modalidades de ensino: na Educação Infantil, os professores consideram 25 alunos o número máximo de crianças por sala de aula (em acordo com o parâmetro estabelecido pelo Conselho Nacional de Educação), mas isso só ocorre em 40% dos casos. Já nas séries mais avançadas, embora o número avaliado como ideal seja o de, no máximo, 30 estudantes, na prática, encontram-se classes com mais de 35 alunos, em 70% dos casos. Pouco mais da metade dos entrevistados leciona em dois períodos, enquanto 19% estão comprometidos com três períodos. Essa sobrecarga de trabalho evidencia-se nos ciclos mais avançados, chegando a 31% entre os que dão aulas no Ensino Médio. Parece óbvio imaginar a dificuldade dos professores da última etapa do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em trabalhar, com qualquer grau de individualização, os diferentes níveis de aprendizagem de seus alunos. Contraditoriamente com a imagem preponderante de uma juventude agressiva e problemática, os professores acreditam que 81% de seus alunos são crianças felizes, normais, que gostam de estar na escola e vivem com os pais. Conforme os docentes, ao menos a metade delas está interessada em aprender e gostaria de ter uma carreira de sucesso. Ao mesmo tempo, o retrato oferecido pelos docentes apresenta um painel alarmante sobre um dos principais dilemas da escola contemporânea, o trabalho com os alunos com níveis mais baixos de aprendizagem. Para os docentes, tais alunos representam 25% das turmas da Educação Infantil e 42% das do Ensino Fundamental e Médio. Os dados impressionam e confirmam os resultados aferidos pelas avaliações de rendimento: para os professores do Ensino Fundamental II, 20% de seus alunos, em média, não sabem ler e escrever, sendo que 40% não se expressam verbalmente de forma adequada. O quadro desenhado pelos professores dos grandes centros urbanos brasileiros mostra ainda o quão graves são os problemas vivenciados pelas crianças e adolescentes que extrapolam o campo pedagógico. Os docentes detectam problemas dentários (em 26% das crianças, em média), oftalmológicos (16%) e até mesmo de desnutrição (9%). Ainda que não tenham a validade de diagnósticos médicos, a percepção dos professores é suficientemente grave para levantar um alerta sobre a necessidade de uma maior articulação das políticas sociais, que inclua a escola. Os aspectos psicológicos também causam apreensão, com relatos de agressividade (entre 20% dos alunos), prática do preconceito (17%) e agressão física frequente (9%). Os problemas estendem-se à família. Os professores atribuem 14% de casos de alcoolismo entre os pais de seus alunos. Olhando para esta realidade, não é difícil entender por que os professores consideram a sobreposição dos papéis da escola como um dos principais fatores que interferem no baixo rendimento escolar e cobram ações mais efetivas do poder público para solucioná-la. Dessa forma, a percepção dos professores reflete uma escola pública muito heterogênea, na qual convivem extremos, como crianças com famílias estáveis, pais escolarizados, adaptadas ao ambiente escolar e com projetos de educação de longo prazo, ao lado de alunos de comunidades em situação de risco, vítimas de mazelas sociais persistentes e sempre na iminência do fracasso escolar.

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